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O Brasil está ficando sem gente para trabalhar, e o risco é real 

A escassez de mão de obra qualificada não é um acidente. É resultado de anos de decisões adiadas ou simplesmente ignoradas

Brazilian work card (Carteira de Trabalho). It is the document that guarantees access to worker rights in Brazil (CLT) (RafaPress/Getty Images)

Brazilian work card (Carteira de Trabalho). It is the document that guarantees access to worker rights in Brazil (CLT) (RafaPress/Getty Images)

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 17 de junho de 2025 às 18h06.

Por Cláudio Costa*

 

Durante muito tempo, o maior desafio do mercado de trabalho brasileiro era a falta de vagas. Hoje, o problema se inverteu, e talvez seja ainda mais grave. Há vagas, mas falta gente qualificada e com disposição para ocupá-las. Empresas de setores estratégicos, como agronegócio, construção civil e indústria pesada, enfrentam cada vez mais dificuldade para preencher funções operacionais com profissionais capacitados. Esse não é um problema isolado. É um sinal de alerta para o país. 

Parte dessa crise tem origem em um fenômeno já conhecido, mas pouco enfrentado: a mudança demográfica. O envelhecimento da população, com o aumento da longevidade, somado à queda na taxa de natalidade, altera a base da força de trabalho. 

De acordo com o Censo Demográfico de 2022, o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% em 12 anos, passando de 14,1 milhões para 22,2 milhões — o equivalente a 10,9% da população brasileira. Em 1980, correspondia a 4%. No mesmo período, a quantidade de crianças de 0 a 14 anos caiu de 45,9 milhões (24,1%) para 40,1 milhões (19,8%). Em 1980, passava de 38% esse grupo populacional. A idade média da população também aumentou significativamente: era 29 anos em 2010 e chegou a 35 anos em 2022. 

Esses dados confirmam o que já está visível no cotidiano de muitas organizações: temos cada vez menos jovens entrando no mercado da chamada “velha economia” e mais pessoas vivendo por mais tempo. Isso desequilibra a geração de riqueza, reduz a arrecadação de impostos e pressiona os sistemas previdenciários. 

E se olharmos com lupa para a estrutura de sustentação econômica do país, o cenário preocupa ainda mais. Dos cerca de 100 milhões de brasileiros em idade economicamente ativa, precisamos subtrair: 

  • 13 milhões de servidores públicos, 
  • 24 milhões de aposentados e pensionistas, 
  • 54 milhões de pessoas assistidas por programas sociais como o Bolsa Família. 

Sobra um contingente real de apenas 9 milhões de pessoas efetivamente gerando renda no setor produtivo. A conta não fecha. E não é mais previsão. Já estamos sentindo os efeitos disso. 

A estratégia de aumentar impostos perdeu eficácia. A carga tributária já atingiu o limite do suportável, a chamada “Curva de Laffer”, segundo economistas renomados no país. Hoje, para cada R$1 pago em salário, a empresa pode gastar até R$1,80, considerando encargos, tributos e benefícios. Enquanto isso, o trabalhador leva para casa pouco mais de R$0,72, após descontos. Essa carga de impostos elevada compromete a competitividade das empresas e desestimula contratações. 

Outro ponto que não pode ser ignorado é o crescimento dos chamados trabalhos “autônomos digitais”, como motoristas de aplicativo e entregadores. Esses modelos oferecem liberdade, flexibilidade e ausência de chefia. Para muitos jovens, isso parece mais vantajoso do que a rotina tradicional. O efeito disso é o esvaziamento da mão de obra disponível para setores estruturais da economia. 

Programas assistencialistas amplos e pouco estratégicos também contribuem para esse cenário. Sem contrapartidas ou incentivo à qualificação, acabam reforçando a informalidade e a baixa produtividade. Além de distorcer a taxa de desemprego real do país e alimentar discursos populistas com fins eleitorais. Enquanto isso, falta mão de obra técnica nas empresas que mais empregam. 

É por isso que a reforma administrativa precisa voltar ao centro da agenda pública. Não como uma medida política, mas como necessidade estrutural e de sustentabilidade do equilíbrio fiscal das contas públicas. Hoje, União, estados e municípios operam no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece o teto de gastos com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida. Muitos entes federativos já estão muito próximos desses limites. Se nada for feito, essa equação vai se tornar insustentável em poucos anos.  

A consequência imediata é clara: menos recursos para investimento em infraestrutura, inovação, segurança, saúde, educação e políticas de estímulo ao setor produtivo. Tudo que o Brasil de hoje precisa para ontem. 

O custo fixo do Estado penaliza justamente quem pode movimentar a economia: as empresas. Mas essa não é uma responsabilidade apenas do poder público. As empresas também precisam reagir. Investir em produtividade, educação de base, qualificação de equipes e eficiência operacional deve ser uma prioridade, não uma escolha. 

Não dá mais para depender apenas de um Estado inchado para resolver questões que impactam diretamente o futuro dos negócios. A escassez de mão de obra qualificada não é um acidente. É resultado de anos de decisões adiadas ou simplesmente ignoradas. 

Enquanto isso, seguimos presos a um modelo que não responde mais às demandas da economia real. Menos jovens trabalhando, mais pessoas dependendo da previdência e da saúde pública e de programas assistenciais. Mais carga tributária sobre os que ainda produzem, menos competitividade. Essa conta fecha em estagnação ou colapso. 

Por isso, é hora de agir. Com coragem, estratégia e compromisso com a realidade. Modernizar as relações de trabalho, reformar a administração pública e remover os entraves que sufocam a atividade empresarial são passos urgentes. 

Não há caminho fácil, mas há caminhos possíveis. E eles começam com disposição para encarar os fatos de frente. 

 

*Cláudio Costa, Pós-Graduado em Gestão Empresarial pela PUC-MG, executivo Top Of Mind com 36 anos de carreira nas áreas de RH, Sustentabilidade e Gestão, foi Vice-Presidente na TAM, Diretor Executivo na EcoRodovias, Secretário Executivo na PMSP e Executivo de RH na Petrobras. Atualmente atua como Consultor e Conselheiro de Administração.

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