“Novo marco fiscal será pouco efetivo”, avalia Marcos Mendes
Pesquisador foi um dos criadores do Teto de Gastos e acredita que nova regra não deve durar muito tempo
Instituto Millenium
Publicado em 24 de maio de 2023 às 10h31.
Por 372 votos a 108, o governo conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados o novo arcabouço fiscal, que irá substituir o Teto de Gastos. A votação ocorreu na noite de ontem, e segue agora para o Senado. O novo mecanismo de controle de despesas do governo traz regras menos rígidas que o anterior, o que tem sido motivo de críticas. Sobre o assunto, entrevistamos Marcos Mendes, um dos criadores do Teto de Gastos. Doutor em economia e pesquisador associado do Insper, ele não vê com bons olhos as mudanças. Leia abaixo o que o especialista pensa sobre o texto aprovado:
O novo marco fiscal prevê o equilíbrio entre arrecadação e gastos, zerando o balanço em 2024 e registrando superávit a partir de 2025. Como você vê a viabilidade dessas metas, dado o atual contexto econômico do Brasil?
Marcos Mendes - As metas de superávits primários fixadas pelo governo estão bastante elevadas quando comparadas com o ponto de partida, que é um déficit de 2% do PIB orçado para 2023. Para 2023, a meta do governo é de 0,5% do PIB. Para atingi-la, seria necessário um ajuste de 1,5% do PIB, o que é muito alto. Não vejo possibilidade de atingir essa meta. O próprio secretário do Tesouro, em avaliação das contas feita esta semana, falou que está mirando um déficit de 1% para este ano, quando a parte inferior da meta para este ano é de um déficit de 0,75%. Está muito difícil o governo conseguir receita suficiente para fechar essa conta com as metas fixadas.
O projeto de lei prevê uma série de medidas caso as metas fiscais não sejam alcançadas. Na sua opinião, quão realista é a expectativa de que essas medidas sejam de fato implementadas?
MM - Com relação à eficácia das medidas de ajuste, chamadas gatilhos, elas foram colocadas de forma muito defasada no tempo. Então, no primeiro ano que não cumprir a meta de primário, faz apenas algumas daquelas medidas de ajuste que estão na Constituição. Só no segundo ano, faz as medidas mais duras, de maior efeito, como não reajustar o salário dos servidores, não contratar, não fazer concurso. Além disso, o fato do salário mínimo ficar fora da regra diminui muito a capacidade de ajuste das contas, porque o salário mínimo impacta a metade da despesa primária, e com ele subindo acima da inflação, como o governo quer, vai ficar muito difícil controlar despesas.
O governo tem se utilizado de emendas parlamentares como moeda de troca. Como estudioso desse assunto, quais os problemas que vê nesse modelo?
MM - Elas sempre foram usadas como instrumento de barganha. Agora estão perdendo esse efeito. O grande problema é que elas aumentaram muito de valor, eram na faixa de R$ 12 a 15 bilhões, e agora são mais de R$ 40 bilhões. Boa parte delas é dividida igualmente entre parlamentares, o que torna impossível fazer barganha política com isso. E a parcela que é usada de forma livre pelo governo tem sido aplicada de forma bastante ineficiente, com sérios indícios de corrupção, via Codevasf e outros mecanismos similares. Portanto, as emendas perderam a eficácia em arregimentar apoio político, ao mesmo tempo em que se tornaram mais caras e mais ineficientes.
O novo marco veio para substituir o Teto de gastos, implementado no governo Temer. Como, daqui a 10 anos, o Brasil pode ser diferente por causa dessas escolhas?
MM - O novo arcabouço fiscal veio para substituir o teto de gastos. Ele está sendo substituído porque houve uma decisão da classe política, aparentemente com grande apoio do eleitorado, de expandir fortemente a despesa e de não se preocupar com a dívida pública. A pandemia teve esse efeito de estimular a entrada do governo com mais gastos e assistência, e muitos desses gastos se tornaram permanentes. Isso gera ganhos de curto prazo para os beneficiários desses gastos, mas gera perdas de longo prazo para o país em termos de crescimento econômico e geração de emprego. Avalio que esse novo marco fiscal será pouco efetivo. Ele já parte de uma despesa muito alta, permite um crescimento grande da despesa e não controla fatores importantes de crescimento da despesa, que são prioridades do governo, como o aumento do salário mínimo, a volta da indexação do gasto mínimo de saúde e educação à variação da receita, e aumento da folha de pagamento. Esses três fatores devem estourar os limites de gastos, tornando essa regra durável por pouco tempo. Então eu vejo uma situação fiscal muito desafiadora no Brasil. Teremos um trabalho muito grande para restabelecer um mínimo de previsibilidade fiscal e de estabilidade da dívida pública.
Finalmente, se você pudesse propor uma alteração ou adição ao novo marco fiscal, qual seria e por quê?
MM - Como eu já falei antes, tenho pouca crença de que esse marco fiscal venha a ser efetivo e durar muito tempo, porque ele contradiz os principais objetivos do governo atual, que são de expandir o gasto público. Todas as principais propostas do governo são baseadas em aumento de gasto público. Portanto, controlar a despesa não vai ser uma coisa simples neste governo. Se eu pudesse fazer uma sugestão de melhoria do marco fiscal, eu sugeriria, primeiramente, a redução do limite de gastos para 2024 e 2025. O relator colocou exceções que permitem gastos maiores nesses primeiros anos, o que, partindo do nível de gastos já alto de 2023, aumentaria a dívida pública de forma bastante acelerada. Eu também eliminaria o dispositivo que permite ao Poder Executivo não usar todos os instrumentos, todos os gatilhos de contenção de despesa, quando não cumprir o resultado primário. Esse dispositivo dá oportunidade ao governo de escolher alguns instrumentos, o que enfraquece muito o uso dos gatilhos. Eu também não excluiria os gastos vinculados ao salário mínimo do controle de despesa quando do acionamento dos gatilhos.
Por 372 votos a 108, o governo conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados o novo arcabouço fiscal, que irá substituir o Teto de Gastos. A votação ocorreu na noite de ontem, e segue agora para o Senado. O novo mecanismo de controle de despesas do governo traz regras menos rígidas que o anterior, o que tem sido motivo de críticas. Sobre o assunto, entrevistamos Marcos Mendes, um dos criadores do Teto de Gastos. Doutor em economia e pesquisador associado do Insper, ele não vê com bons olhos as mudanças. Leia abaixo o que o especialista pensa sobre o texto aprovado:
O novo marco fiscal prevê o equilíbrio entre arrecadação e gastos, zerando o balanço em 2024 e registrando superávit a partir de 2025. Como você vê a viabilidade dessas metas, dado o atual contexto econômico do Brasil?
Marcos Mendes - As metas de superávits primários fixadas pelo governo estão bastante elevadas quando comparadas com o ponto de partida, que é um déficit de 2% do PIB orçado para 2023. Para 2023, a meta do governo é de 0,5% do PIB. Para atingi-la, seria necessário um ajuste de 1,5% do PIB, o que é muito alto. Não vejo possibilidade de atingir essa meta. O próprio secretário do Tesouro, em avaliação das contas feita esta semana, falou que está mirando um déficit de 1% para este ano, quando a parte inferior da meta para este ano é de um déficit de 0,75%. Está muito difícil o governo conseguir receita suficiente para fechar essa conta com as metas fixadas.
O projeto de lei prevê uma série de medidas caso as metas fiscais não sejam alcançadas. Na sua opinião, quão realista é a expectativa de que essas medidas sejam de fato implementadas?
MM - Com relação à eficácia das medidas de ajuste, chamadas gatilhos, elas foram colocadas de forma muito defasada no tempo. Então, no primeiro ano que não cumprir a meta de primário, faz apenas algumas daquelas medidas de ajuste que estão na Constituição. Só no segundo ano, faz as medidas mais duras, de maior efeito, como não reajustar o salário dos servidores, não contratar, não fazer concurso. Além disso, o fato do salário mínimo ficar fora da regra diminui muito a capacidade de ajuste das contas, porque o salário mínimo impacta a metade da despesa primária, e com ele subindo acima da inflação, como o governo quer, vai ficar muito difícil controlar despesas.
O governo tem se utilizado de emendas parlamentares como moeda de troca. Como estudioso desse assunto, quais os problemas que vê nesse modelo?
MM - Elas sempre foram usadas como instrumento de barganha. Agora estão perdendo esse efeito. O grande problema é que elas aumentaram muito de valor, eram na faixa de R$ 12 a 15 bilhões, e agora são mais de R$ 40 bilhões. Boa parte delas é dividida igualmente entre parlamentares, o que torna impossível fazer barganha política com isso. E a parcela que é usada de forma livre pelo governo tem sido aplicada de forma bastante ineficiente, com sérios indícios de corrupção, via Codevasf e outros mecanismos similares. Portanto, as emendas perderam a eficácia em arregimentar apoio político, ao mesmo tempo em que se tornaram mais caras e mais ineficientes.
O novo marco veio para substituir o Teto de gastos, implementado no governo Temer. Como, daqui a 10 anos, o Brasil pode ser diferente por causa dessas escolhas?
MM - O novo arcabouço fiscal veio para substituir o teto de gastos. Ele está sendo substituído porque houve uma decisão da classe política, aparentemente com grande apoio do eleitorado, de expandir fortemente a despesa e de não se preocupar com a dívida pública. A pandemia teve esse efeito de estimular a entrada do governo com mais gastos e assistência, e muitos desses gastos se tornaram permanentes. Isso gera ganhos de curto prazo para os beneficiários desses gastos, mas gera perdas de longo prazo para o país em termos de crescimento econômico e geração de emprego. Avalio que esse novo marco fiscal será pouco efetivo. Ele já parte de uma despesa muito alta, permite um crescimento grande da despesa e não controla fatores importantes de crescimento da despesa, que são prioridades do governo, como o aumento do salário mínimo, a volta da indexação do gasto mínimo de saúde e educação à variação da receita, e aumento da folha de pagamento. Esses três fatores devem estourar os limites de gastos, tornando essa regra durável por pouco tempo. Então eu vejo uma situação fiscal muito desafiadora no Brasil. Teremos um trabalho muito grande para restabelecer um mínimo de previsibilidade fiscal e de estabilidade da dívida pública.
Finalmente, se você pudesse propor uma alteração ou adição ao novo marco fiscal, qual seria e por quê?
MM - Como eu já falei antes, tenho pouca crença de que esse marco fiscal venha a ser efetivo e durar muito tempo, porque ele contradiz os principais objetivos do governo atual, que são de expandir o gasto público. Todas as principais propostas do governo são baseadas em aumento de gasto público. Portanto, controlar a despesa não vai ser uma coisa simples neste governo. Se eu pudesse fazer uma sugestão de melhoria do marco fiscal, eu sugeriria, primeiramente, a redução do limite de gastos para 2024 e 2025. O relator colocou exceções que permitem gastos maiores nesses primeiros anos, o que, partindo do nível de gastos já alto de 2023, aumentaria a dívida pública de forma bastante acelerada. Eu também eliminaria o dispositivo que permite ao Poder Executivo não usar todos os instrumentos, todos os gatilhos de contenção de despesa, quando não cumprir o resultado primário. Esse dispositivo dá oportunidade ao governo de escolher alguns instrumentos, o que enfraquece muito o uso dos gatilhos. Eu também não excluiria os gastos vinculados ao salário mínimo do controle de despesa quando do acionamento dos gatilhos.