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No Brasil, nada é mais permanente do que um benefício temporário

Benefício reduziria os custos relacionados à folha de pagamentos de alguns setores que apresentavam utilização intensiva de mão de obra

Cristiano Zanin: ministro suspendeu os efeitos de partes da Lei 14.783/2023 (Pedro França/Agência Senado)
Cristiano Zanin: ministro suspendeu os efeitos de partes da Lei 14.783/2023 (Pedro França/Agência Senado)

Criada em 2011 com o objetivo de impulsionar a economia pós crise de 2008, a desoneração da folha de pagamentos integrou um conjunto de políticas econômicas do Governo da Presidente Dilma Rousseff chamado “Brasil Maior”. Visando promover a criação de empregos e reverter um processo de desaceleração econômica, o benefício reduziria os custos relacionados à folha de pagamentos de alguns setores que apresentavam utilização intensiva de mão de obra. Embora cheio de boas intenções, não era difícil enxergar os problemas do benefício já naquela época. 

Ignorando o impacto fiscal negativo que a medida poderia representar e sem a imposição de métricas que garantissem a transparência da real eficácia do projeto, a desoneração foi prorrogada e ampliada desde então, até culminarmos, em maio deste ano, a um imbróglio que agora envolve os poderes executivo, legislativo e judiciário. 

Em resumo, o Ministro Cristiano Zanin, em decisão liminar sobre um pedido efetuado pelo Governo, suspendeu os efeitos de partes da Lei 14.783/2023, que prorrogava – mais uma vez – o benefício da desoneração da folha de pagamentos. Isto porque, conforme entendimento do Ministro, a legislação não cumpre a exigência constitucional de avaliar o impacto orçamentário e financeiro da medida, o que poderia comprometer o equilíbrio das contas públicas do país. Parece surreal, até para os padrões brasileiros, precisarmos da atuação do poder judiciário para relembrar algo tão básico a nossos congressistas: o fato de que não existe almoço grátis. 

Ter um olhar crítico sobre a desoneração da folha de pagamentos não significa ignorar todo o contexto que envolve os altos custos trabalhistas no país. Todavia, insistir na medida ignorando seu impacto sobre o orçamento do país inteiro, também não é a solução – lembrem-se que quando um não paga, todos pagam um pouquinho a mais. E vamos ser sinceros? Ninguém aguenta pagar um pouquinho a mais nesse país. 

A medida de compensação da desoneração da folha de pagamentos precisará ser discutida no Congresso e aprovada até o próximo dia 11 de setembro. Sem alternativa para um aumento na carga tributária, uma das saídas encontradas pela base governista está em mais um mecanismo de alto risco no longo prazo e sem possibilidade de mensuração imediata: a antecipação de receitas. Ao prever a possibilidade de atualização de bens imóveis e consequente tributação deste valor a uma alíquota reduzida, o governo abre mão da tributação em alíquota integral que receberia quando da transação destes bens. Parece uma medida inofensiva, mas quando utilizada sem critérios e em situações como esta, podem se tornar uma dor de cabeça no futuro. Exatamente como aconteceu com a desoneração da folha de pagamentos. O Brasil parece insistir em erros crassos cometidos ao longo do tempo, sempre na ânsia de encontrar uma saída fácil e rápida para um problema complexo. 

Criar benefícios temporários, ainda que bem-intencionados, cria uma espécie de dependência nos setores incentivados, o que pode enfraquecer a competitividade das empresas e gerar um ambiente econômico insustentável. Além disso, a perda de receita para o governo, agrava o déficit fiscal e reduz a capacidade do Estado de investir em áreas essenciais, como saúde, educação e infraestrutura. Tudo isso em nome de uma ajuda a setores específicos da economia e sem clareza sobre o efeito de tal medida. 

Mas há algo ainda mais danoso do que a simples criação de benefícios: a irresponsabilidade fiscal. Ao ignorar a importância da manutenção do equilíbrio adequado entre receitas e despesas, o Congresso envia uma mensagem negativa ao mercado, que vai justamente na contramão do estímulo econômico que se pretende. Como um círculo vicioso, os já questionáveis (e frágeis) efeitos positivos da medida transformam-se em desconfiança e má alocação de recursos. É dar com uma das mãos e tirar com a outra.   

Se há algo que podemos tirar como lição aprendida em toda essa situação envolvendo a desoneração da folha de pagamentos é que a economia não costuma levar em consideração as intenções originais de um projeto, por melhores que elas sejam. A geração de empregos e o desenvolvimento precisam de sustentabilidade e planos de longo prazo, que permitam planejamento e segurança jurídica. A cobrança pela racionalidade daqueles responsáveis pela política econômica do país invariavelmente ocorrerá, ainda que com 13 anos de atraso.