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"Não é realista esperar que o governo corte gastos em ano eleitoral", diz economista

O Instituto Millenium entrevistou Paulo Vieira da Cunha, destaque na 7ª edição da Conferência Anual da Brazilian Legal Society, em Nova Iorque

"Não é realista esperar que o governo tome essas medidas", afirma economista, sobre ajustes fiscais em ano eleitoral  (Brazilian-American Chamber of Commerce/Divulgação)
"Não é realista esperar que o governo tome essas medidas", afirma economista, sobre ajustes fiscais em ano eleitoral (Brazilian-American Chamber of Commerce/Divulgação)

Diretor da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos e ex-diretor do COPOM, Paulo Vieira da Cunha foi destaque na 7ª edição da Conferência Anual da Brazilian Legal Society, da New York University School of Law, realizada em 11 de abril. O evento, um dos mais relevantes para profissionais do Direito e empresários com interesses no Brasil, concentrou-se este ano em desafios e oportunidades no cenário econômico e jurídico brasileiro. A conferência abordou uma série de temas que refletem sobre o ambiente regulatório e as perspectivas de desenvolvimento econômico do país. Vieira da Cunha é sócio na Verbank Consulting e obteve seu doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley.  

Em sua participação como keynote speaker, ele discutiu a evolução do padrão de desenvolvimento brasileiro dentro do contexto macroeconômico atual. A entrevista concedida ao Instituto Millenium revela suas avaliações sobre as recentes reformas implementadas no Brasil e suas implicações para a produtividade e crescimento econômico. Além disso, ele fala sobre a necessidade de ajustes fiscais e a capacidade de implementação de reformas em um ano eleitoral, oferecendo uma análise ponderada sobre a conjuntura econômica nacional e as medidas necessárias para seu avanço. 

Instituto Millenium: Recentemente, diferentes setores do governo começaram a admitir que aumentar a arrecadação pode não ser o suficiente para atingir o objetivo de déficit zero, levantando a possibilidade de revisar as metas fiscais. Em sua avaliação, é realista esperar que o governo tome medidas efetivas para reduzir gastos, especialmente em um ano eleitoral? Há espaço político e vontade dentro do governo e do Congresso para avançar com essa agenda? 

Paulo Vieira da Cunha: Não, não é realista esperar que o governo tome essas medidas. Além disso, no relacionamento com o Congresso, muito por pressão do próprio Congresso, o aumento do gasto é a nova moeda de troca. Reconhece-se por ambas as partes que os mecanismos do orçamento estão cada vez mais disfuncionais. Por exemplo, há possibilidades para a Reforma Administrativa. Entretanto, de forma realista, nada vai acontecer este ano. 

IM: Ao longo dos últimos anos, foram implementadas no Brasil reformas significativas nas áreas tributária, previdenciária e trabalhista. Quais impactos você observa dessas mudanças na produtividade nacional até o momento? Além disso, que outras reformas você julga serem críticas para ampliar a capacidade de crescimento econômico do país? 

PVC: Na margem, já é possível observar o impacto dessas reformas no pequeno aumento da produtividade observado nos últimos trimestres. Ao contrário do que ocorreu em 2017, quando houve um surto de produtividade episódico, desta vez, é possível que o impacto seja mais duradouro. Conforme apontado por Fernando Veloso, do FGV-Observatório da Produtividade Regis Bonelli, “existe uma diferença importante no funcionamento do mercado de trabalho que pode representar uma mudança positiva mais duradoura para a produtividade. ... Também é possível que outras reformas implementadas nos últimos anos, como as do mercado de crédito, tenham contribuído para a expansão de empresas formais (com CNPJ), que por sua vez tendem a contratar trabalhadores formais (com carteira de trabalho). Na medida em que empresas formais são muito mais produtivas que as informais, isso pode ter contribuído para o aumento da produtividade.” Entretanto, a reforma mais importante que ainda precisa ser realizada, após a implementação integral do Imposto sobre Valor Agregado, é a abertura gradual da economia. Somente assim o país poderá trilhar um caminho de maior produtividade, inovação e crescimento, com maior competitividade, eficiência e equidade. 

IM: Nos últimos tempos, o Banco Central, do qual você fez parte, desempenhou um papel crucial no impulso a iniciativas chave para modernizar o setor financeiro do país, incluindo fomentar a competição com a chegada dos bancos digitais e a criação do PIX. A que fatores você atribui o sucesso na construção de uma instituição tão sólida e profissional? Como essa eficácia pode ser reproduzida em outras entidades da administração pública federal? 

PVC: O sucesso do Banco Central se deve fundamentalmente a dois fatores: a qualidade extraordinária e a dedicação do quadro de profissionais. Além disso, tivemos a sorte de contar com uma sucessão de admiráveis Presidentes ao longo das décadas, começando pelo Armínio Fraga, que foi exemplar. Esses líderes souberam conduzir a instituição de forma modelar. Primeiramente, solidificaram o arcabouço da política monetária e do sistema de pagamentos. Mais recentemente, introduziram inovações no sistema financeiro, tornando-o mais democrático e, esperamos, muito mais eficiente e competitivo. 

IM: Diante da necessidade do governo em buscar equilíbrio fiscal, principalmente via aumento de receitas, como você avalia o risco de utilização da regulamentação da reforma tributária (que deveria ser fiscalmente neutra) como um meio para aumentar a arrecadação? Quais seriam as implicações a médio prazo para a política fiscal do governo? 

PVC: A Reforma Tributária é o eixo central para a redução do “Custo Brasil”. Em conjunto com o progresso na infraestrutura, ela deve possibilitar a abertura da economia, um instrumento essencial para impulsionar o crescimento com significativo aumento da produtividade. Nesse contexto, a reforma deve ser neutra. Já temos uma carga tributária excessiva, portanto, o equilíbrio fiscal deve ser alcançado por meio do aumento da eficiência nos gastos públicos, com o de-engessamento e remanejamento dos orçamentos nos três níveis de governo, como vem sendo proposto pelo Ministérios do Planejamento e da Gestão, além da Reforma Administrativa. 

IM: A criação da Instituição Fiscal Independente pelo Senado brasileiro tem sido uma fonte valiosa de dados e análises, enriquecendo o debate sobre a gestão fiscal no país. Como você avalia o desempenho da IFI até agora? Que medidas poderiam ser adotadas para potencializar ainda mais sua contribuição ao diálogo econômico nacional? 

PVC: A IFI tem desempenhado um papel crucial na melhoria da qualidade dos debates sobre as contas públicas. Sua atuação consistente em estabelecer uma base factual e quantitativa para os debates políticos contribui significativamente para aprimorar as políticas orçamentárias. Hoje, a IFI é uma instituição fundamental no processo de preparação e condução do orçamento, sendo amplamente reconhecida e respeitada como uma fonte de conhecimento. Apesar de já ter boa penetração na imprensa especializada, acredito que o trabalho da IFI deveria ser divulgado de maneira mais ampla. Além disso, seria positivo se a instituição pudesse produzir estudos analíticos com maior frequência, abordando temas específicos do Orçamento, como a incidência de certos tributos, por exemplo.