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Musk versus Moraes: o certo e o estratégico

Elon Musk acusou o ministro Alexandre de Moraes de fazer exigências ilegais ao X, antigo Twitter

Elon Musk e Alexandre de Moraes (Getty Images)
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 17 de abril de 2024 às 15h02.

Por Luciano de Castro *

Elon Musk acusou o ministro Alexandre de Moraes de fazer exigências ilegais ao X, antigo Twitter. Diante da acusação, os jornalistas e a elite brasileira têm de escolher de que lado ficar e quem defender. Podemos observar que muitos estão apostando na defesa do ministro Alexandre de Moraes, mas esta parece ser uma aposta moral e estrategicamente equivocada, como argumento a seguir.

Partamos da premissa de que há fortes indícios de “excessos” por parte do ministro. Apenas para citar um exemplo, a Constituição veda “toda e qualquer censura” (Art. 220§2), mas Moraes mandou suspender dezenas de perfis em redes sociais, como por exemplo esta mesma Folha noticiou em matéria publicada em 12/4/24. Há vários outros indícios de “excessos”, cuja existência não é razoável negar. Partindo dessa observação, as acusações são no mínimo bastante plausíveis. Admitir a plausibilidade de excessos é suficiente para nosso argumento.

Se houve excessos autoritários, estes devem ser corrigidos. É importante para a saúde de uma democracia que esta seja capaz de corrigir tais erros e excessos. Apenas sociedades em estado de degeneração são incapazes de corrigir os excessos de uma pessoa exercendo uma função pública. A incapacidade de se corrigir se manifesta quando as instituições se identificam com os seres imperfeitos que as constituem e convertem-se em instrumentos a serviço de suas paixões. Não é para servir a qualquer paixão que se ergue uma instituição pública, ainda mais uma suprema corte. A pujança de uma democracia depende fundamentalmente da submissão ao império da lei, que a todos governa, sem exceção.

Em suma: houve excessos? Há que corrigi-los. Ponto. A única postura defensável diante das denúncias é cobrar que se realize uma investigação séria e, caso sejam comprovadas, uma punição exemplar. Para exigir essa apuração é absolutamente irrelevante quem fez a denúncia. Por acaso deixamos de investigar o mandante de um crime porque o denunciante foi o sórdido assassino? Desqualificar as acusações de Elon Musk porque ele seria mimado, bilionário ou estrangeiro não é lógico nem razoável. Se há denúncias plausíveis, a única postura moralmente defensável é cobrar uma apuração séria.

No entanto, argumentos baseados na ética e na moral parecem não ter mais qualquer relevância num país em que apenas o FLA-FLU político importa. Felizmente podemos concluir que a mesma postura pode vir da consideração do interesse pessoal dos formadores de opinião. De fato, se não acontecer nada e tudo ficar como está atualmente, o influenciador público que cobrar investigação não terá prejudicado em nada o status quo, mas terá ganho credibilidade e respeito perante a opinião pública. Poderá apresentar-se como independente e confiável, o que é uma significativa vantagem para um jornalista ou intelectual. Por outro lado, se o desenrolar dos fatos levar à queda do ministro, aqueles que tiverem favorecido a apuração aparecerão como líderes de uma elite benevolente e esclarecida. No mundo que se configurará depois da punição, essa elite poderá dizer que contribuiu para mostrar como as instituições são sólidas e funcionam bem. Em outras palavras, defender a apuração séria das denúncias não é apenas a única postura moralmente correta, mas também é o que pesquisadores de teoria de jogos como eu chamam de estratégia dominante: é a melhor opção, não importa o que ocorra.

Diante de uma conclusão tão forte, cabe até perguntar: o que poderia levar um formador de opinião a opor-se a tal diligência? Talvez me falte imaginação, mas consigo pensar em apenas duas razões: vantagens diretas para que trabalhem contra a investigação ou o medo de represálias futuras. Qualquer uma dessas hipóteses favorece a narrativa bolsonarista. Na primeira, são os meios de comunicação servindo a interesses políticos e não à verdade. Na segunda, é o reconhecimento de que não existe mais democracia uma vez que tais represálias só aconteceriam num regime de exceção. Mas não estamos nesse estágio, não é mesmo? Devemos nos convencer que vivemos uma democracia plena, com jornalistas servindo ao saudável funcionamento de instituições que corrigem a si mesmas. E é por isso mesmo que a cobrança de uma apuração séria das acusações contra o ministro Alexandre de Moraes se tornará uma unanimidade na mídia nos próximos dias. Dessa forma, nossas instituições mostrarão que estão acima dos indivíduos que as compõem e que nossa democracia segue viva e pujante.

* Luciano de Castro é Professor de Economia na University of Iowa, Estados Unidos. É especialista em Teoria de Jogos e Economia Política, tendo diversos artigos publicados nessas áreas. É também Engenheiro Eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), e mestre e Doutor pelo IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).

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Por Luciano de Castro *

Elon Musk acusou o ministro Alexandre de Moraes de fazer exigências ilegais ao X, antigo Twitter. Diante da acusação, os jornalistas e a elite brasileira têm de escolher de que lado ficar e quem defender. Podemos observar que muitos estão apostando na defesa do ministro Alexandre de Moraes, mas esta parece ser uma aposta moral e estrategicamente equivocada, como argumento a seguir.

Partamos da premissa de que há fortes indícios de “excessos” por parte do ministro. Apenas para citar um exemplo, a Constituição veda “toda e qualquer censura” (Art. 220§2), mas Moraes mandou suspender dezenas de perfis em redes sociais, como por exemplo esta mesma Folha noticiou em matéria publicada em 12/4/24. Há vários outros indícios de “excessos”, cuja existência não é razoável negar. Partindo dessa observação, as acusações são no mínimo bastante plausíveis. Admitir a plausibilidade de excessos é suficiente para nosso argumento.

Se houve excessos autoritários, estes devem ser corrigidos. É importante para a saúde de uma democracia que esta seja capaz de corrigir tais erros e excessos. Apenas sociedades em estado de degeneração são incapazes de corrigir os excessos de uma pessoa exercendo uma função pública. A incapacidade de se corrigir se manifesta quando as instituições se identificam com os seres imperfeitos que as constituem e convertem-se em instrumentos a serviço de suas paixões. Não é para servir a qualquer paixão que se ergue uma instituição pública, ainda mais uma suprema corte. A pujança de uma democracia depende fundamentalmente da submissão ao império da lei, que a todos governa, sem exceção.

Em suma: houve excessos? Há que corrigi-los. Ponto. A única postura defensável diante das denúncias é cobrar que se realize uma investigação séria e, caso sejam comprovadas, uma punição exemplar. Para exigir essa apuração é absolutamente irrelevante quem fez a denúncia. Por acaso deixamos de investigar o mandante de um crime porque o denunciante foi o sórdido assassino? Desqualificar as acusações de Elon Musk porque ele seria mimado, bilionário ou estrangeiro não é lógico nem razoável. Se há denúncias plausíveis, a única postura moralmente defensável é cobrar uma apuração séria.

No entanto, argumentos baseados na ética e na moral parecem não ter mais qualquer relevância num país em que apenas o FLA-FLU político importa. Felizmente podemos concluir que a mesma postura pode vir da consideração do interesse pessoal dos formadores de opinião. De fato, se não acontecer nada e tudo ficar como está atualmente, o influenciador público que cobrar investigação não terá prejudicado em nada o status quo, mas terá ganho credibilidade e respeito perante a opinião pública. Poderá apresentar-se como independente e confiável, o que é uma significativa vantagem para um jornalista ou intelectual. Por outro lado, se o desenrolar dos fatos levar à queda do ministro, aqueles que tiverem favorecido a apuração aparecerão como líderes de uma elite benevolente e esclarecida. No mundo que se configurará depois da punição, essa elite poderá dizer que contribuiu para mostrar como as instituições são sólidas e funcionam bem. Em outras palavras, defender a apuração séria das denúncias não é apenas a única postura moralmente correta, mas também é o que pesquisadores de teoria de jogos como eu chamam de estratégia dominante: é a melhor opção, não importa o que ocorra.

Diante de uma conclusão tão forte, cabe até perguntar: o que poderia levar um formador de opinião a opor-se a tal diligência? Talvez me falte imaginação, mas consigo pensar em apenas duas razões: vantagens diretas para que trabalhem contra a investigação ou o medo de represálias futuras. Qualquer uma dessas hipóteses favorece a narrativa bolsonarista. Na primeira, são os meios de comunicação servindo a interesses políticos e não à verdade. Na segunda, é o reconhecimento de que não existe mais democracia uma vez que tais represálias só aconteceriam num regime de exceção. Mas não estamos nesse estágio, não é mesmo? Devemos nos convencer que vivemos uma democracia plena, com jornalistas servindo ao saudável funcionamento de instituições que corrigem a si mesmas. E é por isso mesmo que a cobrança de uma apuração séria das acusações contra o ministro Alexandre de Moraes se tornará uma unanimidade na mídia nos próximos dias. Dessa forma, nossas instituições mostrarão que estão acima dos indivíduos que as compõem e que nossa democracia segue viva e pujante.

* Luciano de Castro é Professor de Economia na University of Iowa, Estados Unidos. É especialista em Teoria de Jogos e Economia Política, tendo diversos artigos publicados nessas áreas. É também Engenheiro Eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), e mestre e Doutor pelo IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).

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