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Motos por aplicativo em Salvador são opção para as classes populares 

Uma análise sobre o impacto das motos por aplicativo na mobilidade urbana e na vida das classes populares em Salvador 

São Paulo (SP), 16/01/2025 - Aplicativo 99, lança serviço de Moto Taxi em São Paulo, contrariando norma da prefeitura que proíbe o serviço.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

São Paulo (SP), 16/01/2025 - Aplicativo 99, lança serviço de Moto Taxi em São Paulo, contrariando norma da prefeitura que proíbe o serviço. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 9 de abril de 2025 às 16h44.

Foi surpreendente para mim descobrir que as motos por aplicativo eram proibidas na cidade de São Paulo. Moro em Salvador e, por aqui, o serviço já funciona há um bom tempo, sem grandes problemas. Nunca usei, moto não é meu meio de transporte preferido. Mas eu posso me dar ao luxo de andar de carro próprio ou pagar por um carro por aplicativo, numa necessidade. Eu não sou o público alvo deste tipo de transporte. Assim como não o são as pessoas que querem proibir a modalidade em São Paulo. E por isso mesmo, não deveriam ter o direito de proibir quem quer ou precisa usar.  

Em Salvador, e imagino que também em outras cidades onde o serviço opera, as motos por aplicativo são amplamente usadas por pessoas de baixa renda, que não poderiam pagar por um Uber regularmente, mas que também não têm tempo a perder em longas caminhadas e no transporte público. São mulheres que saem de casa antes do amanhecer ou que retornam depois que escurece, moradores de bairros violentos onde, vez ou outra, facções criminosas queimam ônibus e só as motos conseguem chegar razoavelmente perto de suas casas.  

Muitas vezes, inclusive, quem pilota essas motos são seus próprios vizinhos, que ao invés de serem cooptados pela criminalidade do bairro, conseguiram encontrar um meio honesto de sobreviver. Perdi as contas de quantas vezes tive que chamar um desses moto-Ubers para minha funcionária, porque os ônibus não estavam entrando no bairro dela, ou porque os traficantes determinaram toque de recolher.  

Sim, meus caros amigos de classe média. Em favelas, infelizmente, ainda é muito comum a dominação pelo tráfico de drogas. Infelizmente, não é raro que criminosos incendeiem ônibus para enviar mensagens de terror, deixando os bairros isolados por dias ou semanas. Nesses cenários, até táxis e Ubers recusam as corridas (e não estão errados). E quando falamos de mulheres, o problema se agrava ainda mais: caminhar ou esperar transporte público em certas regiões, especialmente à noite, pode ser um risco real. Em Salvador, escurece cedo: no inverno, por volta das 17h15. Poucas trabalhadoras podem se dar ao luxo de estarem em casa antes disso.  

Há ainda as pessoas que moram em vielas, ruas estreitas, ladeiras muito íngremes, onde o acesso por carro ou ônibus se torna inviável. Para estas pessoas, sem as motos, resta a longa caminhada ou – em alguns casos – pedalada.  

A classe média também usa motos por aplicativo aqui em Salvador, mas só em situações bem específicas, como o carnaval. Neste período, a cidade fica travada, e as motos são a única opção para não perder o horário do bloco, ou não ficar preso no trânsito por – literalmente – horas. Há alguns anos, a atriz Bruna Marquezine causou frisson ao ser flagrada fazendo uso desse serviço.  

E antes que venham com o argumento da segurança, vale esclarecer: não há evidências de um aumento expressivo nos acidentes devido às motos por aplicativo. Um paper recente do Instituto Millenium revela que as mortes mais frequentes no trânsito são de pedestres, e a maior parte deles morre de atropelamento por automóveis e veículos de grande porte, como ônibus e caminhões. É claro que, em uma moto, o passageiro fica mais exposto do que em um carro, mas o ponto não é esse. O trade-off não é entre moto e carro, pois esses passageiros não teriam condições de pagar por um carro. O comparativo real é entre caminhar ou esperar um ônibus em locais desertos e perigosos ou ter uma alternativa mais rápida e acessível. 

As motos por aplicativo não substituem o transporte público, mas o complementam de forma essencial. Seu custo, embora mais barato que um carro por aplicativo, ainda é significativamente mais alto que o ônibus ou metrô, cujas passagens são subsidiadas pelo poder público. Por isso, as pessoas os utilizam apenas quando necessário. Mas é fundamental ter opção. 

E aqui entra a questão central: não se trata de você, amigo de classe média, que já tem opções. Trata-se de quem não tem. E o que você não tem é o direito de decidir por essas pessoas. 

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva descobriu que 55% das paulistanas de baixa renda se sentem inseguras em seus deslocamentos a pé, 55% delas já quis pegar um carro por aplicativo e não tinha dinheiro para pagar, e 66% gostaria de ter a opção de pegar uma moto por aplicativo. Portanto, caro legislador paulistano, se você não gosta ou tem medo, simplesmente não use. Pegue seu carro, sua bicicleta, sua canoa ou helicóptero. Mas não impeça aqueles que realmente precisam. Liberdade também é sobre deixar que as pessoas escolham o que é melhor para elas. 

 

Priscila Chammas, jornalista e gerente de conteúdo do Instituto Millenium 

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