Michel Alcoforado: “Mas do que formação, empreendedorismo é uma postura”
O antropólogo, empreendedor e sócio da Consumoteca, empresa especializada em antropologia do consumo, Michel Alcoforado, analisa a relação entre empreendedorismo e as universidades no Brasil. Defensor da integração entre universidade e mercado, Alcoforado, que também é especialista do Instituo Millenium, diz: “A gente precisa implodir as barreiras que as universidades criam para si mesmas”. Segundo o antropólogo, o fato da pesquisa acadêmica não dever seguir uma lógica puramente mercadológica, não significa […] Leia mais
Publicado em 27 de outubro de 2016 às, 17h32.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h26.
O antropólogo, empreendedor e sócio da Consumoteca, empresa especializada em antropologia do consumo, Michel Alcoforado, analisa a relação entre empreendedorismo e as universidades no Brasil.
Defensor da integração entre universidade e mercado, Alcoforado, que também é especialista do Instituo Millenium, diz: “A gente precisa implodir as barreiras que as universidades criam para si mesmas”.
Segundo o antropólogo, o fato da pesquisa acadêmica não dever seguir uma lógica puramente mercadológica, não significa que ela deva dar as costas ao mercado.
Mas do que uma formação empreendedora nas universidades, Alcoforado defende a difusão de uma postura empreendedora, que permita aos estudantes assumirem riscos e protagonizarem suas carreiras. “Todas as potencialidades que você oferece dentro da sua empresa ao mercado são um problema seu”, enfatiza.
Quanto ao futuro, o empreendedor gosta de acreditar que estamos no caminho e evita comparações com outros países. De acordo com ele, universidade e mercado de trabalho são construções históricas, por isso, temos que respeitar nossas particularidades e singularidades.
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Os impactos do empreendedorismo na economia são conhecidos: geração de empregos, de renda, incentivo a inovação etc. Mas, ainda são poucas as universidades que tem um ecossistema favorável a formação de empreendedores no Brasil. Por quê isso acontece? É uma questão cultural, falta de visão, de estrutura?
Michel Alcoforado: Acho que é uma questão cultural principalmente. As universidades não treinam os estudantes para o mercado de trabalho porque acreditam na separação entre teoria e prática, sendo que ambos são faces de uma mesma folha de papel. Toda teoria é construída a partir da observação de uma prática, que deve ser guiada para ser bem sucedida a partir de uma teoria. Infelizmente, a gente ainda separa esses dois elementos no Brasil.
Outra razão importante é que vivemos em uma sociedade em que as pessoas são preparadas para serem peças de máquinas, de estruturas, ao invés de aprenderem a lidar com os riscos do empreendedorismo. Boa parte da classe média brasileira sonha em assumir um emprego em que você trabalhe pouco e ganhe muito ou ter um emprego público que permita ter tempo para fazer outras coisas da vida.
Você acredita que o ensino de empreendedorismo é uma tendência para o futuro? Se, sim, estamos no caminho certo?
Alcoforado: A gente ainda acha ruim que as nossas preferências profissionais sejam parecidas com as preferências pessoais. Quando você decide empreender a sua vida se mistura com o trabalho e suas decisões de trabalho impactam sua vida.
Acho que o caminho para a mudança será quando a gente aprender que não importa para quem você trabalha, você é a sua empresa. Todas as potencialidades que você oferece dentro da sua empresa ao mercado são um problema seu. Em uma economia cada vez mais líquida, a gente acabou se transformando em microempresas que prestam serviços para as organizações.
A academia costuma argumentar que a lógica mercadológica compromete a pesquisa e o ensino. Como você vê essa questão?Alcoforado: O problema está em conseguirmos encontrar o equilíbrio. Não tenho dúvida de que a universidade deve se preocupar com conhecimento de ponta, que muitas vezes não tem aplicabilidade no momento. O que a gente não pode esquecer é que, apesar da pesquisa ser um elemento fundamental da vida acadêmica, as universidades também são um espaço de formação. Além da prática reflexiva, os professores precisam ter clareza de que são responsáveis pela formação de profissionais.
O descolamento entre universidade e mercado de trabalho acaba por desprestigiar a universidade. O mercado, as empresas e os alunos já começam a repensar a importância dos cursos, dos MBAs, da graduação, da pós-graduação. Esse é um problema sério, porque começa a haver uma desqualificação da educação. A educação que é fundamental a formação de qualquer empreendedor. O ponto é que precisamos parar de escolher entre prática e teoria.
É correto dizer que alguns cursos são mais simpáticos ao empreendedorismo como engenharia, computação, matemática, enquanto outros, como medicina, direito, arquitetura são menos abertos as ideias empreendedoras? Por quê isso acontece?
Alcoforado: Não tenho dúvidas sobre isso. Assim como a inovação, o empreendedorismo virou moda no Brasil. Começa a se cobrar de todos os profissionais que eles sejam inovadores e empreendedores. A gente precisa entender que a vida não é assim. Deus queira que o cara que faz contabilidade, não faça contabilidade criativa. Há profissões que são mais afins ao empreendedorismo. Mas, existe uma característica do empreendedorismo que tem que estar presente em qualquer carreira, de qualquer profissão, que é ter certeza de que a transformação de conhecimento em força de trabalho é um “pepino” do profissional. O que você oferece ao mercado é capacidade de transformar conhecimento em alguma coisa. O que a gente vende para o mercado não é curso, nem diploma, e sim como esse diploma consegue transformar organizações e impactar a vida das pessoas.
O foco em empreendedorismo amplia as alternativas de carreira dos alunos?
Alcoforado: Claro! Tem uma coisa ótima no empreendedorismo, que é a capacidade de adaptabilidade acima da média. Um jovem que entra no mercado de trabalho hoje dificilmente terá a mesma profissão daqui a dez anos. Muito mais do que uma formação, o empreendedorismo é uma postura diante do mundo.
Como ensinar essa postura nas universidades?
Alcoforado: Para além das aulas teóricas e da leitura dos clássicos, é preciso desenvolver as habilidades técnicas dos alunos. Isso pode ser feito de inúmeras maneiras: através da apresentação de casos, da resolução de problemas reais do mercado etc. Precisamos começar a entender que o mercado precisa fazer parte das universidades, se quisermos um ensino superior mais empreendedor. Tendo a achar que o caminho é a gente explodir esse monte de barreiras que a universidade cria para si mesma. Eu não acho que a universidade seja um espaço restrito a quem tem doutorado. Acho que o cara que vende amendoim na esquina tem que dar palestras para os estudantes de marketing.
Você acredita que o ensino de empreendedorismo é uma tendência para o futuro? Se, sim, estamos no caminho certo?
Alcoforado: Tenho muita preguiça de comparações do tipo Brasil/Estados Unidos, Brasil/ Europa etc. A gente está falando de uma sociedade em que a revolução burguesa aconteceu há menos de cem anos. Até 1889, isso aqui tinha uma lógica escravagista. Até meados do século passado a gente ainda não tinha indústria. Então, cobrar de um país como o nosso a mesma posição de países que inventaram o capitalismo como a Inglaterra e os EUA é brincadeira. A formação universitária, a formação do mercado de trabalho são processos históricos. A gente está caminhando. Só de a gente estar batendo um papo como esse já estamos ganhando para caramba.