Mauad: Salários baixos e produtividade
"O processo econômico é altamente dinâmico e evolui conforme aumenta a produtividade dos fatores, não os níveis de emprego"
institutomillenium
Publicado em 19 de junho de 2019 às 11h24.
Quem nunca ouviu o surrado argumento protecionista segundo o qual é injusto fazer nossas indústrias competirem contra a ‘semi-escravidão’ chinesa (embora atualmente os salários médios por lá já estejam nos patamares dos de cá)? Nada poderia ser mais enganoso. Se os salários na China são baixos, é porque a produtividade dos seus trabalhadores é menor. Ao contrário do que muita gente pensa, os baixos salários dos chineses não lhes conferem uma vantagem injusta. Em vez disso, são reflexo de enormes desvantagens produtivas.
O que muitos não entendem é que o processo econômico é altamente dinâmico e evolui conforme aumenta a produtividade dos fatores, não os níveis de emprego. Para complicar, na maioria das vezes o aumento da produtividade, principalmente em função do desenvolvimento tecnológico e das vantagens comparativas, provoca perda temporária de empregos, pelo menos enquanto estes se deslocam para outros setores, a fim de que a mesma quantidade de mão-de-obra possa produzir uma quantidade muito maior de bens e serviços.
Como lembra o economista Don Boudreaux, temer a competição com estrangeiros de baixa renda não faz mais sentido do que trabalhadores saudáveis temer a competição com trabalhadores prejudicados por deficiências físicas ou mentais. As desvantagens sofridas por estes infelizes trabalhadores os impedem de produzir tanto valor por unidade de tempo quanto o produzido por trabalhadores saudáveis. Os ganhos auferidos por trabalhadores com deficiência serão, portanto, quase sempre menores. Apesar disso, ninguém acredita que esses indivíduos desfrutem de alguma vantagem (injusta) sobre os demais, ou que é injusto permitir que trabalhadores deficientes possam competir no mercado percebendo salários menores.
Leia mais de João Luiz Mauad
O papel do Estado na economia
PL permite bombas de autosserviço em postos de combustíveis
Trabalhadores comuns no Brasil também são deficientes em relação a seus colegas americanos – não nos referimos aqui a deficiências físicas ou mentais, evidentemente, mas de capital (máquinas, ferramentas, tecnologia), infra-estrutura e instituições de apoio ao mercado. Se os trabalhadores americanos são, na média, muito mais bem pagos que os brasileiros, isto decorre da existência de uma absurda diferença de produtividade entre eles e não porque os empresários brasileiros são sovinas ou egoístas. Como a demanda por trabalho, como de resto por qualquer outro fator de produção, é baseada na produtividade, ou, em outras palavras, no rendimento por unidade de tempo de um trabalhador, de uma máquina ou de um pedaço de terra, quanto mais eficiente for uma economia em seu conjunto, maior será a remuneração dos fatores, inclusive, senão principalmente, do trabalho humano.
É importante salientar, no entanto, que o fato de os salários pagos nos EUA serem muito superiores aos nossos ou aos dos chineses, não faz com que o custo do trabalho para as empresas americanas seja automaticamente superior ao daqui, como muitos podem estar imaginando, pois o que conta não é o preço nominal pago, mas a produtividade marginal do trabalho. Assim, se um operário norte americano recebe dez vezes a remuneração percebida por um colega brasileiro, mas a produtividade daquele é dez vezes maior que a deste, o custo efetivo dos dois é equivalente.
+ Luiz Felipe d’Avila: A retomada da agenda da produtividade
Como escrevi num artigo recente, aqui mesmo neste espaço, o comércio internacional é uma forma de tecnologia, que certamente destrói alguns empregos temporariamente para fornecer mais bem estar para a maioria e para as futuras gerações. Ao contrário, entretanto, das novas tecnologias, que contam com a aprovação quase unânime das pessoas – ou pelo menos de quem não é idiota -, o comércio exterior, inexplicavelmente, é visto com ressalvas pela maioria. Ainda que, com toda certeza, o número de empregos perdidos para a evolução tecnológica, nos últimos 100 anos, supere em muito o desemprego gerado pela globalização e pela maior liberdade de comércio entre nações.
Se o foco fosse apenas criar e manter empregos, sem preocupação com o desenvolvimento econômico, tudo que os governos precisariam fazer seria obstruir o progresso tecnológico, ou seja, todo e qualquer processo que aumente a produtividade do trabalho. No entanto, além de uns poucos alucinados, há muito pouca gente disposta a levar adiante tal política. Por outro lado, o mesmo não ocorre quando o assunto é protecionismo.
*Administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ). É articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”.
Quem nunca ouviu o surrado argumento protecionista segundo o qual é injusto fazer nossas indústrias competirem contra a ‘semi-escravidão’ chinesa (embora atualmente os salários médios por lá já estejam nos patamares dos de cá)? Nada poderia ser mais enganoso. Se os salários na China são baixos, é porque a produtividade dos seus trabalhadores é menor. Ao contrário do que muita gente pensa, os baixos salários dos chineses não lhes conferem uma vantagem injusta. Em vez disso, são reflexo de enormes desvantagens produtivas.
O que muitos não entendem é que o processo econômico é altamente dinâmico e evolui conforme aumenta a produtividade dos fatores, não os níveis de emprego. Para complicar, na maioria das vezes o aumento da produtividade, principalmente em função do desenvolvimento tecnológico e das vantagens comparativas, provoca perda temporária de empregos, pelo menos enquanto estes se deslocam para outros setores, a fim de que a mesma quantidade de mão-de-obra possa produzir uma quantidade muito maior de bens e serviços.
Como lembra o economista Don Boudreaux, temer a competição com estrangeiros de baixa renda não faz mais sentido do que trabalhadores saudáveis temer a competição com trabalhadores prejudicados por deficiências físicas ou mentais. As desvantagens sofridas por estes infelizes trabalhadores os impedem de produzir tanto valor por unidade de tempo quanto o produzido por trabalhadores saudáveis. Os ganhos auferidos por trabalhadores com deficiência serão, portanto, quase sempre menores. Apesar disso, ninguém acredita que esses indivíduos desfrutem de alguma vantagem (injusta) sobre os demais, ou que é injusto permitir que trabalhadores deficientes possam competir no mercado percebendo salários menores.
Leia mais de João Luiz Mauad
O papel do Estado na economia
PL permite bombas de autosserviço em postos de combustíveis
Trabalhadores comuns no Brasil também são deficientes em relação a seus colegas americanos – não nos referimos aqui a deficiências físicas ou mentais, evidentemente, mas de capital (máquinas, ferramentas, tecnologia), infra-estrutura e instituições de apoio ao mercado. Se os trabalhadores americanos são, na média, muito mais bem pagos que os brasileiros, isto decorre da existência de uma absurda diferença de produtividade entre eles e não porque os empresários brasileiros são sovinas ou egoístas. Como a demanda por trabalho, como de resto por qualquer outro fator de produção, é baseada na produtividade, ou, em outras palavras, no rendimento por unidade de tempo de um trabalhador, de uma máquina ou de um pedaço de terra, quanto mais eficiente for uma economia em seu conjunto, maior será a remuneração dos fatores, inclusive, senão principalmente, do trabalho humano.
É importante salientar, no entanto, que o fato de os salários pagos nos EUA serem muito superiores aos nossos ou aos dos chineses, não faz com que o custo do trabalho para as empresas americanas seja automaticamente superior ao daqui, como muitos podem estar imaginando, pois o que conta não é o preço nominal pago, mas a produtividade marginal do trabalho. Assim, se um operário norte americano recebe dez vezes a remuneração percebida por um colega brasileiro, mas a produtividade daquele é dez vezes maior que a deste, o custo efetivo dos dois é equivalente.
+ Luiz Felipe d’Avila: A retomada da agenda da produtividade
Como escrevi num artigo recente, aqui mesmo neste espaço, o comércio internacional é uma forma de tecnologia, que certamente destrói alguns empregos temporariamente para fornecer mais bem estar para a maioria e para as futuras gerações. Ao contrário, entretanto, das novas tecnologias, que contam com a aprovação quase unânime das pessoas – ou pelo menos de quem não é idiota -, o comércio exterior, inexplicavelmente, é visto com ressalvas pela maioria. Ainda que, com toda certeza, o número de empregos perdidos para a evolução tecnológica, nos últimos 100 anos, supere em muito o desemprego gerado pela globalização e pela maior liberdade de comércio entre nações.
Se o foco fosse apenas criar e manter empregos, sem preocupação com o desenvolvimento econômico, tudo que os governos precisariam fazer seria obstruir o progresso tecnológico, ou seja, todo e qualquer processo que aumente a produtividade do trabalho. No entanto, além de uns poucos alucinados, há muito pouca gente disposta a levar adiante tal política. Por outro lado, o mesmo não ocorre quando o assunto é protecionismo.
*Administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ). É articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”.