(Montagem Canva)
Colunista
Publicado em 1 de agosto de 2025 às 13h54.
Última atualização em 4 de agosto de 2025 às 20h57.
A entrevista é interessante. Nela, Chico Buarque relata mais ou menos assim sua experiência com as redes sociais, às gargalhadas: “eu fiquei espantadíssimo... por que o artista acha que é muito amado, por que ele anda nas ruas e é sempre cercado de carinho, é aplaudido nos shows... mas se olhar na internet, ele é odiado. A primeira vez que eu li comentários sobre mim, eles me chamavam de ´esse velho´... fazer o quê? Deixa pra lá!”
Liberdade de expressão dá nisso mesmo: eventuais grosserias, algumas mentiras e o risco de se incorrer no crime de injúria, difamação ou calúnia. Em um ambiente de popularização do acesso à comunicação que as redes sociais propiciaram, foram dadas vozes a todos, indistintamente. Estudantes, operários, médicos, professores, comerciantes, advogados, qualquer pessoa pode ter seu texto lido por milhões.
Nesse contexto, emergem os defensores de uma regulação da liberdade de expressão. Eles costumam sustentar seu ponto de vista com o argumento de que “não se pode admitir que se diga qualquer coisa, impunemente”.
A premissa carrega consigo alguns subentendidos incômodos. O primeiro é a arrogância da virtude. Quem assim argumenta reputa-se sensato, educado, cortês. Ele sabe o limite a partir do qual o que é dito é inadmissível e estará a postos, se necessário, para se tornar a autoridade dos bons valores. Ele defende, no fim das contas, o oligopólio da elite intelectual, aquela que estaria suficientemente investida das qualidades necessárias para ser a porta-voz da sociedade. Nada mais aristocrata.
O segundo subentendido que a premissa carrega é a ignorância (deliberada ou não) do defensor da regulação quanto ao fato de que nunca estamos livres de sermos responsabilizados pelo que falamos, quer seja civilmente, quer seja moralmente, quer seja socialmente. Cada vez mais amizades são rompidas pelo que alguém disse. Postagens inadequadas nas redes sociais podem gerar indenização de milhões. Ao nos expor, pagamos nosso preço.
Sabe-se que George Orwell foi um notório defensor da liberdade da expressão. Mas um ponto de sua motivação costuma passar desapercebida: para ele, dizer o que se pensa seria o ato filosófico mais radical, um ato existencial de coragem, de quem não tem medo da opinião pública. As opiniões também estão sujeitas a modismos, e o ato de externar uma opinião fora de moda é parte inseparável da busca pela elucidação da verdade.
A regulação da liberdade de expressão implica em destruição da democracia, ao invés de sua defesa. A democracia pressupõe independência de pensar, opinar e agir. Se o limite é transposto e a opinião causa dano, a responsabilização virá. Em nenhum caso, entretanto, está-se livre da opinião alheia sobre a sua própria opinião, e todas as consequências disso advindas.
Quando nos “venderam” a ideia de que o Estado de bem-estar social seria uma espécie de “capitalismo moralizado”, não nos contaram que o Estado cuidaria, além da nossa vida econômica, também da nossa vida intelectual. A pretensão de regular opinião é totalitária, advertiu Orwell na longínqua Inglaterra da década de 1940. A advertência persiste atual.