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Inteligência Artificial e a culpa nossa de cada dia 

A mesma IA que demanda 200 árvores por ano para neutralizar um milhão de prompts, também revoluciona projetos de reflorestamento 

 (Just_Super/iStockphoto)

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Publicado em 22 de abril de 2025 às 14h13.

Vivemos um paradoxo instigante: a mesma tecnologia que hoje é acusada de consumir energia demais, pode nos ajudar a reduzir impactos ambientais e melhorar a nossa vida. Inteligência artificial, drones, nuvem, plataformas digitais de trabalho e educação... todas essas inovações funcionam com intenso consumo de eletricidade, mas também nos oferecem ferramentas únicas e disruptivas. 

A pegada digital virou a nova pegada ecológica. Cada vez que pedimos para a IA revisar um e-mail ou montar uma apresentação, há um custo invisível: os servidores que alimentam esse processo podem emitir cerca de 4 gramas de CO2 por interação. Pode parecer pouco, mas multiplique isso por milhões de prompts por dia, e o número começa a pesar. Segundo estimativas conservadoras, uma árvore adulta em crescimento compensa cerca de 20 quilos de CO2 por ano, o que seria suficiente para neutralizar aproximadamente cinco mil interações com IA nesse mesmo período. Já fiz as contas por alto aqui e estou precisando de quase um pomar. E você? 

A crítica é válida. Mas é também, como tantas vezes acontece, incompleta. A mesma IA que consome energia, pode ser usada para proteger o meio ambiente. Em projetos de reflorestamento, por exemplo, drones com algoritmos de visão computacional monitoram cada árvore plantada, detectam falhas e identificam pragas. Isso evita deslocamentos desnecessários, reduz perdas e economiza tempo, dinheiro e carbono, além de trazerem maior credibilidade aos projetos de conservação e reflorestamento.  

Lembre do Trabant 601, produzido na Alemanha Oriental, famoso por seu ronco, sua fumaça e pela ineficiência do seu motor 2 tempos, que queimava gasolina misturada com óleo. Um carro que fazia o que podia com a tecnologia e os padrões da época, ou a ausência deles. Hoje, veículos elétricos e híbridos movidos a etanol conseguem reduzir até 70% das emissões em relação aos modelos atuais a gasolina, substituindo fontes fósseis por alternativas mais limpas.  

Da mesma forma, a tecnologia digital percorre sua própria curva de aprendizado. Ao se popularizar, ganha escala e acumula experiência produtiva, com seus impactos negativos tendendo a diminuir, enquanto os positivos se amplificam. É o que os economistas chamam de economias dinâmicas de escala: quanto mais usamos e refinamos uma tecnologia, mais eficiente ela se torna. E não apenas no custo. Fica mais eficiente na energia que consome, no tempo que economiza, nos recursos que poupa. Isso não transforma a IA em solução mágica, mas indica que seu uso consciente pode acelerar o próprio aperfeiçoamento. Impedir a inovação por medo do impacto seria como barrar os carros elétricos porque os primeiros modelos ainda precisavam de ajustes. 

É justamente aqui que mora a chave. A digitalização acelerada tem algo em comum com todas essas tecnologias: depende de energia elétrica. Mas o impacto climático dessa energia não é fixo, ele varia conforme a matriz usada para produzi-la. Se a eletricidade vem do carvão, o dano é grande. Se vem do sol, do vento ou da água, a história muda de figura. 

Hoje, grandes empresas já disputam certificações como a ISO 50001, voltada à gestão eficiente de energia em processos e operações, e desenvolvem métricas específicas para rastrear a eficiência energética de softwares e data centers. Algumas organizações já trabalham para criar padrões que permitam comparar emissões por linha de código ou por hora de processamento. E a pressão por desempenho climático não é retórica: ela já se traduz em investimentos vultosos em novas infraestruturas. O exemplo mais emblemático são os data centers submersos, que vêm sendo testados para aproveitar o ambiente oceânico como sistema natural de refrigeração, buscando ganhos expressivos de eficiência térmica. 

Essa mudança tem implicações geoeconômicas importantes. A localização dos centros de processamento passa a ser influenciada não só pela conectividade ou segurança jurídica, mas também pela matriz energética do país. Nesse cenário, o Brasil possui uma vantagem estrutural: mais de 80% da eletricidade gerada internamente vem de fontes renováveis. Mas isso, por si só, não garante protagonismo. É preciso transformar essa característica em ativo estratégico, com um arcabouço institucional que viabilize investimentos em infraestrutura digital de baixo carbono, com transparência, rastreabilidade e governança climática. 

A computação limpa não é apenas uma ambição ética ou reputacional. É uma nova fronteira de competitividade, e seu impacto dependerá da intencionalidade com que for desenhada, alimentada e expandida. Nesse ecossistema em construção, também temos um papel. Cada vez que usamos a IA com critério, criatividade e propósito para automatizar o que é operacional e liberar tempo para o que importa de verdade, ajudamos a moldar essa tecnologia como aliada da eficiência, do conhecimento e da sustentabilidade. A escala das transformações começa com a clareza sobre o tipo de futuro que estamos, aos poucos, treinando. 

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