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IA Generativa e o Futuro da Produtividade do Trabalho no Brasil

Se a perspectiva de adoção mais lenta no setor público se confirmar, ainda nos resta esperanças no setor privado brasileiro

A inteligência artificial generativa veio para ficar (Weiquan Lin/Getty Images)
Diana Coutinho

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 12 de julho de 2023 às 15h30.

No mês passado nos ofendemos com o título original de um artigo da The Economist: "Uma terra de trabalhadores inúteis". O título melhorou um pouco: “Por que os trabalhadores latino-americanos são tão notavelmente improdutivos?”. Nossa produtividade, junto com a dos nossos hermanos, continua ruim. Se, na década de 80, cada brasileiro produzia o mesmo que um sul-coreano, hoje são necessários 5 brasileiros para alcançar a produção de 1 coreano. Se eram necessários 5 chineses para cada brasileiro, hoje basta um chinês e meio.

No meio desse inferno produtivo, surge a inteligência artificial generativa, uma tecnologia com capacidade de criar padrões originais complexos a partir de uma base de dados. Mais inteligente, mais produtiva do que nós. E que vai roubar nossos melhores empregos. Usando dados do mercado de trabalho americano, estudo da OpenAI com a Universidade da Pensilvânia indicou que as ocupações mais suscetíveis à automação são as de alta remuneração. O caro trabalhador hollywoodiano já está fazendo piquete pedindo barreiras à sua substituição pela inteligência artificial.

Para a McKinsey, o pânico deve dar lugar à oportunidade. Com dados setoriais de 47 países (aproximadamente 80% da força de trabalho mundial), estimou que a IA generativa irá acelerar o processo de automação em mais de 10 anos, podendo aumentar a economia global em até US$ 7,9 trilhões e a produtividade do trabalho em até 3,3% ao ano. Na corrida tecnológica, os acelerados ganharão mais.

E onde deve ficar o Brasil no meio disso tudo? Antevendo um cenário pessimista, o economista Naercio Menezes diz que “não haverá solução no futuro a não ser transferir renda para um número cada vez maior de pessoas”. Ele aponta evidências de automação do trabalho concomitante à queda do emprego, deduz que os “empregos foram substituídos por robôs e não voltam mais” e prevê que a aceleração a inteligência artificial agravará a extinção de empregos no País.

Um estudo da Escola Nacional de Administração Pública, conduzido por Willian Adamczyk e Leonardo Monasterio, analisou a susceptibilidade à automação das carreiras no setor público. Em cenário pré-inteligência artificial generativa, eles encontraram 20% dos mais de 500 mil servidores públicos federais em ocupações com elevada propensão à automação. Cruzando com dados previdenciários, estimaram que a automação poderia suprir a aposentadoria de mais de 50 mil servidores. Se por um lado a automação pode gerar economia aos cofres públicos, por outro (a sua falta) traz pressão nos gastos: 30% dos servidores federais ocupam atividades com baixa propensão à automação e já têm mais de 50 anos. Brevemente, a administração pública precisará substituir cerca de 150.000 servidores.

A chegada da inteligência artificial avançada muda este panorama. Considerando o cenário global de crescimento anual da produtividade do trabalho de 3,3%, em 8 anos podemos compensar a perda dos servidores para a aposentadoria e evitar a necessidade de reposição. A economia em salários proporcionada pela automação no setor público federal pode chegar a 2 bilhões de reais mensais, mais de 20 bilhões ao ano.

Antes de darmos as boas notícias à Fazenda, convém lembrar que o cenário é o global com adoção rápida da automação. Segundo a McKinsey, mais viável economicamente em países desenvolvidos, onde os salários são mais altos. Na Alemanha, o crescimento da produtividade do trabalho é estimado entre 3,9% (adoção rápida) e 1,3% (adoção lenta), ao passo que, na Índia, fica entre 2,3% e 0%. Entre os países com estimativas apresentadas no estudo, à exceção da China, todos os países em desenvolvimento ficam abaixo da média global (infelizmente não são apresentadas estimativas para o Brasil).

Além disso, o setor público precisaria ser ágil, o que não parece tão realista. O exercício realizado por Adamczyk e Monasterio parte justamente do pressuposto de que a automação ocorre de forma mais acelerada no setor privado do que no setor público e usa a automação efetivamente observada em São Paulo entre 2010 e 2018 para estimar o potencial da automação no setor público entre 2018 e 2030.

Se a perspectiva de adoção mais lenta no setor público se confirmar, ainda nos resta esperanças no setor privado brasileiro. Aqui faço uma hipótese oposta à da McKinsey: os ganhos proporcionados pela IA generativa podem ser maiores nos países em desenvolvimento, onde a mão de obra qualificada é escassa, do que nos desenvolvidos, onde é abundante. Para o Google for Startups, o cenário de escassez de pessoal de tecnologia é mais crítico no Brasil. De fato, a mão de obra qualificada é tão escassa que a renda do trabalhador com ensino superior corresponde a mais de 2,5 vezes a do trabalhador com ensino médio. Na União Europeia é 52% maior e, na campeã de produtividade Coreia do Sul, a vantagem do diploma universitário cai para 40%. Deve haver menos resistência em suprir a escassez do trabalhador qualificado do que em sua substituição por um robô.

A inteligência artificial generativa veio para ficar. Tal qual o surfista precisa enxergar a onda, se posicionar bem e nadar com vigor para surfá-la, nós precisamos ter visão e agilidade para que a IA turbo seja uma oportunidade para o Brasil superar o inferno astral de sua produtividade do trabalho. Se não fizermos nada, provavelmente nossa produtividade vai tomar mais um caldo. O Parlamento Europeu já tem sua estratégia, qual a nossa?

* Diana Coutinho é servidora do Executivo Federal. Atualmente, está cursando o doutorado em Métodos Quantitativos na Universidade da Pensilvânia e atuando como Vice Presidente de Educação em Negócios do Penn Graduate Consulting Club. Diana possui ampla experiência em tomada de decisões com base em evidências. Sua carreira abrange instituições como a Presidência da República, a Escola Nacional de Administração Pública, Instituto Ayrton Senna e Insper, onde liderou projetos inovadores e alcançou resultados impactantes. Combinando habilidades de pesquisa e gestão, juntamente com uma paixão por conectar ciência e política pública, o seu trabalho tem contribuído para o desenvolvimento de políticas nacionais, o avanço da educação e a melhoria da qualidade regulatória.

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No mês passado nos ofendemos com o título original de um artigo da The Economist: "Uma terra de trabalhadores inúteis". O título melhorou um pouco: “Por que os trabalhadores latino-americanos são tão notavelmente improdutivos?”. Nossa produtividade, junto com a dos nossos hermanos, continua ruim. Se, na década de 80, cada brasileiro produzia o mesmo que um sul-coreano, hoje são necessários 5 brasileiros para alcançar a produção de 1 coreano. Se eram necessários 5 chineses para cada brasileiro, hoje basta um chinês e meio.

No meio desse inferno produtivo, surge a inteligência artificial generativa, uma tecnologia com capacidade de criar padrões originais complexos a partir de uma base de dados. Mais inteligente, mais produtiva do que nós. E que vai roubar nossos melhores empregos. Usando dados do mercado de trabalho americano, estudo da OpenAI com a Universidade da Pensilvânia indicou que as ocupações mais suscetíveis à automação são as de alta remuneração. O caro trabalhador hollywoodiano já está fazendo piquete pedindo barreiras à sua substituição pela inteligência artificial.

Para a McKinsey, o pânico deve dar lugar à oportunidade. Com dados setoriais de 47 países (aproximadamente 80% da força de trabalho mundial), estimou que a IA generativa irá acelerar o processo de automação em mais de 10 anos, podendo aumentar a economia global em até US$ 7,9 trilhões e a produtividade do trabalho em até 3,3% ao ano. Na corrida tecnológica, os acelerados ganharão mais.

E onde deve ficar o Brasil no meio disso tudo? Antevendo um cenário pessimista, o economista Naercio Menezes diz que “não haverá solução no futuro a não ser transferir renda para um número cada vez maior de pessoas”. Ele aponta evidências de automação do trabalho concomitante à queda do emprego, deduz que os “empregos foram substituídos por robôs e não voltam mais” e prevê que a aceleração a inteligência artificial agravará a extinção de empregos no País.

Um estudo da Escola Nacional de Administração Pública, conduzido por Willian Adamczyk e Leonardo Monasterio, analisou a susceptibilidade à automação das carreiras no setor público. Em cenário pré-inteligência artificial generativa, eles encontraram 20% dos mais de 500 mil servidores públicos federais em ocupações com elevada propensão à automação. Cruzando com dados previdenciários, estimaram que a automação poderia suprir a aposentadoria de mais de 50 mil servidores. Se por um lado a automação pode gerar economia aos cofres públicos, por outro (a sua falta) traz pressão nos gastos: 30% dos servidores federais ocupam atividades com baixa propensão à automação e já têm mais de 50 anos. Brevemente, a administração pública precisará substituir cerca de 150.000 servidores.

A chegada da inteligência artificial avançada muda este panorama. Considerando o cenário global de crescimento anual da produtividade do trabalho de 3,3%, em 8 anos podemos compensar a perda dos servidores para a aposentadoria e evitar a necessidade de reposição. A economia em salários proporcionada pela automação no setor público federal pode chegar a 2 bilhões de reais mensais, mais de 20 bilhões ao ano.

Antes de darmos as boas notícias à Fazenda, convém lembrar que o cenário é o global com adoção rápida da automação. Segundo a McKinsey, mais viável economicamente em países desenvolvidos, onde os salários são mais altos. Na Alemanha, o crescimento da produtividade do trabalho é estimado entre 3,9% (adoção rápida) e 1,3% (adoção lenta), ao passo que, na Índia, fica entre 2,3% e 0%. Entre os países com estimativas apresentadas no estudo, à exceção da China, todos os países em desenvolvimento ficam abaixo da média global (infelizmente não são apresentadas estimativas para o Brasil).

Além disso, o setor público precisaria ser ágil, o que não parece tão realista. O exercício realizado por Adamczyk e Monasterio parte justamente do pressuposto de que a automação ocorre de forma mais acelerada no setor privado do que no setor público e usa a automação efetivamente observada em São Paulo entre 2010 e 2018 para estimar o potencial da automação no setor público entre 2018 e 2030.

Se a perspectiva de adoção mais lenta no setor público se confirmar, ainda nos resta esperanças no setor privado brasileiro. Aqui faço uma hipótese oposta à da McKinsey: os ganhos proporcionados pela IA generativa podem ser maiores nos países em desenvolvimento, onde a mão de obra qualificada é escassa, do que nos desenvolvidos, onde é abundante. Para o Google for Startups, o cenário de escassez de pessoal de tecnologia é mais crítico no Brasil. De fato, a mão de obra qualificada é tão escassa que a renda do trabalhador com ensino superior corresponde a mais de 2,5 vezes a do trabalhador com ensino médio. Na União Europeia é 52% maior e, na campeã de produtividade Coreia do Sul, a vantagem do diploma universitário cai para 40%. Deve haver menos resistência em suprir a escassez do trabalhador qualificado do que em sua substituição por um robô.

A inteligência artificial generativa veio para ficar. Tal qual o surfista precisa enxergar a onda, se posicionar bem e nadar com vigor para surfá-la, nós precisamos ter visão e agilidade para que a IA turbo seja uma oportunidade para o Brasil superar o inferno astral de sua produtividade do trabalho. Se não fizermos nada, provavelmente nossa produtividade vai tomar mais um caldo. O Parlamento Europeu já tem sua estratégia, qual a nossa?

* Diana Coutinho é servidora do Executivo Federal. Atualmente, está cursando o doutorado em Métodos Quantitativos na Universidade da Pensilvânia e atuando como Vice Presidente de Educação em Negócios do Penn Graduate Consulting Club. Diana possui ampla experiência em tomada de decisões com base em evidências. Sua carreira abrange instituições como a Presidência da República, a Escola Nacional de Administração Pública, Instituto Ayrton Senna e Insper, onde liderou projetos inovadores e alcançou resultados impactantes. Combinando habilidades de pesquisa e gestão, juntamente com uma paixão por conectar ciência e política pública, o seu trabalho tem contribuído para o desenvolvimento de políticas nacionais, o avanço da educação e a melhoria da qualidade regulatória.

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