(Thamrongpat Theerathammakorn/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 11 de março de 2025 às 11h33.
Última atualização em 11 de março de 2025 às 15h10.
Por Izak Carlos da Silva
Criado na esteira de modernização das relações trabalhistas, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) substituiu a estabilidade decenal, que assegurava a permanência no emprego após dez anos de serviço. Os empregadores passaram a depositar mensalmente 8% do salário do empregado em uma conta vinculada, criando uma poupança compulsória, que poderia ser utilizada pelo trabalhador em casos de demissão sem justa causa, aquisição de moradia e aposentadoria.
Na prática, contudo, a realidade é outra. A baixa remuneração dos saldos do FGTS, que frequentemente não recompõem nem inflação, corrói o patrimônio do trabalhador ao longo do tempo. Adicionalmente, o fundo é um custo adicional para os empregadores, encarecendo a contratação formal. Com o passar dos anos, a utilização do fundo foi sendo remodelada sem, contudo, permitir que o trabalhador pudesse acessar livremente seus recursos.
Desde a sua criação, o FGTS financia a habitação popular, sendo pilar de programas habitacionais ao longo de diversos governos, como o Minha Casa Minha Vida e o Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Além do setor habitacional, os recursos já foram destinados a projetos de saneamento básico e infraestrutura urbana. Outras possibilidades de acesso aos recursos também foram adicionadas para saque parcial ou total, como em casos de doenças graves e o saque-aniversário, mas com controle de fluxo e/ou de prazo.
Ainda que as possibilidades de saque sejam restritas por parte do trabalhador, os recursos têm sido alvo recorrente de disputas para financiar políticas de estímulo ao investimento e ao consumo. A mais recente discussão está associada à utilização do FGTS como garantia para o acesso ao crédito por trabalhadores do setor privado com carteira assinada, no bojo do “novo consignado”. Apesar dos benefícios ao trabalhador, essa possibilidade ainda não foi permitida pelo governo.
A utilização do FGTS como garantia para empréstimos consignados ampliaria a garantia real dos emprestadores, diluindo o risco, reduzindo as taxas médias de juros e ampliando o acesso ao crédito. Em que pese o sobreaquecimento da atividade econômica, mais crédito, e mais barato, permitiriam que as famílias trocassem linhas de financiamento mais custosas por modalidades financeiramente mais atrativas, melhorando o nível e o perfil do endividamento das famílias brasileiras – que é elevado – estimulando o consumo de forma mais sustentável.
Não obstante, a utilização de garantia real para operações de crédito pessoa física sem a necessidade de convênio direto entre o empregador e a instituição financeira também contribuiria para a desconcentração bancária, uma vez que a oferta ocorreria de forma direta e os modelos de risco de crédito poderiam ser mais simples e assertivos.
A despeito das novas possibilidades para o FGTS, permanecem questões fundamentais sobre o fundo: é justo que esse recurso, que pertence ao trabalhador, continue sendo utilizado pelo governo conforme interesses de política econômica? O FGTS deve continuar sendo um fundo de acesso restrito, sujeito às regras do governo, ou seria mais justo que o trabalhador tivesse total liberdade para decidir como e quando utilizar saldo?
A flexibilização do uso poderia trazer benefícios momentâneos, mas não resolveria a questão central da autonomia do trabalhador sobre seu patrimônio. Enquanto não há consenso, os governos de plantão seguem utilizando os recursos do trabalhador ao sabor do momento, à custa do aumento do nível de endividamento dos brasileiros, que permanece com dificuldade de acesso ao crédito e pagando os maiores juros reais do mundo. Ao final, o fundo é uma garantia de quem, e para quem?