Fábio Prieto: "não há justificativa para o voto ser obrigatório"
Em entrevista exclusiva ao Millenium, desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região diz que o eleitor deve ter liberdade
Publicado em 10 de junho de 2020 às, 15h00.
No segundo turno das últimas eleições presidenciais em 2018, um terço dos eleitores brasileiros deu um recado claro: escolheu não votar. No total, 31 milhões de cidadãos nem se dirigiram à zona eleitoral. Outra multidão, composta por 10 milhões de pessoas, foram às urnas, votaram em branco ou nulo. O “não-voto” foi praticado por 29,26% do eleitorado. Mesmo com esse cenário, cada vez mais frequente na política brasileira, os projetos de lei que preevem o voto facultativo ou foram rejeitados ou estão paralisados. Afinal, não está na hora de pautar esse debate? O Instituto Millenium conversou com o jurista Fábio Prieto, que afirmou: não há mais justificativa razoável para que as pessoas sejam obrigadas a votar. Ouça!
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS), Prieto destacou que, de 260 países, pouco mais de 20 têm voto obrigatório, sendo 13 na América Latina. A situação é mais impressionante quando o recorte é feito pelas maiores economias: entre as 10 grandes potências mundiais, só no Brasil o cidadão pode sofrer punição se não sair de casa no dia da votação. “O voto deve ser uma prerrogativa que o cidadão pode exercer ou não. Se o eleitor não quiser votar, é um direito legítimo dele. Nós já temos um grande grau de abstenção hoje em dia, e as próprias sanções, como a multa por não comparecimento, são pífias. Sou totalmente contrário, acho que as justificativas para a manutenção disso são bastante equivocadas”, destacou.
Leia mais
Financiamento de campanha: está na hora de debater o assunto
“Não vejo qualquer risco de ruptura institucional”, diz Murilo Medeiros
Fábio Prieto sustenta que a democracia deve ser aceita como “um fato da vida”, ou seja: as pessoas devem ter o direito inclusive a não participar do processo de escolha dos seus representantes. O jurista lembrou que o voto compulsório é mais comum na América Latina, onde existe menor cultura democrática, com longos períodos de regimes autoritários. “Isso acontece em países com pouca tradição democrática, e infelizmente isso tem a ver com a nossa dinâmica histórica. Aí, se cria isso como se fosse a quintessência da natureza humana, como se todos nós devêssemos participar; e naturalmente, atrás disso, se criam sistemas autoritários, caros e corporativos, transformando um direito absoluto. Não é por acaso que, na América Latina, temos uma baixa representação, com partidos que significam muito pouco”, afirmou, ressaltando a necessidade de resgatar o papel dos partidos políticos.
Candidatos teriam que mudar mensagem
Um dos fatores que contribuiu para afastar o cidadão comum do processo eleitoral nos últimos anos foi a dureza com a qual o debate se conduziu. Quando a propaganda eleitoral começa e o horário da novela muda, o cidadão é alvejado com um festival de ataques pessoais e troca de acusações na tela da TV, em horário nobre; e também nas redes sociais. Se o voto fosse facultativo, um aspecto dessa questão, ao menos, deveria ser mudado: o candidato deveria primeiro convencer o eleitor a votar; e, depois, a votar nele. Mas isso poderia contribuir para subir o nível do debate público? Prieto sustenta que sim. “O sujeito que é candidato precisa passar uma mensagem para mobilizar. Aí, há, de fato, uma melhora da tese, do convencimento, da captura do eleitor. Para isso, é preciso falar algo convincente. O que se observa nos países onde o voto facultativo foi adotado é que se sobe de patamar. Esse é outro problema do Brasil. O nosso contraditório político e social como um todo, culturalmente, é muito pobre. Não conseguimos aprofundar as discussões, isso é um pouco da nossa cultura. E o voto facultativo melhora um pouco isso”, disse.
Como qualificar a democracia
Uma Justiça Eleitoral mais enxuta e ágil; e dispositivos como a cláusula de barreira, que acabam com o feirão de legendas que se transformou a política nacional e propicia a formação de menos partidos, com mais força e identidade ideológica: este é o caminho para qualificar a democracia, na visão de Fábio Prieto. “A primeira medida é ter partidos fortes, pois eles representam as ideias predominantes. Tem que ter a cláusula de barreira, por exemplo. Eu também sou contra o financiamento público, acho que o Brasil deveria adotar o modelo privado. É claro que o modelo anterior, que era quase estatal”, citando a mistura que havia entre grandes empreiteiras e os governos, e a necessidade de se formatar melhor as novas regras, evitando os erros do passado.
+ Millenium Explica: o que é liberalismo
Outra ação defendida por Prieto para qualificar o processo democrático teria o condão de reduzir os custos das campanhas e, ao mesmo tempo, melhorar a representação parlamentar: o voto distrital. Para o Congresso Nacional, por exemplo, funcionaria da seguinte forma: cada Estado é dividido pelo número de vagas, e cada deputado seria eleito apenas nessas regiões. Ou seja: São Paulo, por exemplo, que tem 70 deputados federais, teria 70 distritos, e um candidato com base em Campinas faria a campanha apenas na região a qual deseja representar, não tendo que se deslocar até um município como Ribeirão Preto para obter os votos necessários para a vitória eleitoral.
Por outro lado, como a votação seguiria o modelo majoritário dentro de cada distrito, o eleitor saberia para onde o seu voto foi – diferente do modelo atual, quando o voto vai para todo um partido, e o eleitor, eventualmente, ajuda a eleger uma pessoa com a qual discorda completamente. “É preciso dar representatividade ao eleito, que dá força para o voto. Hoje, a pessoa vota no vereador e no deputado e não sabe quem está lá”, disse.
Fábio Prieto, no entanto, afirmou que tudo depende de uma concepção filosófica, distinguindo duas visões nesse processo: uma segundo a qual o indivíduo é um “escravo do processo político”, de Jean-Jacques Rousseau; ou uma visão mais liberal, entendendo que o voto é um dos direitos que o cidadão pode ter.