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Estudo revela como ativismo judicial está comprometendo a reforma trabalhista

Entrevistamos o professor José Pastore, autor do ensaio “O custo da insegurança jurídica na área trabalhista”

Entrevistamos o professor José Pastore, autor do ensaio “O custo da insegurança jurídica na área trabalhista” (Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)
Instituto Millenium

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Publicado em 20 de novembro de 2024 às 09h00.

Aprovada em 2017, a reforma trabalhista prometia uma pequena revolução (positiva) nas relações de trabalho, reduzindo a judicialização e trazendo mais segurança nos contratos. E o número de processos chegou a, de fato, diminuir, até que alguns juízes resolveram que não precisavam seguir à risca a letra da Lei.O estudo “O custo da insegurança jurídica na área trabalhista”, de autoria de José Pastore e outros, explorou casos reais em que foi identificado ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado. Em um dos casos estudados,o reclamante possuía uma BMW de R$ 880 mil, e ainda assim desfrutou da Justiça gratuita.

O Instituto Millenium conversou com Pastore, que é Presidente do CERT, da FecomercioSP, sobre as raízes e efeitos desse ativismo, que apesar de muitas vezes bem-intencionado, afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego. Confira abaixo.

Instituto Millenium : Qual o destaque do estudo?

José Pastore: É a primeira tentativa de precificar a insegurança jurídica na área trabalhista. Sentenças que se afastam das leis geram enormes despesas para as empresas, para o Erário e para a sociedade em geral – conspirando contra os investimentos e geração de empregos. Isso é muito nocivo.

IM : Algum caso específico te chamou mais atenção?

JP: Os dez casos estudados no ensaio são bastante elucidativos sobre os custos gerados pela insegurança jurídica na área trabalhista, mas um exemplo causou grande perplexidade. Ao estudar o custo da gratuidade na Justiça Trabalhista, descobrimos vários casos em que a gratuidade é concedida a quem pode pagar. Isso contraria a reforma trabalhista. Esta determina que para os que ganham cerca de R$ 3 mil mensais (40% do teto da Previdência Social), a gratuidade é automática. Mas, para os que ganham mais do que isso, impõe-se a comprovação de que o reclamante passa por dificuldades que o impedem de pagar as custas do processo.

Foram encontrados vários casos de reclamantes que ganham R$ 30 mil e mais por mês, e os juízes concederam a gratuidade. Em um dos casos, o reclamante possui um carro BMW no valor de R$ 880 mil, e ainda assim desfrutou desse benefício. Consequência: as despesas desses processos têm de ser bancadas pelo Erário. No período de 2019-2024, foram encontrados 636.583 processos transitados em julgado que pediram a gratuidade da prestação jurisdicional. Destes, os juízes concederam-na em 486 mil ações. Na maioria, com base em mera autodeclaração da parte. Considerando-se que o valor médio dessas ações no período de 2019-24, foi de R$ 116.529,00, e utilizando-se, de modo conservador, 2% de custas, o Erário deixou de arrecadar cerca R$ 1,132 bilhão, que seriam destinados a outras necessidades da sociedade.

IM : De que forma o ativismo judicial e a insegurança jurídica prejudicam a economia do país?

JP: As empresas se preparam para cumprir as leis. O ativismo judicial surpreende os empresários, desnorteiam os seus planos, prejudicam a expansão dos negócios e conspiram contra a criação de empregos. Sentenças voluntaristas passam sinais trocados à economia, em lugar de incentivar, desincentivam o crescimento econômico. O estudo foi ancorado em uma extensa literatura econômica que demostra isso.

Decisões com interpretações extravagantes das leis, por mais humanas e justificáveis que possam ser, prejudicam o crescimento econômico. Isso rebate nos trabalhadores porque as empresas podem migrar para outros países, mas os empregados não. Eles amargam a falta de investimento e de empregos de boa qualidade. É o caso do Brasil: cerca de 40% dos empregos estão na informalidade e não têm proteção alguma e ¾ dos trabalhadores ganham menos do que 3 salários mínimos.

IM : Você acredita que este fenômeno tenha piorado, após a aprovação da Reforma trabalhista no Brasil?

JP: A modernização da legislação do Trabalho com a Reforma, aumentou o poder dos sindicatos. Eles podem negociar vários direitos, mesmo que isso difira da lei. E isso vinha sendo praticado. Mas, com decisões judiciais recentes que anulam o negociado, esse princípio vem sendo muito afetado. Uma parte dos juízes não gostam das regras da reforma trabalhista e buscam argumentos sofisticados para anular a vontade das partes. São juízes que acham sua decisão (mesmo contrariando a lei), melhor do que o acertado entre as partes. A análise do material selecionado neste ensaio mostra inúmeros casos de resistências à flexibilização da terceirização, à possibilidade de negociação de vários direitos constantes da CLT, à limitação da justiça gratuita aos que efetivamente não podem pagar constantes da reforma, o que autoriza a conclusão de que tal sinalização de resistência de parte significativa do Judiciário à Reforma Trabalhista estimula o retorno da excessiva judicialização desse ajustes entre as partes, elevando a sensação de insegurança jurídica na aplicação das regras da reforma.

IM : No estudo, vocês se referem à aprovação da Resolução 586 pelo CNJ, em 30 de setembro de 2024. Pode explicar melhor do que se trata?

JP: A Resolução 586/2024 do CNJ é fundada na necessidade de enfrentamento ao exagerado volume da litigiosidade na Justiça do Trabalho. Ela torna mais explícito o efeito de quitação ampla, geral e irrevogável à relação de emprego, nos acordos entre empregadores e empregados, homologados pela Justiça do Trabalho. Embora desde a Reforma Trabalhista a homologação de acordos extrajudiciais já fosse prevista no Art. 855-B da CLT, falta às partes a garantia de que o teor do acordo seja respeitado. Espero que essa Normativa ajude.

IM : O Brasil está em 76º no ranking de segurança jurídica, atrás de países como Sri Lanka, China e Nepal. Acredita que isso tenha a ver com algo da nossa cultura (o paternalismo, por exemplo), ou alguma falha no nosso sistema jurídico, que acaba abrindo brecha para interpretações, digamos, mais amplas da Lei? As faculdades de Direito brasileiras pecam no quesito análise econômica do Direito?

JP: Penso que isso se deve a vários fatores ligados à Justiça do Trabalho. Sem dúvida a situação de desigualdade social e o sentimento de injustiça dela decorrente, afeta o sentimento dos juízes, como de toda a sociedade. Por isso, por razões humanistas ou também ideológicas, os juízes procuram fazer justiça social com suas sentenças. Mas, isso cabe às políticas públicas. Usada pela Justiça do Trabalho, muitas vezes a decisão humanitária vira um bumerangue e prejudica os trabalhadores. É o que ocorre quando a insegurança jurídica espanta os capitais e inibem a geração de emprego e melhoria de renda. Isso porque não há direito sem custo e não se constrói políticas públicas por meio da atividade judicial. Isso cabe primordialmente aos Poderes Legislativo e Executivo.

IM : Acredita que esse ativismo judicial fique restrito à Justiça do Trabalho, ou está presente em outros assuntos, como a liberdade de expressão, por exemplo?

JP: Devido aos fatores envolvidos na formação do indivíduo que opera o Direito, que por si só constitui uma ciência humana, a questão do ativismo não está adstrita à área trabalhista. Há muitos casos e relatos em outros ramos do Direito, alguns deles, inclusive, mencionados durante o Seminário que explorou o presente estudo, relativamente à área do direito urbanístico, ambiental e consumerista, que também constituem grandes desafios à segurança jurídica, fator primordial para a criação de um ambiente de negócios mais favorável ao desenvolvimento econômico e social.

IM : Nos últimos dias, partidos de esquerda têm promovido uma PEC que daria fim à escala 6 x 1, estabelecendo uma jornada de trabalho de 36 horas por semana. O que pensa desse projeto?

JP: Isso pode e deve ser justado por negociação coletiva como preveem a CF e a CLT – e é assim no mundo todo. Os países que reduziram jornada fizeram dessa forma, e em paralelo com o aumento da produtividade. Raramente por imposição legal. No caso do Brasil, isso já é praticado. A jornada semanal efetiva é de 37,9 horas. Há setores em que é menos do que isso. O regime de 5 x 2 também está bastante generalizado: trabalha-se de segunda a sexta e folga-se no sábado e domingo. É o caminho da negociação. E assim deve continuar. Reduzir a jornada semanal para 36 horas trará um aumento da folha salarial do país de mais de 18%. É algo inviável.

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Aprovada em 2017, a reforma trabalhista prometia uma pequena revolução (positiva) nas relações de trabalho, reduzindo a judicialização e trazendo mais segurança nos contratos. E o número de processos chegou a, de fato, diminuir, até que alguns juízes resolveram que não precisavam seguir à risca a letra da Lei.O estudo “O custo da insegurança jurídica na área trabalhista”, de autoria de José Pastore e outros, explorou casos reais em que foi identificado ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado. Em um dos casos estudados,o reclamante possuía uma BMW de R$ 880 mil, e ainda assim desfrutou da Justiça gratuita.

O Instituto Millenium conversou com Pastore, que é Presidente do CERT, da FecomercioSP, sobre as raízes e efeitos desse ativismo, que apesar de muitas vezes bem-intencionado, afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego. Confira abaixo.

Instituto Millenium : Qual o destaque do estudo?

José Pastore: É a primeira tentativa de precificar a insegurança jurídica na área trabalhista. Sentenças que se afastam das leis geram enormes despesas para as empresas, para o Erário e para a sociedade em geral – conspirando contra os investimentos e geração de empregos. Isso é muito nocivo.

IM : Algum caso específico te chamou mais atenção?

JP: Os dez casos estudados no ensaio são bastante elucidativos sobre os custos gerados pela insegurança jurídica na área trabalhista, mas um exemplo causou grande perplexidade. Ao estudar o custo da gratuidade na Justiça Trabalhista, descobrimos vários casos em que a gratuidade é concedida a quem pode pagar. Isso contraria a reforma trabalhista. Esta determina que para os que ganham cerca de R$ 3 mil mensais (40% do teto da Previdência Social), a gratuidade é automática. Mas, para os que ganham mais do que isso, impõe-se a comprovação de que o reclamante passa por dificuldades que o impedem de pagar as custas do processo.

Foram encontrados vários casos de reclamantes que ganham R$ 30 mil e mais por mês, e os juízes concederam a gratuidade. Em um dos casos, o reclamante possui um carro BMW no valor de R$ 880 mil, e ainda assim desfrutou desse benefício. Consequência: as despesas desses processos têm de ser bancadas pelo Erário. No período de 2019-2024, foram encontrados 636.583 processos transitados em julgado que pediram a gratuidade da prestação jurisdicional. Destes, os juízes concederam-na em 486 mil ações. Na maioria, com base em mera autodeclaração da parte. Considerando-se que o valor médio dessas ações no período de 2019-24, foi de R$ 116.529,00, e utilizando-se, de modo conservador, 2% de custas, o Erário deixou de arrecadar cerca R$ 1,132 bilhão, que seriam destinados a outras necessidades da sociedade.

IM : De que forma o ativismo judicial e a insegurança jurídica prejudicam a economia do país?

JP: As empresas se preparam para cumprir as leis. O ativismo judicial surpreende os empresários, desnorteiam os seus planos, prejudicam a expansão dos negócios e conspiram contra a criação de empregos. Sentenças voluntaristas passam sinais trocados à economia, em lugar de incentivar, desincentivam o crescimento econômico. O estudo foi ancorado em uma extensa literatura econômica que demostra isso.

Decisões com interpretações extravagantes das leis, por mais humanas e justificáveis que possam ser, prejudicam o crescimento econômico. Isso rebate nos trabalhadores porque as empresas podem migrar para outros países, mas os empregados não. Eles amargam a falta de investimento e de empregos de boa qualidade. É o caso do Brasil: cerca de 40% dos empregos estão na informalidade e não têm proteção alguma e ¾ dos trabalhadores ganham menos do que 3 salários mínimos.

IM : Você acredita que este fenômeno tenha piorado, após a aprovação da Reforma trabalhista no Brasil?

JP: A modernização da legislação do Trabalho com a Reforma, aumentou o poder dos sindicatos. Eles podem negociar vários direitos, mesmo que isso difira da lei. E isso vinha sendo praticado. Mas, com decisões judiciais recentes que anulam o negociado, esse princípio vem sendo muito afetado. Uma parte dos juízes não gostam das regras da reforma trabalhista e buscam argumentos sofisticados para anular a vontade das partes. São juízes que acham sua decisão (mesmo contrariando a lei), melhor do que o acertado entre as partes. A análise do material selecionado neste ensaio mostra inúmeros casos de resistências à flexibilização da terceirização, à possibilidade de negociação de vários direitos constantes da CLT, à limitação da justiça gratuita aos que efetivamente não podem pagar constantes da reforma, o que autoriza a conclusão de que tal sinalização de resistência de parte significativa do Judiciário à Reforma Trabalhista estimula o retorno da excessiva judicialização desse ajustes entre as partes, elevando a sensação de insegurança jurídica na aplicação das regras da reforma.

IM : No estudo, vocês se referem à aprovação da Resolução 586 pelo CNJ, em 30 de setembro de 2024. Pode explicar melhor do que se trata?

JP: A Resolução 586/2024 do CNJ é fundada na necessidade de enfrentamento ao exagerado volume da litigiosidade na Justiça do Trabalho. Ela torna mais explícito o efeito de quitação ampla, geral e irrevogável à relação de emprego, nos acordos entre empregadores e empregados, homologados pela Justiça do Trabalho. Embora desde a Reforma Trabalhista a homologação de acordos extrajudiciais já fosse prevista no Art. 855-B da CLT, falta às partes a garantia de que o teor do acordo seja respeitado. Espero que essa Normativa ajude.

IM : O Brasil está em 76º no ranking de segurança jurídica, atrás de países como Sri Lanka, China e Nepal. Acredita que isso tenha a ver com algo da nossa cultura (o paternalismo, por exemplo), ou alguma falha no nosso sistema jurídico, que acaba abrindo brecha para interpretações, digamos, mais amplas da Lei? As faculdades de Direito brasileiras pecam no quesito análise econômica do Direito?

JP: Penso que isso se deve a vários fatores ligados à Justiça do Trabalho. Sem dúvida a situação de desigualdade social e o sentimento de injustiça dela decorrente, afeta o sentimento dos juízes, como de toda a sociedade. Por isso, por razões humanistas ou também ideológicas, os juízes procuram fazer justiça social com suas sentenças. Mas, isso cabe às políticas públicas. Usada pela Justiça do Trabalho, muitas vezes a decisão humanitária vira um bumerangue e prejudica os trabalhadores. É o que ocorre quando a insegurança jurídica espanta os capitais e inibem a geração de emprego e melhoria de renda. Isso porque não há direito sem custo e não se constrói políticas públicas por meio da atividade judicial. Isso cabe primordialmente aos Poderes Legislativo e Executivo.

IM : Acredita que esse ativismo judicial fique restrito à Justiça do Trabalho, ou está presente em outros assuntos, como a liberdade de expressão, por exemplo?

JP: Devido aos fatores envolvidos na formação do indivíduo que opera o Direito, que por si só constitui uma ciência humana, a questão do ativismo não está adstrita à área trabalhista. Há muitos casos e relatos em outros ramos do Direito, alguns deles, inclusive, mencionados durante o Seminário que explorou o presente estudo, relativamente à área do direito urbanístico, ambiental e consumerista, que também constituem grandes desafios à segurança jurídica, fator primordial para a criação de um ambiente de negócios mais favorável ao desenvolvimento econômico e social.

IM : Nos últimos dias, partidos de esquerda têm promovido uma PEC que daria fim à escala 6 x 1, estabelecendo uma jornada de trabalho de 36 horas por semana. O que pensa desse projeto?

JP: Isso pode e deve ser justado por negociação coletiva como preveem a CF e a CLT – e é assim no mundo todo. Os países que reduziram jornada fizeram dessa forma, e em paralelo com o aumento da produtividade. Raramente por imposição legal. No caso do Brasil, isso já é praticado. A jornada semanal efetiva é de 37,9 horas. Há setores em que é menos do que isso. O regime de 5 x 2 também está bastante generalizado: trabalha-se de segunda a sexta e folga-se no sábado e domingo. É o caminho da negociação. E assim deve continuar. Reduzir a jornada semanal para 36 horas trará um aumento da folha salarial do país de mais de 18%. É algo inviável.

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