Exame.com
Continua após a publicidade

Este não é um texto sobre a reforma tributária

São muitos contra a reforma, como muitos eram aqueles que achavam loucura lançar-se em mais um plano econômico lá em meados da década de 90

Congresso Nacional (Andressa Anholete/Getty Images)
Congresso Nacional (Andressa Anholete/Getty Images)

Hoje eu não quero falar sobre reforma tributária. Tanto já foi dito e discutido, o preço das exceções, a suposta alíquota mais alta do mundo, a transição, os grupos de interesse. A famosa “não sou contra a reforma, sou contra ‘essa’ reforma”. Ok. Então este não é um texto sobre a reforma. Mas é. 

Para além do bombom que deixou de ser bombom e para muito além da loção embelezadora que ao final era desodorante, em certa medida todos os países convivem com essas e outras discussões cômicas sobre classificação fiscal. Estão aí as batatinhas e marshmallows do Reino Unido que não me deixam mentir. 

O que acontece é que nós, brasileiros, levamos o conceito de manicômio tributário às últimas consequências. E aqui, ficarei apenas nas “alas” que nos remetem à Reforma Tributária.  

Podemos começar pelo julgamento virtual que está em andamento com previsão para término em 1º de setembro. Ali o STF decidirá se o crédito presumido de IPI compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS. Sim, a discussão é se um incentivo fiscal pode ser equiparado ao conceito de faturamento. No fundo parece um daqueles filmes da sessão da tarde, em que a gente sabe que já viu algo parecido, mas não sabe se foi exatamente o filme que está passando. Este processo chegou ao STF em 2008. 

Mas os meus preferidos são, de longe, a avaliação do que é ou não essencial para fins de não cumulatividade do PIS e da COFINS. São 20 anos de discussões, dezenas de decisões, e até hoje ninguém sabe exatamente o que dá ou não direito a crédito. Uma “não cumulatividade” à brasileira. Na semana passada, por exemplo, por 5 votos a 3, o CARF entendeu que gastos com transportes de trabalhadores rurais não geram créditos de COFINS. Sim, para os conselheiros, estas despesas não podem ser consideradas como insumo e sim mera “despesa administrativa”. Cabe-nos apenas imaginar como a produção agrícola aconteceria sem que os trabalhadores rurais fossem transportados até lá. Essencial? Depende. 

E é justamente este “depende” que mata toda e qualquer possibilidade de entendimento do sistema tributário brasileiro, em especial aquele relacionado ao consumo. Tudo depende. Regime especial? Depende. Benefício fiscal? Depende. Orientação oficial? Depende também. 

A Receita Federal, na Instrução Normativa 2152/22, entendeu que apenas poderiam ser objeto de crédito de PIS/COFINS aqueles uniformes fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção. Pois bem. Em junho deste ano o CARF entendeu que despesas com uniformes de aeronautas geram créditos de PIS e COFINS. A decisão foi unânime, mas demorou 11 anos. 

E a confusão sobre o que está sujeito ao ICMS ou ISSQN? Bem ou serviço? Ou nenhum (para alegria do contribuinte)? Em setembro do ano passado o STJ decidiu que incide ISS (e não ICMS) sobre publicidade online – já que o material não se enquadraria no conceito de serviço de comunicação.  

Em um brilhante estudo realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Tributação do INSPER, a reforma tributária em discussão resolve divergências que representam 95% do contencioso envolvendo os cinco principais impostos e contribuições sobre o consumo. 95%. Esta deveria ser nossa resposta a cada um que alega que a reforma “apenas simplifica”. Como se fosse pouco, como se fosse raso. 

O chamado custo Brasil não representa apenas nossas deficiências estruturais, educacionais, qualitativas e políticas. O custo Brasil envolve cada incerteza colocada na balança daqueles que cogitam investir no país. E a incerteza tributária é, hoje, talvez a mais pesada delas. 

Passar 20 anos discutindo se determinado item é essencial ou não ao processo produtivo (e ver essa decisão depender “dos olhos” de quem lê). Lançar um produto digital, o que é absolutamente banal nos dias de hoje, sem saber se está diante de uma cessão de uso, de uma licença, de um bem, de uma obrigação de dar, de fazer. 

São muitos contra a reforma, como muitos eram aqueles que achavam loucura lançar-se em mais um plano econômico lá em meados da década de 90. Outra moeda. Por que não mantemos como está? Por que não simplificamos já e adotamos algo que até já é feito pelos nossos vizinhos? Vejam como funciona! Não precisamos ser radicais. 

Felizmente, para cada alma contra a Reforma Tributária, existe uma infinidade de fatos a favor. Lógico, não temos o texto perfeito e estamos trabalhando incansavelmente para melhorá-lo. Mas encontramos o caminho: a neutralidade, não cumulatividade e, principalmente, a transparência. O brasileiro merece.