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Estabilização da inflação com Milei foi às custas dos pobres e da soberania?

Números mostram uma realidade diferente da acusação de sacrifício social

Javier Milei, presidente da Argentina, durante discurso na Expoagro (Presidência da Argentina/AFP)

Javier Milei, presidente da Argentina, durante discurso na Expoagro (Presidência da Argentina/AFP)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 22 de setembro de 2025 às 22h59.

*Carlos Marcelo Velloso Wendt, Coordenador do Instituto Atlantos 

 

Os detratores do governo Milei acusam-no de controlar a inflação às custas de provocar uma queda brutal no consumo, aumento da pobreza e piora no Índice de Gini. Também afirmam que cumprir as exigências do FMI compromete a soberania argentina. Mas, se os dados forem checados, será que essas afirmações se sustentam?

A inflação sempre foi a prioridade de Milei. E o resultado se faz sentir. Quando tomou posse, no final de 2023, a inflação ultrapassava os 211% e, com a liberação de preços tabelados, chegou a 289%, em abril de 2024. Desde então, porém, vem caindo consistentemente. Em agosto de 2025, a inflação de 12 meses registrada foi de 33,6%. 

Além disso, convém lembrar que o núcleo do IPC medido pelo INDEC (IBGE argentino) continua caindo. Essa métrica considera apenas os preços menos voláteis. Depois de alcançar 300% em abril do ano passado, esse índice está agora abaixo de 39%. A contínua queda do núcleo da inflação significa que os preços estão começando a se ancorar.

Juan Ramón Rallo, economista espanhol, aponta ainda que, em julho, não se verificou efeito pass-through. Esse fenômeno ocorre quando a alta do dólar é transferida para os preços internos, fazendo produtos importados e até nacionais ficarem mais caros. Ou seja, apesar do aumento do preço do dólar, não houve repasse para os produtos ao consumidor. Isso indica que a demanda por pesos está começando a ter função de reserva de valor, e não apenas meio de transação. Claro que é preciso cautela, considerando que o câmbio se desvalorizou ainda mais no começo de agosto, mas é um bom sinal.

Olhando para o PIB do 1º trimestre de 2025, comparado ao mesmo período de 2024, o crescimento geral foi de 5,8%. É um dado meramente razoável, considerando que parte de uma base baixa. O mais interessante é considerar sinais relativos ao poder aquisitivo: o consumo das famílias teve um incremento de 11,6%. Como resultado da valorização do peso, as importações subiram 43%, ao passo que as exportações, “apenas” 7,2%. Isso significa um aumento do poder aquisitivo argentino. Outra boa notícia foi a redução de 0,8% no gasto governamental. Melhor ainda foi o crescimento dos investimentos em formação de capital, de 32%. 

Mas as críticas ao atual governo argentino não negam que dados macroeconômicos estejam melhorando. O foco da acusação é que as políticas de Milei estejam cobrando um preço social muito grande. É um apontamento válido e que merece ser analisado mais de perto. Mas não com achismos, e sim com dados.

Olhando para o PIB pela ótica da renda, a fatia correspondente a salários chegou a 49%, um dos patamares mais altos já registrados pelo INDEC. Isso ajuda a explicar o aumento do consumo geral em quase 12%. E se reflete em diversas melhorias setoriais. 

Segundo dados que o economista Iván Carrino compilou, o índice de vendas varejistas cresceu 17,7%, no ano de 2024. Os eletrodomésticos foram consumidos quase 25% a mais em 2024. Emplacamentos de carros quase dobraram, com 90% de variação interanual até março de 2025. No mês abril, as vendas de supermercados se elevaram em 8,9%, comparado ao mesmo período do ano passado.

Portanto, a depender do consumo e dos salários, a questão social não deixa a desejar. O que se testemunha é um poder de compra maior, tendendo a beneficiar a qualidade de vida do povo. Entretanto, alguém ainda poderia argumentar que o aumento do consumo só se dá pela metade mais rica, às custas dos mais pobres. E que o neoliberalismo do Consenso de Washington está ferindo não só a soberania da Argentina, mas o próprio bem-estar da população carente.

Para verificar essa afirmação, pode-se recorrer ao famoso índice de Gini, que mostra  uma evolução de 0,435 no último semestre de 2023 para 0,430 no mesmo período de 2024. Ou seja, o índice de desigualdade obteve ligeira queda, segundo a diretoria permanente de pesquisa domiciliar do INDEC. 

Quanto à pobreza, há uma pluralidade de fontes que apontam para o mesmo sentido. O Ministério do Capital Humano registrou um percentual de pobreza na população argentina de 38,1% no segundo semestre de 2024, comparado a 41,7% no mesmo período de 2023. Na mesma janela de tempo, a taxa de indigência (pobreza extrema) caiu de 11,9% para 8,2%. 

Ainda, alguém poderia insinuar que as estatísticas vindas do governo não são confiáveis. Pois bem: segundo levantamento independente da Universidad Torcuato Di Tella, a taxa de pobreza estava em 32,3% no 1º trimestre de 2025, pouco acima da estatística do INDEC. Já o CEDLAS (Centro de Estudios Distributivos, Laborales y Sociales) registrou 52,9% de pobreza no primeiro semestre de 2024, caindo para 34,4% no semestre entre outubro do mesmo ano e março deste.

Em suma: todas as estatísticas, sejam elas econômicas ou sociais, têm mostrado melhora ao longo do governo Milei. Há, por fim, uma última linha de argumentação, de ordem política e institucional. Será que, ao cumprir as exigências do FMI, Milei não estaria comprometendo a soberania argentina? Seria necessário comparar seu programa com as exigências para verificar se houve perda de autonomia.

Três contrapartidas foram requeridas pelo FMI para liberar o empréstimo de US$ 20 bilhões: aumentar as reservas cambiais líquidas em US$ 4 bilhões, estabelecer uma meta de superávit primário de 1,3% do PIB e flexibilizar o câmbio fixo para uma banda. E quanto a Milei, o que ele propunha na eleição? Reduzir a emissão monetária (o que, na prática, também exige reforçar reservas cambiais), ajustar as contas públicas e acabar com o controle cambial. Tudo o que foi requerido pelo FMI condiz com as promessas de campanha de Milei.

Portanto, o que se percebe é que a estabilização econômica não sacrificou os mais pobres nem a soberania da Casa Rosada. Até porque qualquer governo que tome empréstimo do FMI o faz soberanamente: se você considera as exigências demasiadas, não contraia o empréstimo. O que aconteceu na Argentina foi mais uma mostra de que governos inflacionistas não só não ajudam os mais pobres, mas os atrapalham, por causa dos efeitos regressivos do imposto inflacionário. 

Milei pode ser acusado de ter um temperamento difícil, que queima pontes com potenciais aliados, e de ter sido ingênuo ao fazer propaganda de uma falsa corretora de criptomoedas. Mas suas políticas têm mostrado eficácia mais rápido do que os mais otimistas imaginavam. O desafio, agora, é o de ordem política: evitar que os parlamentares peronistas recém-eleitos desidratem propostas de reformas e derrubem vetos de Milei a aumentos de gastos.