Entre impostos e exceções: a Duquesa de Tax fala sobre o relatório da reforma tributária
Instituto Millenium entrevista a tributarista Maria Carolina Gontijo
Instituto Millenium
Publicado em 27 de outubro de 2023 às 18h01.
Última atualização em 27 de outubro de 2023 às 18h01.
Dias após a apresentação do relatório da PEC 45 pelo senador Eduardo Braga no Senado, o cenário tributário brasileiro parece prestes a sofrer uma das maiores transformações das últimas décadas. Essa etapa sinaliza um avanço significativo rumo à aprovação da reforma tributária, alimentando debates acalorados entre especialistas, políticos e a sociedade civil. Diante desse panorama, e para entender melhor as implicações desta proposta, conversamos com Maria Carolina Gontijo, a " Duquesa de Tax ". Conhecida por sua capacidade de esclarecer os mais complexos temas tributários, Gontijo, colaboradora do Instituto Millenium, discorre sobre o relatório recentemente aprovado e as perspectivas para o sistema tributário brasileiro.
Instituto Millenium: Após a apresentação do relatório da PEC 45 pelo senador Eduardo Braga, quais são as alterações mais marcantes em relação à versão anterior?
Maria Carolina Gontijo: As três mudanças mais significativas são: (1) A delimitação do imposto seletivo. Antes, estava muito aberto, o que gerava insegurança nas empresas. Agora, ele tem a finalidade não arrecadatória, mas sim de coibir o consumo de produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Com essa definição mais precisa, evita-se a cumulatividade desse imposto; (2) A decisão de não utilizar o imposto seletivo para equalizar a situação da Zona Franca de Manaus. Tentativas anteriores de ajuste com esse imposto poderiam criar confusões. A solução atual é a CIDE (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico) aplicada a produtos da Zona Franca de Manaus; (3) A introdução de uma alíquota diferenciada, reduzida em 30%, para profissionais que prestam serviços de natureza intelectual, como advogados e arquitetos. Entretanto, esta medida pode afetar a alíquota geral que todos pagam. Essas foram, em minha opinião, as principais alterações no relatório apresentado.
IM: Dadas as recentes alterações, você se surpreendeu com a quantidade de categorias adicionadas às exceções? Como isso se posiciona em relação às práticas tributárias dos países da OCDE?
MCG: A própria OCDE destaca a importância da neutralidade tributária e aconselha a evitar exceções para prevenir distorções econômicas. Embora o ideal seja não ter exceções, confesso que, considerando a atuação de vários grupos de interesse no Senado, esperava mais exceções do que as que foram apresentadas no texto. Não que o número de exceções tenha sido pequeno, mas sim, esperava um número ainda maior. Além das exceções já discutidas, é essencial ficarmos atentos aos regimes específicos propostos. Estes não significam necessariamente benefícios, mas é crucial garantir que não se tornem mais uma forma de exceção. Fui, de certa forma, surpreendida pelo texto, pois esperava mais exceções do que as que foram propostas.
IM: Houve alterações na proposta do "cashback" que pretendia devolver o imposto da cesta básica? E qual sua visão sobre o "cashback" em comparação com a simples desoneração dos produtos da cesta básica?
MCG: O conceito de "cashback" ganhou mais força no relatório do senador Eduardo Braga em comparação ao que foi aprovado na Câmara. A proposta inicial da Câmara era uma Cesta Básica Nacional com alíquota zero e uma lista de alimentos para consumo humano com alíquota reduzida. Agora, no novo relatório, temos três categorias para alimentos: uma Cesta Básica Nacional mais enxuta com alíquota zero, outra lista mais ampla de alimentos com alíquota reduzida em 60% - e é nesta lista que o "cashback" será aplicado -, e por fim, outros alimentos que serão tributados na alíquota padrão. A desoneração total pode acabar beneficiando até quem não precisa, tornando-se uma política menos eficaz para reduzir desigualdades. O "cashback", embora seja uma proposta nova e ainda desconhecida para muitos, pode ser uma alternativa mais eficiente, focada nos segmentos mais vulneráveis da sociedade. Contrariando expectativas, o "cashback" não foi retirado; na verdade, ele agora está mais presente e robusto no texto do que antes.
IM: Qual sua avaliação da proposta de trava contra aumento da carga tributária? Seria um modelo eficiente?
MCG: Vejo a proposta de trava contra o aumento da carga tributária como um modelo que merece ser testado. No Brasil, há sempre um risco associado a tais propostas: elas podem não ser plenamente implementadas. Ainda assim, essa trava serve como uma garantia, trazendo certo alívio frente a possíveis aumentos contínuos na carga tributária. Uma ressalva é que essa trava pode levar o governo a se acomodar, evitando cortes nos gastos para reduzir a tributação. No entanto, prefiro manter um olhar positivo, considerando essa trava uma alternativa superior à fixação de alíquotas no texto constitucional. Se bem implementada, pode sim ser um bom mecanismo.
IM: Com base nas discussões atuais, você acredita que o texto passará por mais mudanças significativas no Senado, especialmente em relação às exceções?
MCG: Acredito que ainda presenciaremos algumas alterações no texto durante sua tramitação no Senado. No entanto, o texto atual já mostra um alinhamento com a Câmara, mantendo o cerne da PEC 45. A meta parece ser a promulgação ainda em 2023. Mesmo que haja mudanças, não estou certa de que serão profundamente significativas. Quanto às exceções, não alimento esperanças de uma diminuição em seu número. O debate no relatório do Senado já avançou nesse sentido, e parece que teremos que aceitar as exceções propostas.
IM: Em geral, você se sente otimista em relação à reforma? Se aprovado na forma atual, nosso sistema tributário estará em uma posição mais favorável?
MCG: Eu valorizo essa pergunta porque me esforço para elucidar, especialmente nas redes sociais, a complexidade de nosso sistema atual. Muitos criticam as numerosas exceções na PEC 45, mas é preciso compreender a quantidade de exceções que já existem hoje, considerando IPI, ISS, ICMS e outras legislações. É uma situação complicada, com regulamentos que transformam definições simples em algo confuso. Ainda assim, mesmo com suas imperfeições, a PEC 45 representa uma melhora considerável em relação ao que temos hoje. Ela promete simplificação e previsibilidade, características valiosas para qualquer sistema tributário. Continuo otimista, vendo a reforma como um passo crucial para nos afastarmos do caos tributário atual.
Dias após a apresentação do relatório da PEC 45 pelo senador Eduardo Braga no Senado, o cenário tributário brasileiro parece prestes a sofrer uma das maiores transformações das últimas décadas. Essa etapa sinaliza um avanço significativo rumo à aprovação da reforma tributária, alimentando debates acalorados entre especialistas, políticos e a sociedade civil. Diante desse panorama, e para entender melhor as implicações desta proposta, conversamos com Maria Carolina Gontijo, a " Duquesa de Tax ". Conhecida por sua capacidade de esclarecer os mais complexos temas tributários, Gontijo, colaboradora do Instituto Millenium, discorre sobre o relatório recentemente aprovado e as perspectivas para o sistema tributário brasileiro.
Instituto Millenium: Após a apresentação do relatório da PEC 45 pelo senador Eduardo Braga, quais são as alterações mais marcantes em relação à versão anterior?
Maria Carolina Gontijo: As três mudanças mais significativas são: (1) A delimitação do imposto seletivo. Antes, estava muito aberto, o que gerava insegurança nas empresas. Agora, ele tem a finalidade não arrecadatória, mas sim de coibir o consumo de produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Com essa definição mais precisa, evita-se a cumulatividade desse imposto; (2) A decisão de não utilizar o imposto seletivo para equalizar a situação da Zona Franca de Manaus. Tentativas anteriores de ajuste com esse imposto poderiam criar confusões. A solução atual é a CIDE (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico) aplicada a produtos da Zona Franca de Manaus; (3) A introdução de uma alíquota diferenciada, reduzida em 30%, para profissionais que prestam serviços de natureza intelectual, como advogados e arquitetos. Entretanto, esta medida pode afetar a alíquota geral que todos pagam. Essas foram, em minha opinião, as principais alterações no relatório apresentado.
IM: Dadas as recentes alterações, você se surpreendeu com a quantidade de categorias adicionadas às exceções? Como isso se posiciona em relação às práticas tributárias dos países da OCDE?
MCG: A própria OCDE destaca a importância da neutralidade tributária e aconselha a evitar exceções para prevenir distorções econômicas. Embora o ideal seja não ter exceções, confesso que, considerando a atuação de vários grupos de interesse no Senado, esperava mais exceções do que as que foram apresentadas no texto. Não que o número de exceções tenha sido pequeno, mas sim, esperava um número ainda maior. Além das exceções já discutidas, é essencial ficarmos atentos aos regimes específicos propostos. Estes não significam necessariamente benefícios, mas é crucial garantir que não se tornem mais uma forma de exceção. Fui, de certa forma, surpreendida pelo texto, pois esperava mais exceções do que as que foram propostas.
IM: Houve alterações na proposta do "cashback" que pretendia devolver o imposto da cesta básica? E qual sua visão sobre o "cashback" em comparação com a simples desoneração dos produtos da cesta básica?
MCG: O conceito de "cashback" ganhou mais força no relatório do senador Eduardo Braga em comparação ao que foi aprovado na Câmara. A proposta inicial da Câmara era uma Cesta Básica Nacional com alíquota zero e uma lista de alimentos para consumo humano com alíquota reduzida. Agora, no novo relatório, temos três categorias para alimentos: uma Cesta Básica Nacional mais enxuta com alíquota zero, outra lista mais ampla de alimentos com alíquota reduzida em 60% - e é nesta lista que o "cashback" será aplicado -, e por fim, outros alimentos que serão tributados na alíquota padrão. A desoneração total pode acabar beneficiando até quem não precisa, tornando-se uma política menos eficaz para reduzir desigualdades. O "cashback", embora seja uma proposta nova e ainda desconhecida para muitos, pode ser uma alternativa mais eficiente, focada nos segmentos mais vulneráveis da sociedade. Contrariando expectativas, o "cashback" não foi retirado; na verdade, ele agora está mais presente e robusto no texto do que antes.
IM: Qual sua avaliação da proposta de trava contra aumento da carga tributária? Seria um modelo eficiente?
MCG: Vejo a proposta de trava contra o aumento da carga tributária como um modelo que merece ser testado. No Brasil, há sempre um risco associado a tais propostas: elas podem não ser plenamente implementadas. Ainda assim, essa trava serve como uma garantia, trazendo certo alívio frente a possíveis aumentos contínuos na carga tributária. Uma ressalva é que essa trava pode levar o governo a se acomodar, evitando cortes nos gastos para reduzir a tributação. No entanto, prefiro manter um olhar positivo, considerando essa trava uma alternativa superior à fixação de alíquotas no texto constitucional. Se bem implementada, pode sim ser um bom mecanismo.
IM: Com base nas discussões atuais, você acredita que o texto passará por mais mudanças significativas no Senado, especialmente em relação às exceções?
MCG: Acredito que ainda presenciaremos algumas alterações no texto durante sua tramitação no Senado. No entanto, o texto atual já mostra um alinhamento com a Câmara, mantendo o cerne da PEC 45. A meta parece ser a promulgação ainda em 2023. Mesmo que haja mudanças, não estou certa de que serão profundamente significativas. Quanto às exceções, não alimento esperanças de uma diminuição em seu número. O debate no relatório do Senado já avançou nesse sentido, e parece que teremos que aceitar as exceções propostas.
IM: Em geral, você se sente otimista em relação à reforma? Se aprovado na forma atual, nosso sistema tributário estará em uma posição mais favorável?
MCG: Eu valorizo essa pergunta porque me esforço para elucidar, especialmente nas redes sociais, a complexidade de nosso sistema atual. Muitos criticam as numerosas exceções na PEC 45, mas é preciso compreender a quantidade de exceções que já existem hoje, considerando IPI, ISS, ICMS e outras legislações. É uma situação complicada, com regulamentos que transformam definições simples em algo confuso. Ainda assim, mesmo com suas imperfeições, a PEC 45 representa uma melhora considerável em relação ao que temos hoje. Ela promete simplificação e previsibilidade, características valiosas para qualquer sistema tributário. Continuo otimista, vendo a reforma como um passo crucial para nos afastarmos do caos tributário atual.