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Encarando o declínio demográfico: a urgência de melhores políticas migratórias no Brasil

Nas próximas décadas, o país pode enfrentar uma redução demográfica acentuada

População: o que os dados do Censo nos dizem sobre a população brasileira? (Bruno Kelli/Amazonia Real/Divulgação)
Rafael Leite

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 30 de junho de 2023 às 11h21.

Última atualização em 12 de julho de 2023 às 15h24.

Como se pode compreender os recentes dados do censo demográfico brasileiro? Uma coisa é certa: há uma inquietante tendência ao declínio da população. Nas próximas décadas, o Brasil pode enfrentar uma redução demográfica acentuada. Essa possibilidade se torna ainda mais alarmante quando metrópoles significativas começam a lidar hoje com o despovoamento.

Porém, quais seriam as razões dessa tendência no Brasil? Antes de mergulhar nesse debate, é prudente reconhecer que a compreensão plena das causas demandará mais estudos. Contudo, é inegável que uma das chaves para compreender o fenômeno é a crescente emigração. De acordo com dados do Itamaraty, em 2020 a população de brasileiros residentes no exterior atingiu 4,2 milhões. Isso representa um crescimento de 16% em relação às estatísticas de 2018 e um aumento de 36% na última década. À medida que o Brasil se moderniza e se desenvolve, aumenta o número de brasileiros buscando oportunidades além de suas fronteiras. Trata-se de um fenômeno que pode parecer contra-intuitivo. O aumento da emigração é sinal de atraso ou indicador de desenvolvimento?

A emigração não é apenas uma resposta à pobreza ou ao declínio econômico. Embora possa parecer contraditório, o crescimento da emigração pode ser também interpretado como um indicador de desenvolvimento. O avanço da educação e o aumento da renda per capita, somados ao maior acesso à tecnologia e informação, são fenômenos que inspiram e permitem que mais pessoas busquem oportunidades além das nossas fronteiras. À medida que mais pessoas adquirem as capacidades e aspirações para migrar, o Brasil acaba perdendo uma parte significativa de sua força de trabalho para o exterior.

Além de perder habilidades (já que a população emigrante é geralmente mais qualificada e empreendedora), o Brasil também perde aspirações. Os emigrantes são frequentemente indivíduos com visões otimistas do futuro, dispostos a fazer sacrifícios para alcançar seus objetivos. Sua partida pode resultar em uma diminuição do otimismo e do ímpeto de transformacão entre os brasileiros que aqui ficam. Como então lidar com esse desafio?

Considerando a magnitude do problema, a atuação do Estado será fundamental. Precisamos de mais e melhores políticas públicas. Parte da solução passa pela diáspora brasileira espalhada pelo mundo. De fazendeiros no Paraguai a comunidades de dekasseguis no Japão, incluindo as numerosas comunidades nos Estados Unidos e na Europa, muitos destes emigrantes acumularam riqueza, estabeleceram conexões e adquiriram conhecimentos, habilidades e atitudes em sociedades e mercados mais dinâmicos que os nossos. A experiência e as competências destes brasileiros são um recurso chave para o desenvolvimento do Brasil.

Portanto, é crucial manter essas pessoas conectadas ao Brasil. E, sim, incentivá-las a retornar deve ser uma prioridade, mas não a única. Devemos facilitar sua vinda ao país para abrir negócios ou fazer turismo, incentivá-las a estabelecer conexões comerciais com empresas brasileiras e consumir nossos produtos e serviços em seus países de residência. Essas ações demandam uma política abrangente que inclua, entre outrasd coisas, a facilitação da obtenção de nacionalidade e a promoção de produtos culturais brasileiros no exterior.

Em paralelo, devemos estabelecer uma política de imigração robusta. Precisamos atrair pessoas dispostas a fazer do território brasileiro o seu lar e a contribuir para tornar a nossa sociedade mais próspera. Migrar para o Brasil deve ser uma opção fácil e atrativa, não apenas para profissionais com habilidades específicas que possam tornar diversos setores da economia mais competitivos, mas também para todos aqueles dispostos a colocar suas habilidades e força de trabalho a serviço da nossa economia e das nossas comunidades.

Não podemos competir diretamente com países como o Canadá e a Austrália, que dispõem de excelente qualidade de vida e recursos para atrair os melhores profissionais. Portanto, temos de explorar incentivos de outra natureza. Precisamos mostrar ao mundo que o Brasil em 20 anos será mais próspero que o atual e que as pessoas podem desempenhar um papel ativo nessa evolução. Nesse sentido, é essencial incentivar e simplificar a livre iniciativa para tornar o ambiente de negócios mais seguro. Além disso, devemos abrir nosso mercado ao mundo. O programa Mais Médicos evidenciou que podemos utilizar o capital humano de outros países para resolver nossos problemas mais urgentes. Programas desse tipo devem ser aprimorados e multiplicados, sem financiar diretamente governos autoritários que proíbem a emigração. Uma iniciativa promissora seria simplificar a validação de diplomas estrangeiros.

Tendo esse objetivo em vista, diversas medidas podem ser implementadas, como por exemplo simplificar a obtenção de vistos de residência (uma ação que vai na contramão de decisões recentes do governo federal), incentivar a aquisição de imóveis e ativos por estrangeiros não residentes, tornar mais simples o processo de emissão de documentos para estrangeiros, bem como ampliar a oferta de serviços públicos em outros idiomas, ou em plataformas com opção de tradução. Além disso, as famílias brasileiras devem ser incentivadas a acolher e apoiar os recém-chegados, integrando-os em suas redes sociais e promovendo sua inclusão em grupos de socialização, como clubes e igrejas.

Confrontar o desafio demográfico com a política migratória implica, portanto, em duas missões: atrair imigrantes e conectar-se com a diáspora. Ainda assim, estas ações não podem substituir a necessidade de incentivar a natalidade, promovendo um ambiente onde as famílias brasileiras sintam segurança e confiança para ter mais filhos. Ações como a criação de uma política robusta de cuidados, ampliação das licenças maternidade e paternidade, valorização do trabalho doméstico desempenhado por homens e mulheres que se dedicam integralmente à criação dos filhos, são essenciais para fortalecer as famílias brasileiras.

Afinal, para lidar com os desafios do envelhecimento e da redução populacional, é necessária uma estratégia diversificada. Discussões sobre a transformação demográfica devem assumir maior protagonismo no debate púbico e na agenda política. É bastante plausível que uma política migratória eficaz, aliada ao fortalecimento das famílias, seja a chave para assegurar a sustentabilidade da sociedade brasileira no longo prazo.

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Como se pode compreender os recentes dados do censo demográfico brasileiro? Uma coisa é certa: há uma inquietante tendência ao declínio da população. Nas próximas décadas, o Brasil pode enfrentar uma redução demográfica acentuada. Essa possibilidade se torna ainda mais alarmante quando metrópoles significativas começam a lidar hoje com o despovoamento.

Porém, quais seriam as razões dessa tendência no Brasil? Antes de mergulhar nesse debate, é prudente reconhecer que a compreensão plena das causas demandará mais estudos. Contudo, é inegável que uma das chaves para compreender o fenômeno é a crescente emigração. De acordo com dados do Itamaraty, em 2020 a população de brasileiros residentes no exterior atingiu 4,2 milhões. Isso representa um crescimento de 16% em relação às estatísticas de 2018 e um aumento de 36% na última década. À medida que o Brasil se moderniza e se desenvolve, aumenta o número de brasileiros buscando oportunidades além de suas fronteiras. Trata-se de um fenômeno que pode parecer contra-intuitivo. O aumento da emigração é sinal de atraso ou indicador de desenvolvimento?

A emigração não é apenas uma resposta à pobreza ou ao declínio econômico. Embora possa parecer contraditório, o crescimento da emigração pode ser também interpretado como um indicador de desenvolvimento. O avanço da educação e o aumento da renda per capita, somados ao maior acesso à tecnologia e informação, são fenômenos que inspiram e permitem que mais pessoas busquem oportunidades além das nossas fronteiras. À medida que mais pessoas adquirem as capacidades e aspirações para migrar, o Brasil acaba perdendo uma parte significativa de sua força de trabalho para o exterior.

Além de perder habilidades (já que a população emigrante é geralmente mais qualificada e empreendedora), o Brasil também perde aspirações. Os emigrantes são frequentemente indivíduos com visões otimistas do futuro, dispostos a fazer sacrifícios para alcançar seus objetivos. Sua partida pode resultar em uma diminuição do otimismo e do ímpeto de transformacão entre os brasileiros que aqui ficam. Como então lidar com esse desafio?

Considerando a magnitude do problema, a atuação do Estado será fundamental. Precisamos de mais e melhores políticas públicas. Parte da solução passa pela diáspora brasileira espalhada pelo mundo. De fazendeiros no Paraguai a comunidades de dekasseguis no Japão, incluindo as numerosas comunidades nos Estados Unidos e na Europa, muitos destes emigrantes acumularam riqueza, estabeleceram conexões e adquiriram conhecimentos, habilidades e atitudes em sociedades e mercados mais dinâmicos que os nossos. A experiência e as competências destes brasileiros são um recurso chave para o desenvolvimento do Brasil.

Portanto, é crucial manter essas pessoas conectadas ao Brasil. E, sim, incentivá-las a retornar deve ser uma prioridade, mas não a única. Devemos facilitar sua vinda ao país para abrir negócios ou fazer turismo, incentivá-las a estabelecer conexões comerciais com empresas brasileiras e consumir nossos produtos e serviços em seus países de residência. Essas ações demandam uma política abrangente que inclua, entre outrasd coisas, a facilitação da obtenção de nacionalidade e a promoção de produtos culturais brasileiros no exterior.

Em paralelo, devemos estabelecer uma política de imigração robusta. Precisamos atrair pessoas dispostas a fazer do território brasileiro o seu lar e a contribuir para tornar a nossa sociedade mais próspera. Migrar para o Brasil deve ser uma opção fácil e atrativa, não apenas para profissionais com habilidades específicas que possam tornar diversos setores da economia mais competitivos, mas também para todos aqueles dispostos a colocar suas habilidades e força de trabalho a serviço da nossa economia e das nossas comunidades.

Não podemos competir diretamente com países como o Canadá e a Austrália, que dispõem de excelente qualidade de vida e recursos para atrair os melhores profissionais. Portanto, temos de explorar incentivos de outra natureza. Precisamos mostrar ao mundo que o Brasil em 20 anos será mais próspero que o atual e que as pessoas podem desempenhar um papel ativo nessa evolução. Nesse sentido, é essencial incentivar e simplificar a livre iniciativa para tornar o ambiente de negócios mais seguro. Além disso, devemos abrir nosso mercado ao mundo. O programa Mais Médicos evidenciou que podemos utilizar o capital humano de outros países para resolver nossos problemas mais urgentes. Programas desse tipo devem ser aprimorados e multiplicados, sem financiar diretamente governos autoritários que proíbem a emigração. Uma iniciativa promissora seria simplificar a validação de diplomas estrangeiros.

Tendo esse objetivo em vista, diversas medidas podem ser implementadas, como por exemplo simplificar a obtenção de vistos de residência (uma ação que vai na contramão de decisões recentes do governo federal), incentivar a aquisição de imóveis e ativos por estrangeiros não residentes, tornar mais simples o processo de emissão de documentos para estrangeiros, bem como ampliar a oferta de serviços públicos em outros idiomas, ou em plataformas com opção de tradução. Além disso, as famílias brasileiras devem ser incentivadas a acolher e apoiar os recém-chegados, integrando-os em suas redes sociais e promovendo sua inclusão em grupos de socialização, como clubes e igrejas.

Confrontar o desafio demográfico com a política migratória implica, portanto, em duas missões: atrair imigrantes e conectar-se com a diáspora. Ainda assim, estas ações não podem substituir a necessidade de incentivar a natalidade, promovendo um ambiente onde as famílias brasileiras sintam segurança e confiança para ter mais filhos. Ações como a criação de uma política robusta de cuidados, ampliação das licenças maternidade e paternidade, valorização do trabalho doméstico desempenhado por homens e mulheres que se dedicam integralmente à criação dos filhos, são essenciais para fortalecer as famílias brasileiras.

Afinal, para lidar com os desafios do envelhecimento e da redução populacional, é necessária uma estratégia diversificada. Discussões sobre a transformação demográfica devem assumir maior protagonismo no debate púbico e na agenda política. É bastante plausível que uma política migratória eficaz, aliada ao fortalecimento das famílias, seja a chave para assegurar a sustentabilidade da sociedade brasileira no longo prazo.

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