E se a oposição propuser uma lei para fake news?
Nossos ministros da Suprema Corte e governantes não cansam de afirmar que a internet é uma terra sem lei, uma terra de ninguém
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 6 de junho de 2024 às 08h00.
Estão errados. Nossa legislação vigente dá conta do conceito de fake news. O fato de estar ou não tipificado na lei é indiferente para o Direito. Um exemplo: não existe o crime de “empurrar pessoas de penhascos”, no entanto, por aproximações interpretativas, sabemos que se trata de um crime. “Xingar a mãe dos outros” também não está na lei, mas sabemos se tratar de um ilícito.
O código de Hamurabi, um dos primeiros da história, editado na Mesopotâmia por volta de 1750 a.C., e inspirado na Lei de Talião, tinha leis muito objetivas. Por exemplo: “se alguém arrancar o olho de alguém, terá seu olho arrancado”, ou então “se alguém roubar um boi ou uma ovelha ou um asno ou um porco ou um barco, será punido”. Mas, e se no lugar do olho, for arrancada uma perna? E se no lugar de um boi, for roubado um carneiro? Estes problemas foram resolvidos pelas sociedades modernas mais complexas punindo-se condutas abstratas ou por similaridade. Assim, abrimos mão de prever nos códigos todas as infinitas possibilidades de condutas humanas.
Por essa razão, não estar na lei o conceito de fake news não é um problema. Se alguém propagar conteúdo falso, com intenção de atingir a honra alheia, haverá crime de difamação que poderá, inclusive, ensejar reparação por dano moral. Se houver ainda a intenção de fraudar o debate público, haverá crime de fraude. Se ao noticiar um fato um jornalista errar, será punido por abuso do direito à expressão, presente no código civil. Onde está o grande problema? Por qual razão insistem tanto em nos dizer que estamos em uma terra sem lei, se não estamos? Alguém dirá: o problema é o anonimato das redes sociais. Bom, isso não se resolve com a tipificação do crime de fake news, mas com uma lei regulando melhor o anonimato nas redes.
O fato é que se nossos juízes e governantes se recusarem a entender que é possível interpretar fake news com a legislação que já temos, não sossegando até aprovarem uma lei ao gosto deles, e deixando, enquanto isso, todos à mercê de sua subjetividade, será melhor um esforço da oposição ao governo, dos críticos do voluntarismo da Corte, em torno de se propor um projeto de lei alternativo, que busque conceituar de forma correta e justa as fake news, punindo sua propagação por critérios técnicos, e não políticos.
Sem uma lei específica, com a Corte e governo entendendo que fake news é um mal sem remédio, e a internet uma terra sem lei a ser combatida pelo ativismo judicial e voluntarismo político, estaremos todos em maus lençóis. Nesse sentido, melhor que a oposição abandone a trincheira da resistência a uma nova lei sobre fake news e trabalhe para aprovar uma lei alternativa. Antes que seja tarde.
Estão errados. Nossa legislação vigente dá conta do conceito de fake news. O fato de estar ou não tipificado na lei é indiferente para o Direito. Um exemplo: não existe o crime de “empurrar pessoas de penhascos”, no entanto, por aproximações interpretativas, sabemos que se trata de um crime. “Xingar a mãe dos outros” também não está na lei, mas sabemos se tratar de um ilícito.
O código de Hamurabi, um dos primeiros da história, editado na Mesopotâmia por volta de 1750 a.C., e inspirado na Lei de Talião, tinha leis muito objetivas. Por exemplo: “se alguém arrancar o olho de alguém, terá seu olho arrancado”, ou então “se alguém roubar um boi ou uma ovelha ou um asno ou um porco ou um barco, será punido”. Mas, e se no lugar do olho, for arrancada uma perna? E se no lugar de um boi, for roubado um carneiro? Estes problemas foram resolvidos pelas sociedades modernas mais complexas punindo-se condutas abstratas ou por similaridade. Assim, abrimos mão de prever nos códigos todas as infinitas possibilidades de condutas humanas.
Por essa razão, não estar na lei o conceito de fake news não é um problema. Se alguém propagar conteúdo falso, com intenção de atingir a honra alheia, haverá crime de difamação que poderá, inclusive, ensejar reparação por dano moral. Se houver ainda a intenção de fraudar o debate público, haverá crime de fraude. Se ao noticiar um fato um jornalista errar, será punido por abuso do direito à expressão, presente no código civil. Onde está o grande problema? Por qual razão insistem tanto em nos dizer que estamos em uma terra sem lei, se não estamos? Alguém dirá: o problema é o anonimato das redes sociais. Bom, isso não se resolve com a tipificação do crime de fake news, mas com uma lei regulando melhor o anonimato nas redes.
O fato é que se nossos juízes e governantes se recusarem a entender que é possível interpretar fake news com a legislação que já temos, não sossegando até aprovarem uma lei ao gosto deles, e deixando, enquanto isso, todos à mercê de sua subjetividade, será melhor um esforço da oposição ao governo, dos críticos do voluntarismo da Corte, em torno de se propor um projeto de lei alternativo, que busque conceituar de forma correta e justa as fake news, punindo sua propagação por critérios técnicos, e não políticos.
Sem uma lei específica, com a Corte e governo entendendo que fake news é um mal sem remédio, e a internet uma terra sem lei a ser combatida pelo ativismo judicial e voluntarismo político, estaremos todos em maus lençóis. Nesse sentido, melhor que a oposição abandone a trincheira da resistência a uma nova lei sobre fake news e trabalhe para aprovar uma lei alternativa. Antes que seja tarde.