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É muito mais do que uma blusinha da China

A taxação a compras internacionais reflete a histórica isolação comercial do Brasil

A "taxa das blusinhas" reflete a histórica isolação comercial do Brasil, fruto da mentalidade mercantilista de que as importações nos tornam mais pobres.   (Monika Skolimowska/picture alliance /Getty Images)
A "taxa das blusinhas" reflete a histórica isolação comercial do Brasil, fruto da mentalidade mercantilista de que as importações nos tornam mais pobres.   (Monika Skolimowska/picture alliance /Getty Images)

Ao longo do último ano, o Governo Federal travou uma batalha fiscal contra plataformas de compras online chinesas – de blusinhas da Shein a bugigangas do Alibaba. Apesar de ser retratado como uma medida visando o ajuste fiscal, o problema é muito mais abrangente. Não é apenas sobre o consumidor pagar mais caro. A "taxa das blusinhas" reflete a histórica isolação comercial do Brasil, fruto da mentalidade mercantilista de que as importações nos tornam mais pobres.  

No entanto, os benefícios do livre comércio são um consenso entre economistas. Em um dos manuais de economia mais vendidos do mundo, o economista Gregory Mankiw reporta uma série de dez princípios básicos de economia e a porcentagem de economistas que concordam cada um deles, baseado em pesquisas de opinião da profissão.1 A segunda (empatada com a primeira) é a proposição de que tarifas e quotas de importação reduzem o bem-estar econômico geral da população – com 93% dos economistas concordando. Mesmo economistas claramente à esquerda, como Paul Krugman, recipiente do Nobel de Economia em 2008, escreveu que caso houvesse um mandamento para os economistas, ele certamente deveria incluir "eu acredito no livre comércio". Em outra peça, ele complementa: "a chave para o crescimento econômico é a inovação, não o protecionismo". 

A lógica básica do argumento é elementar. Quando vamos comprar uma peça de roupa, o que importa é que ela vale, para mim, mais do que os (digamos) 30 reais que eu estou disposto a pagar; enquanto isso, para o vendedor, os 30 reais valem mais que a roupa que ele está vendendo. Ambos se beneficiam. Se o fato dela ser feita na China de alguma forma nos deixa mais pobres, os moradores do Ceará deveriam, pela mesma lógica, deixar de comprar produtos de São Paulo. Osasco deveria produzir tudo o que consome e estabelecer barreiras comerciais contra a cidade de Guarulhos. E por que não bairros? Como pode o comércio ser bom em geral, mas ruim quando feito entre países?  

Ademais, as implicações do protecionismo para a economia política são extremamente preocupantes. Entre os países mais corruptos do mundo, todos são economias fechadas (com exceção da Indonésia).2 Não à toa, o campo da economia estudando a corrupção surgiu justamente com a discussão dos problemas oriundos de barreiras de importação, em um artigo seminal da economista Anne Krueger3. O protecionismo faz com que o objetivo principal de uma empresa deixe de ser agradar os consumidores e passe a ser o de persuadir políticos para conseguir uma nova medida protecionista – e muitas vezes a propina se torna um convincente método de barganha. 

O carro 1.0 de 80 mil reais com vidros e travas elétricas como opcional é a epítome do protecionismo tupiniquim. É também o seu epitáfio: "aqui jaz a indústria automobilística nacional; morta por subsídios e tarifas no manicômio tributário". No Brasil, a grande montadora não existe para fazer carros. Ela existe para empregar pessoas e comprar insumos e peças de baixa qualidade, porque o código tributário a incentiva, ou a lei de conteúdo nacional a obriga. Esquecemos que o papel de uma fábrica é o seu produto, não seus insumos. 

São as mesmas leis de conteúdo nacional que tornam a nossa gasolina mais cara, e que agora vão tornar a TV e os cinemas brasileiros numa grande novela. O cinema brasileiro ganhou mais espaço não por agradar consumidores, mas por fazer teatro no Congresso.  

Na sanha de uma antiga ideia de construir uma indústria nacional – de blusinhas ou de carros populares – por meio da substituição de importações, tomamos a lição de Paul Krugman acima ao revés. Na verdade, substituímos o empreendedorismo pela Aduana como o motor do nosso desenvolvimento.  Enquanto isso, os países latinoamericanos que se abriram para o mundo, especialmente a partir dos anos 1990, como o Chile e a Costa Rica, agora são os mais ricos da região. A abertura comercial não é o único fator e não explica todo o progresso (ou nosso atraso, na falta dela), é claro, mas é sua parte fundamental.  

Elaboração do autor com dados da Penn World Tables (v.10)

Em contrapartida, o Brasil das últimas duas décadas dobrou sua aposta no protecionismo. Nem a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro era tão fechada. nos tornamos mais abertos graças ao embargo americano ao regime, em 2018 – terrível ideia, diga-se de passagem. Copiamos as ideias que levaram a Argentina à bancarrota. Andamos juntos, de mãos dadas e barreiras comerciais erguidas, em um longo tango.