Desafios da Liberdade de Expressão: Leandro Narloch discute Fake News, Censura e Proteção a Minorias
Em entrevista, Narloch compartilha sua visão sobre os desafios enfrentados na defesa da liberdade de expressão no Brasil
Publicado em 5 de julho de 2023 às, 10h24.
O Instituto Millenium entrevistou Leandro Narloch, jornalista e autor pioneiro dos "Guias Politicamente Incorretos" no Brasil. Narloch será um dos palestrantes no 1º Fórum Liberdade e Democracia de Curitiba, no dia 7 de julho, abordando questões fundamentais relacionadas à proteção e promoção da liberdade de expressão em nosso país.
Nesta entrevista, Narloch compartilha sua visão sobre os desafios enfrentados na defesa da liberdade de expressão no Brasil, abordando temas como a relação entre a liberdade de expressão e a violência, o impacto da censura na ascensão de ideologias extremistas, a importância da liberdade de expressão na luta contra a desinformação e as fake news, e o papel dessa liberdade na proteção das minorias.
Lembre-se de garantir seu ingresso para o 1º Fórum Liberdade e Democracia de Curitiba em https://forumcwb.com.br/, para ter a chance de ouvir Leandro Narloch e outros pensadores discutindo os desafios da liberdade para o desenvolvimento do Brasil.
Entrevista
Instituto Millenium: Hoje, muitos atribuem à liberdade de expressão a culpa por casos de violência, como ataques em escolas ou invasões de prédios públicos, tal como ocorrido em 8 de janeiro. Como você encara essa perspectiva?
Leandro Narloch: Primeiramente, é importante destacar que não existem pesquisas confiáveis que mostrem um aumento nos casos de violência em escolas. Tais episódios, frequentemente relacionados a bullying ou a questões de saúde mental, são muitas vezes equivocadamente ligados à liberdade de expressão. O ministro da justiça do Brasil, Flávio Dino, por exemplo, faz essa associação, mas não fornece dados concretos. Mesmo se observarmos um aumento nesses casos, é imprescindível um estudo científico rigoroso para determinar se as redes sociais são, de fato, a causa.
Instituto Millenium: Nota-se uma tendência em culpar fenômenos ou tecnologias emergentes pelo surgimento de novos problemas públicos ou desafios sociais. Como essa tendência se aplica à liberdade de expressão?
Leandro Narloch: Historicamente, tecnologias emergentes são frequentemente responsabilizadas por problemas sociais complexos. Videogames, por exemplo, são habitualmente apontados como fontes de violência. Mas mesmo com a ascensão do uso das redes sociais, a violência tem diminuído no Brasil. Não estou afirmando que todas as interações nas redes sociais são pacíficas, mas devemos ser cautelosos para não instrumentalizar tragédias com fins políticos, reprimindo a liberdade de expressão.
Instituto Millenium: Há uma concepção de que permitir a proliferação de opiniões racistas e radicais pode favorecer a ascensão de ideologias extremistas como o nazismo. Como a liberdade de expressão se insere nesse contexto?
Leandro Narloch: É relevante lembrar que durante a República de Weimar, período de ascensão do nazismo, existiam leis contra o discurso de ódio. Tais leis, ao invés de conterem o discurso de ódio, podem ter potencializado esse tipo de comportamento. Acredito que a liberdade de expressão é a melhor maneira de conter essas opiniões deploráveis, pois a censura apenas os empurra para a clandestinidade.
Instituto Millenium: Quais os benefícios da liberdade de expressão nesses casos?
Leandro Narloch: A liberdade de expressão permite identificar quem são os propagadores de discursos preconceituosos. Podemos considerar a liberdade de expressão como um "radar de idiotas", que possibilita a identificação daqueles que veiculam opiniões preconceituosas. Se censuramos esses discursos, desligamos esse radar e perdemos a oportunidade de debater com essas pessoas e tentar transformar suas opiniões.
Instituto Millenium: Como a liberdade de expressão pode ser empregada para combater a desinformação e as notícias falsas?
Leandro Narloch: O melhor antídoto contra a desinformação é mais informação, não a censura. Recordo-me de ter visto notícias sobre urnas eletrônicas que registravam 100% dos votos para um único candidato. Somente percebi que essa noção estava equivocada quando li uma reportagem aprofundada sobre o tema. Se essa informação tivesse sido censurada, minha crença numa possível fraude poderia ter se intensificado.
Instituto Millenium: Como a verdade é estabelecida numa sociedade?
Leandro Narloch: A verdade numa sociedade surge de maneira descentralizada, por meio do debate público. Não cabe ao Estado decidir o que é certo ou errado. Ninguém conferiu ao Estado, aos burocratas, a tarefa ou o direito de determinar o que é verídico ou falso. Para ilustrar, em 2020, uma reportagem do New York Post sobre a possível origem laboratorial do coronavírus e seu acidental vazamento em Wuhan foi censurada, sendo rotulada como notícia falsa. Hoje, sabemos que essa é uma hipótese plausível e coerente para entender a origem do vírus.
Instituto Millenium: Como a liberdade de expressão e a censura afetam a percepção de verdade e mentira?
Leandro Narloch: Quando alguém se atribui o poder de censurar o que é considerado mentira, essa pessoa precisa acreditar que possui o conhecimento absoluto da verdade e da mentira. No entanto, mesmo a pessoa mais inteligente não possui esse poder. O conhecimento é disperso e descentralizado na sociedade, e a verdade só surge através do amplo debate.
Instituto Millenium: Como podemos combater as fake news e melhorar o ambiente de informação?
Leandro Narloch: Devemos combater as fake news com informações precisas e confiáveis. Isso está ocorrendo atualmente na internet. Muitas das mensagens que recebo no WhatsApp são correções de erros da imprensa, e a imprensa também está de olho nas redes sociais. Essa "guerra" entre jornalistas formais e informais acaba beneficiando ambos os lados e melhora o ambiente de informação.
Instituto Millenium: A liberdade de expressão é frequentemente vista como um direito individual, mas também pode ser entendida como um mecanismo de proteção para as minorias. Você poderia citar exemplos de como essa liberdade foi usada para resistir e denunciar abusos de poder e violações de direitos?
Leandro Narloch: Atualmente, parece haver uma tensão entre a defesa das minorias, como a comunidade LGBTQ+, negros, mulheres, transexuais, e a liberdade de expressão. No entanto, essa tensão é enganosa. As minorias são as que mais precisam da liberdade de expressão. Isso ocorre porque, se você faz parte de uma minoria oprimida que enfrenta a opinião majoritária, é essencial ter o direito de expressar ideias que a maioria pode considerar inaceitáveis.
Podemos observar exemplos históricos disso, como os defensores do fim da escravidão durante o período escravista, que foram censurados. Ou o movimento LGBTQ+ nos anos 70 e o movimento pelos direitos civis liderado por Martin Luther King nos anos 60. Se esses movimentos não tivessem tido liberdade de expressão para expor suas ideias, teriam enfrentado dificuldades ainda maiores para conquistar a opinião pública a seu favor.
Instituto Millenium: Como a liberdade de expressão ajuda a resolver os problemas enfrentados pelas minorias?
Leandro Narloch: As minorias frequentemente enfrentam problemas sociais complexos, cujas causas e soluções não são facilmente compreendidas. A ciência aborda problemas complexos através do ciclo de conjecturas e refutações. Diversas ideias são propostas e seus méritos são avaliados, aprimorando as boas e descartando as ruins. É assim que os problemas sociais complexos são gradualmente resolvidos.
No entanto, atualmente, é politicamente vantajoso apoiar certas ideias, como a noção de racismo estrutural, e socialmente desvantajoso questioná-las. Isso pode levar à interrupção do ciclo científico de conjecturas e refutações, permitindo que ideias prejudiciais ganhem força e orientem políticas públicas que não resolvem os problemas que se propõem a resolver. Aqueles que mais sofrem com isso são as minorias, que enfrentam preconceitos reais e desafios graves.
Portanto, a aparente oposição entre as minorias e a liberdade de expressão é falsa. Na verdade, as minorias são as que mais deveriam defender a liberdade de expressão.
Instituto Millenium: Em que medida a liberdade de expressão pode promover a diversidade e o pluralismo em nossa sociedade? Você poderia nos apontar iniciativas ou projetos que tenham aproveitado essa liberdade para celebrar e difundir as culturas e identidades das minorias, reforçando assim seu papel na proteção desses grupos?
Leandro Narloch: Um dos aspectos mais fascinantes da sociedade atual é a diversidade, seja ela étnica, cultural, de origem, religiosa, ideológica ou de estilos de vida. No entanto, surge uma questão: em uma sociedade diversa, as pessoas também possuem diferentes conjuntos de valores. Portanto, é natural que um grupo se sinta ofendido pelo que outro grupo diz, especialmente quando esses grupos possuem valores divergentes.
Se começarmos a nos ofender com qualquer diferença ou valor que não seja o nosso, corremos o risco de impor uma homogeneidade a toda essa diversidade social. Isso é impraticável, pois a diversidade só pode existir se houver liberdade de expressão, uma vez que essa liberdade está intrinsecamente ligada a ideias de tolerância religiosa, cultural e assim por diante.
No entanto, existe um duplo padrão: uma pessoa de determinada vertente política pode dizer o que quiser e isso muitas vezes é visto como um erro momentâneo ou uma falha. Mas se pessoas de outra vertente expressam opiniões semelhantes, frequentemente são acusadas de espalhar discursos de ódio que devem ser punidos. Isso, em minha opinião, é um reflexo da falta de verdadeira liberdade de expressão, que tolera e aceita a diversidade e o pluralismo.
Instituto Millenium: Muitos argumentam que a existência de fake news e discurso de ódio justifica a regulação e imposição de limites à liberdade de expressão. Diante dessa perspectiva, você acredita ser possível desenvolver uma regulamentação equilibrada da liberdade de expressão, conciliando a preservação da liberdade com outros valores, como a proteção de minorias? Seria possível citar exemplos de países que abordaram essa questão com relativo sucesso e que poderiam ser utilizados como referência?
Leandro Narloch: Ser favorável à liberdade de expressão não significa ser contra qualquer forma de regulamentação do discurso. Por exemplo, em situações em que possa haver danos diretos e imediatos, é razoável impor restrições. Se alguém gritar falsamente "fogo" em um cinema, causando pânico e potencialmente colocando outras pessoas em risco, essa pessoa deve ser responsabilizada. Da mesma forma, se alguém publicar conteúdo difamatório que prejudique a reputação de outra pessoa, há uma responsabilidade legal envolvida. A legislação brasileira é um bom exemplo disso: ela garante a liberdade de expressão, mas também impõe responsabilidades pelas consequências de nossas palavras.
No que diz respeito a ambientes privados, espera-se que sejam estabelecidas regras de conduta e limites para a expressão. Em minha casa, por exemplo, não permito que meus filhos tenham total liberdade de expressão para ofender outras pessoas. Analogamente, as redes sociais têm o direito de estabelecer diretrizes para a postagem de conteúdo. Desde que essas diretrizes sejam transparentes e politicamente neutras, podem servir para mediar as discussões de forma justa.
Para ilustrar isso melhor, imagine uma situação em que uma plataforma de mídia social decida proibir vídeos que incentivam a autoagressão entre adolescentes. Ao fazer isso, a empresa está exercendo seu direito de regular o conteúdo em sua plataforma, mantendo um ambiente seguro para seus usuários sem comprometer a liberdade de expressão.
Os defensores da liberdade de expressão geralmente estabelecem o limite na "ameaça concreta e imediata". Ou seja, uma declaração que sugira um ataque direto e iminente a alguém ou algo pode justificar uma restrição à liberdade de expressão. No entanto, devemos ter cuidado ao ampliar o conceito de censura. Se começarmos a censurar em excesso, corremos o risco de que essa censura seja utilizada não para combater discursos de ódio ou fake news, mas sim para silenciar dissidentes em relação à autoridade. Portanto, é crucial encontrar o equilíbrio adequado entre a proteção das minorias e a manutenção da liberdade de expressão.