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Correios: a entrega atrasada do Estado brasileiro

Entre cabides de emprego e déficits bilionários, os Correios expõem o custo das estatais e oferecem a prova de que até o monopólio pode se tornar prejuízo

Salvador, Bahia, Brazil - August 11, 2023: Facade of the Post Office, written in Portuguese: Correios. On Avenida Tancredo Neves in Salvador, Bahia. (Getty Images)

Salvador, Bahia, Brazil - August 11, 2023: Facade of the Post Office, written in Portuguese: Correios. On Avenida Tancredo Neves in Salvador, Bahia. (Getty Images)

Wesley Reis
Wesley Reis

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Publicado em 11 de novembro de 2025 às 21h36.

Assim como a escuridão é a ausência de luz, a ineficiência na gestão estatal é a consequência natural de um sistema em que os incentivos à eficiência são substituídos por cabides de emprego, pela alocação de recursos em projetos duvidosos e pela captura das estruturas administrativas por interesses político-partidários. Não causa, portanto, surpresa alguma que a principal linha de defesa dos que sustentam a permanência das estatais seja a necessidade de se cumprir a pretensa “função social” que determinada empresa teria para com a sociedade, uma abstração conveniente que ignora tudo o mais que uma empresa deveria, ao fim e ao cabo, gerar por sua própria natureza: lucro.

Um dos casos mais emblemáticos de estatais deficitárias e que volta, com espanto, ao centro do debate público é o dos Correios. As notícias recentes indicam que o governo federal, para evitar um déficit ainda maior no já combalido arcabouço fiscal, tem articulado, com o aval do Tesouro Nacional, um empréstimo de R$ 20 bilhões junto a um consórcio de bancos liderados, como não poderia deixar de ser, pelas sempre solícitas instituições estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. E mesmo contando com as garantias do Tesouro Nacional, ou melhor, do contribuinte nacional, diante do risco de mais uma “pedalada” nas contas públicas, os três maiores bancos privados do país resistem em participar daquilo que se pretende fazer parecer uma boia de salvação para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

Apesar do resultado desastroso que a gestão de uma estatal invariavelmente produz, afinal, o governo é um péssimo empresário, o caso dos Correios revela um grau de deterioração digno de registro. Somente no primeiro semestre deste ano, o rombo nas contas da empresa, que se tornou sinônimo de atraso não apenas tecnológico, mas também operacional, alcançou R$ 4,4 bilhões. Em 2024, o prejuízo já havia sido de R$ 2,6 bilhões. Desde 2022, são doze trimestres consecutivos de resultados negativos. E não se trata aqui de uma startup que precisa queimar caixa no início de suas operações para ganhar tração e mercado, o que seria aceitável e plausível. Falamos de uma empresa que remonta ao período imperial brasileiro e que assumiu sua forma atual por meio do Decreto-Lei nº 509/69, editado durante o governo militar.

Esses números superlativos só foram possíveis graças a uma combinação de fatores, a começar pela natureza monopolista imposta à estatal pela Constituição de 1988, que a define como única autorizada a explorar os serviços de recebimento, transporte e entrega de cartas e cartões-postais. Ao manter essa reserva de mercado, o Estado cria uma estrutura em que a empresa é forçada a financiar um serviço deficitário com operações comerciais em ambiente competitivo. Há, na Câmara dos Deputados, um projeto em tramitação que busca alterar tal obrigação. O Projeto de Lei (PL) 7488/17, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça, propõe alterações na Lei dos Serviços Postais. Essa imposição retrógrada e anacrônica nada gera além de despesas e inibição de concorrência, em uma época em que há amplo acesso a meios digitais de comunicação (a ver sua aprovação).

Outro ponto que explicita a fragilidade estrutural da estatal é o inchaço de pessoal. O aumento constante dos custos com salários, benefícios e demandas judiciais relacionadas a uma folha de cerca de 71 mil empregados tem pressionado as contas da empresa. Entre 2022 e 2024, o gasto com pessoal saltou de pouco mais de R$ 15 bilhões para quase R$ 20 bilhões, um aumento de 30,4%, enquanto a inflação acumulada no mesmo período foi de 16%. Apesar do inchaço e dos resultados negativos, a empresa ainda decidiu realizar um novo concurso público para carteiros no ano passado.

Para além das deficiências inerentes às empresas estatais, uma decisão do próprio governo, seu controlador, exógena à administração dos Correios, também contribuiu para aprofundar a crise. Com a implementação do programa “Remessa Conforme”, o governo passou a cobrar um imposto de importação de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, que até então estavam isentas para pessoas físicas, a chamada “taxa das blusinhas”. Com a medida, a legislação passou a permitir que empresas privadas de transporte realizem o frete de mercadorias internacionais dentro do Brasil, eliminando a obrigatoriedade de entrega pelos Correios. O impacto sobre as receitas foi imediato: empresas privadas, mais ágeis e competitivas, passaram a oferecer serviços de melhor qualidade e menor custo.

E isso tudo sem mencionar os escândalos de corrupção que marcaram a história da empresa, desde o Mensalão, revelado a partir da CPI dos Correios, até as perdas bilionárias do Postalis, fundo de pensão dos funcionários, que foi pressionado a aportar volumosos recursos em projetos duvidosos e malsucedidos por motivações políticas.

O ponto conclusivo deste artigo é evidenciar o desperdício de recursos públicos, provenientes dos pagadores de impostos, utilizados para tentar salvar uma empresa cuja natureza e modelo de negócios estão estruturalmente esgotados. Tanto pela obsolescência de sua atividade principal quanto pela incapacidade de competir com agentes privados muito mais ágeis, tecnológicos e eficientes, a única saída plausível e racional seria a privatização e a reformulação integral dos Correios como empreendimento. Houve, de fato, uma tentativa de privatizá-lo no governo anterior, sob o comando do ministro da Economia, Paulo Guedes, por meio do PL 591/21; no entanto, após a aprovação pela Câmara dos Deputados, o projeto passou a descansar em berço esplêndido no Senado. Em seguida, o atual governo desautorizou a privatização, retirando a empresa da lista de estatais a serem vendidas. Uma lástima, embora não surpreendente.

É evidente que o modelo atual, com suas amarras burocráticas e regulatórias, é insustentável. Quanto mais se posterga uma decisão séria sobre o futuro da empresa, maiores serão os desperdícios e mais depreciado se tornará o ativo da companhia. No fim das contas, não haverá vencedores: nem o governo que a controla, nem seus funcionários. A solução existe, e somente o mercado pode, de fato, salvar aquela empresa que sempre tentou se proteger dele.