Considerações sobre a Reforma Tributária
Este artigo fará uma análise da reforma proposta, tecendo algumas considerações sobre o que foi proposto
Publicado em 10 de agosto de 2021 às, 14h55.
Por Pedro Trippi
Recentemente, o governo propôs uma ampla reforma no imposto de renda (IR) para pessoas físicas (PF) e jurídicas (PJ) no país, promovendo alterações também no IR para investimentos financeiros. Juntamente com a proposta do CBS, um IVA federal, essa é a segunda legislação advinda do Executivo dentro do tema da reforma tributária.
Este artigo fará uma análise da reforma proposta, tecendo algumas considerações sobre o que foi proposto.
Visão Geral do PL 2337/21(versão original)
Reforma no Imposto de Renda na Pessoa Física
1) Atualização da tabela progressiva mensal do IRPF reajustando a faixa de isenção em 31,3% saindo de R$1903,98 para R$2500 (o reajuste das demais faixas está na faixa de 13%). Com a ampliação da isenção, mais 5,6 milhões de declarantes estarão isentos de pagar IR totalizando 16,3 milhões de declarantes isentos de um conjunto de 31 milhões.
2) Focalização do Desconto Simplificado. A proposta é focar a opção da declaração simplificada somente para faixas salariais menores (renda de até 40 mil por ano) buscando estimular o contribuinte a pedir notas fiscais podendo, assim, obter descontos na declaração completa. A declaração simplificada permite dedução padrão de 20% da base de cálculo do IR (até o valor de R$ 16.754,34)
3) É autorizada a atualização com fins tributários do valor dos imóveis adquiridos e declarados no IRPF até 31 de dezembro de 2020 pagando alíquota de 5% sobre a diferença (nas regras atuais, quando o imóvel é registrado na declaração, o registro é feito pelo seu valor original assim permanecendo ao longo dos anos)
4) Distribuição de lucros e dividendos passa a ser tributada com estabelecimento de alíquota de 20%. Para a distribuição efetuada por pequenas e microempresas (MPEs) existe isenção até 20 mil/mês.
Distorções são criadas no modelo atual, como no caso da pejotização, na qual atividades e rendas naturais de pessoa física acabam sendo transformadas em PJ, buscando fugir da maior tributação na PF.
Vale ressaltar também que a isenção da distribuição de lucro foi implementada em 1995, buscando atrair recursos externos para sustentar a âncora cambial do Plano Real. A atual conjuntura econômica, portanto, é bem diferente (a âncora acabou em 1999).
Reforma no Imposto de Renda na Pessoa Jurídica.
1) Nas regras atuais, a alíquota do IRPJ é de 15% com adicional de 10% para lucros acima de 20 mil/mês. A proposta original era reduzir a alíquota do IRPJ de 15% para 10%(12,5% em 2022 chegando a 10% em 2023). O adicional de 10% é mantido.
2) Pagamento em ações. Atualmente, o pagamento de gratificações e da participação nos resultados para os sócios e dirigentes feitos com ações da empresa são deduzidos como despesa operacional. O PL propõe a vedação dessa dedução para sócios e dirigentes com os pagamentos aos empregados continuando dedutíveis.
3) Juros sobre capital próprio. Vedação de possibilidade de deduzir juros sobre capital próprio (instituída em 1996). Essa medida foi estabelecida em outra conjuntura econômica, marcada por inflação e juros elevados. O objetivo era permitir que a empresa pudesse se auto- financiar com recursos dos sócios incentivando estes a não aplicarem esses recursos no mercado financeiro não sendo prejudicados em seu custo de oportunidade. Hoje em dia, cenário macroeconômico é bem diferente (juros mais baixos) além de haver maiores possibilidades de acesso a crédito para a PJ.
O Governo também argumenta que a medida não foi eficaz em capitalizar as empresas e aumentar sua taxa de investimento.
4) Reorganização das empresas. A proposta é estabelecer regras mais claras para regular a reorganização das empresas e tributação do ganho de capital na venda de participações societárias, diminuindo a insegurança jurídica hoje existente (elevado contencioso)
Atualmente, muitas empresas promovem essas reorganizações não por questões de mercado, porém somente para reduzir pagamento de ganho de capital na venda de participações ou aproveitar créditos de modo dobrado.
5) Ganho de Capital Indireto. Na atual legislação, já é permitido, internamente, tributar o ganho de capital indireto. Transações através de empresas intermediárias já são permitidas e tributadas normalmente.
O problema está nas transações que utilizam intermediários (empresas) que estejam no exterior, pois não existe regulação para essa situação no Brasil.
Proposta do governo é estabelecer regulação para quando tais transações passam pelo exterior, buscando coibir abusos e tributar tais operações da mesma forma que é feito internamente.
6) Apuração Trimestral do IRPJ/CSLL. Atualmente, a apuração do IRPJ/CSLL pode ser feita anual ou trimestralmente. Quando é feita anualmente, o pagamento de tributos é feito via estimativas mensais (não se aguarda o resultado de todo o ano). A empresa, portanto, tem de ter caixa para fazer dispêndios mensais por 12 meses. Nesse sentido, a proposta é manter somente a apuração trimestral, com eventual prejuízo podendo ser 100% aproveitado nos três trimestres seguintes.
7) Simplificação. É proposta a aproximação das bases de cálculo do IRPJ/CSLL. Atualmente, por causa dessas diferenças, as empresas têm 2 registros diferentes.
Reforma do IR para Investimentos Financeiros
1) Operações em Bolsa de Valores. Apuração passa a ser trimestral (hoje é mensal). Alíquota incidente sobre os títulos operados em bolsa será de 15% para todos (hoje alíquotas diferem de acordo com o título negociado na bolsa). Possibilidade de compensação de resultados negativos passa a ser feita de modo global (hoje é somente entre operações de mesma alíquota).
2) Ativos de renda fixa (título do tesouro direto, CDB, etc..) Atualmente, a tributação desses ativos é vinculada ao prazo de aplicação (escalonamento). Aplicações com maior prazo pagam alíquotas menores. A proposta é definir alíquota única de 15%, acabando com o escalonamento.
3) Fundos abertos. São mais “populares” com livre entrada e saída do fundo. A tributação (“come-cotas”) ocorre em 2 períodos (maio e novembro). A proposta é manter somente o “come-cotas” de novembro. É estabelecida alíquota neutra de 15% sem escalonamento.
4) Fundos fechados. São fundos mais exclusivos com poucos investidores e muitos recursos aplicados. Uma vez fechado o fundo com ingresso dos cotistas não há mais possibilidade de saída.
Atualmente, existe uma distorção na regra de tributação desses fundos, a qual acaba sendo diferida. Alguns ficam anos sem pagar tributação.
A proposta, em linhas gerais, busca dar o mesmo tratamento dado aos fundos abertos para os fundos fechados. Assim, haverá incidência de alíquota única de 15% e mesmo tratamento dos fundos abertos para “come-cotas”.
É previsto também a tributação do estoque desses fundos (taxa de 15% a partir de abril de 2022, podendo ser de 10% para o investidor que quiser pagar em prazo menor).
5) FII(Fundos de Investimento Imobiliário). Fim da isenção sobre os rendimentos distribuídos à pessoa física a partir de 2022. Nota-se uma distorção nas regras atuais.
O grosso dos valores investidos são, naturalmente, no mercado imobiliário (salas, shoppings, etc..) gerando rendimento, por exemplo, de aluguéis os quais, ao serem egressos do fundo, são isentos (se for rendimento de aluguel pago por pessoa física, incide a tributação regular). A medida, portanto, busca maior isonomia nesse sentido.
A tributação dos demais cotistas cai de 20% para 15%.
Principais mudanças no Relatório
No relatório do deputado Celso Sabino (PSDB), foram promovidas mudanças importantes na legislação original, sendo elas:
1) Vinculação de parte da redução do IRPJ ao comportamento futuro da arrecadação do IR buscando garantir que não haja diminuição nas transferências federais para estados e municípios via FPE e FPM. A redução imediata do IRPJ é de 7,5%, com outras diminuições podendo ocorrer a partir do comportamento da arrecadação do IR (o “mergulho” do IRPJ pode chegar a 12,5% em 2023);
2) Retirada das mudanças em relação aos ativos de renda fixa;
3) No caso dos FIIs, houve a manutenção da isenção sobre os rendimentos distribuídos à pessoa física e a retirada da tributação de 15%;
4) Retirada de quase todas as medidas antielisão/antidiferimento as quais, supostamente, virão em uma outra legislação;
5) Isenção total na distribuição de lucros pelas empresas enquadradas no Simples;
6) Retirada da tributação pelo come cotas sobre os fundos imobiliários ou de investimento em agricultura, desenvolvimento e infraestrutura, e dos fundos exclusivos para estrangeiros;
7) Isenção dos lucros e dividendos recebidos de micro e pequenas empresas (receita bruta até R$4,8 milhões) até R$ 20.000,00/mês, englobando empresas enquadradas no lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado;
8) Tributação de ativos de pessoa física no exterior, incluindo lucros acumulados, em 2022 com alíquota de 6% (opcional). A medida só vale para ativos declarados na Receita e no Banco Central;
9) Incremento da alíquota da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) de 4% para 5,5%, sendo que todos os recursos arrecadados com a CFEM ficarão com os entes subnacionais (no modelo atual, 10% do que é arrecadado fica com a União);
10) É estabelecida alíquota de 5,88% para os lucros e dividendos recebidos por fundos de investimento.
Considerações gerais sobre a proposta
Agora, cabe fazer algumas considerações sobre os principais pontos da reforma.
Primeiramente, em relação ao aumento da faixa de isenção do IRPF, a medida parece bastante eleitoreira. Segundo Marcos Mendes, os 80% mais pobres do Brasil não pagam IR, portanto a medida tem baixo impacto em termos de redistribuição de renda e melhora das condições dos mais vulneráveis.
Segundo, como apontado pelo IBRE, a medida reverte uma tendência que vinha desde 1995, de aumento da base de pagamento do IR via redução do valor real da faixa de isenção (a atual faixa de isenção, por exemplo, é metade da que existia em 1995, segundo cálculos do IBRE). Vale ressaltar também que, no comparativo com as demais economias, o limite de isenção do IRPF já é alto no Brasil.
Outro ponto que tem sido bastante debatido é a tributação de lucros distribuídos. Valem algumas considerações sobre o tema.
A experiência internacional aponta na direção de tributar tanto os lucros retidos na empresa quanto a sua distribuição. Em linhas gerais, a tributação na empresa tende a ser mais baixa (entre 20% e 25%) objetivando incrementar o investimento. Nesse sentido, as alíquotas sobre os dividendos distribuídos tendem a ser bem mais elevadas.
No modelo atual, o Brasil possui elevada tributação (alíquota nominal de 34%) dos lucros gerados na empresa não tributando os lucros distribuídos.
Nesse sentido, o PL vai na direção correta ao diminuir o IRPJ e estabelecer tributação na fonte sobre lucros e dividendos distribuídos (um modo mais eficiente de fazer isso, entretanto, seria integrar a tributação da distribuição de lucros com o IRPF cobrando IR sobre dividendos de acordo com a tabela incrementando, assim, a progressividade do sistema e desestimulando a pejotização).
Vale aqui algumas considerações sobre a calibragem das alíquotas incidentes sobre o IRPJ e sobre os dividendos.
A proposta original estava mal calibrada, pois a redução do IRPJ em apenas 5% era insuficiente para compensar a tributação de 20% nos dividendos. Assim, considerando a CSLL (alíquota mantida em 9%), o adicional de 10% do IRPJ o qual também foi mantido e distribuição total de lucros que excedem R$20 mil mês, a alíquota conjunta na empresa e na distribuição alcançaria 43,2%(29% + 20% de 71%), acima dos 34% atuais. Claramente, a carga tributária sobre as empresas ficaria em um patamar elevado para um país emergente sendo 43,2% valor próximo da carga de países ricos.
Buscando ajustar essa questão, o relator promoveu corte no IRPJ (podendo chegar a 12,5% em 2023). Assim, a alíquota conjunta sobre o lucro que exceder R$ 20 mil mês poderá, em 2023, cair para 37,2%(21,5% + 20% de 78,5%). Considerando somente a queda de 7,5%, a carga sobre as empresas ficaria em 41,2%(26,5% + 20% de 73,5%). A medida vai no norte correto, porém nota-se que o “mergulho do IRPJ” pode levar a maior desoneração de profissionais de alta renda que prestam serviços como PJ, conforme apontado pelo economista Nelson Barbosa em artigo para a Folha. A isenção total da distribuição de lucros, para as empresas que operam no Simples, também pode ter efeito similar.
Aqui vale ressaltar também os incentivos negativos que podem ser gerados pela isenção, para as MPEs, de tributação de lucros distribuídos até o valor de R$ 20 mil/mês, como desincentivo ao crescimento das empresas, estímulo à fragmentação e a pejotização. Essa medida, assim como a isenção na distribuição de lucros para as empresas do Simples, deve ser revista.
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Por fim, é importante destacar algumas medidas que seriam importantes para corrigir distorções no IRPF, porém acabaram ficando de fora da proposta. Uma delas é o estabelecimento de alíquotas mais altas para as faixas superiores de renda aumentando, assim, a progressividade do sistema e a arrecadação. Outro ponto que deveria ter sido abordado pela reforma é a revisão das deduções de saúde e educação, as quais são bastante regressivas (segundo o antigo Ministério da Fazenda, quase 80% das deduções de despesas com educação concentram-se no quintil mais rico e 18% das deduções em saúde beneficiam o 1% mais rico). Segundo o IBRE, em 2022, ambas as deduções vão resultar em perda fiscal de R$25 bilhões.
De modo geral, o PL vai na direção correta, porém, como foi apontado neste artigo, ajustes podem ser feitos de modo a tornar o sistema tributário mais eficiente e justo. Não será fácil, entretanto, achar um equilíbrio entre as preocupações fiscais dos entes subnacionais com a queda do IRPJ, a busca por menor tributação do setor produtivo e a tentativa de buscar maior equidade em nosso sistema tributário.