Economia (Smitt/Getty Images)
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 5 de fevereiro de 2025 às 10h43.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2025 às 13h42.
Claudio D. Shikida
Em A política econômica brasileira no período 2019-2022 (LVM Editora, 2024), Paulo Guedes e Adolfo Sachsida fazem um apanhado geral sobre a política econômica da gestão Guedes durante a administração Bolsonaro. São doze capítulos e um prefácio distribuídos por mais de 270 páginas, trazendo ao leitor fatos e dados sobre aspectos mais ou menos conhecidos da gestão que enfrentou um desafio inédito em metade do período: a pandemia.
Além do interesse histórico - o livro, sem dúvida, é uma referência para disciplinas de Economia Brasileira - há um capítulo final, o 11o, no qual os autores falam sobre como implementar uma agenda econômica liberal no Brasil, considerando-se sua estrutura federativa. São nove regras gerais e oito específicas que merecem um comentário. A seguir, um quadro-resumo das mesmas.
Regras gerais | Regras específicas |
Respeite o passado | Realize o ajuste fiscal via redução de gastos |
Tenha objetivos claros | Faça a reforma administrativa |
Construa consensos | Revise constantemente a qualidade do gasto público |
Proteja o consumidor | Sempre que fiscalmente possível, reduza tributos |
Não despreze as falhas de governo | Sempre que possível, doe imóveis abandonados do governo para famílias ou empresas |
Reduza a burocracia | Evite criar leis que aumentem o custo de produção |
Fortaleça a previsibilidade e a segurança jurídica | Evite criar leis que reduzem a competição entre empresas |
Julgue a política pública por seus resultados, não por suas intenções | Estatais devem ser privatizadas se houver aumento da competição (e da eficiência econômica) |
Copie o que funciona em outros locais | - |
Fonte: Guedes & Sachsida (2024), adaptado pelo autor.
O leitor percebe que, em linhas gerais, a escolha dos autores é por uma agenda de reformas que respeite os mecanismos democráticos (“construa consensos”) e que gere um ambiente de negócios propício à prosperidade econômica. A ênfase na proteção ao consumidor pode parecer óbvia, mas nem sempre é respeitada. Por meio da ação de grupos de interesses específicos (sindicatos e outros lobbies), minorias organizadas frequentemente se sobrepõem ao interesse dos consumidores (que é a ‘maior maioria’ desorganizada de qualquer sociedade), gerando aumentos nos custos de produção e trocas, capturando a burocracia que, ingenuamente (ou não) pensa estar criando regulações que promovem as mesmas produção e trocas, quando, na verdade, está diminuindo a competição entre empresas, favorecendo os grupos.
No lado macroeconômico, os autores se pautam pelas evidências empíricas que mostram que ajustes fiscais menos recessivos são aqueles predominantemente baseados em cortes de gastos e não em aumentos de tributos. Mais controversas, para alguns, inclusive liberais, talvez sejam as propostas de doação de imóveis abandonados e a questão das privatizações. A primeira, porque é preciso pensar em como evitar o favorecimento de grupos e, a segunda, porque privatizações não realizadas podem ter um custo elevado, no longo prazo, para consumidores.
A grande questão talvez seja se é possível - ou mesmo desejável - fazer uma reforma como esta: atacando todos os pontos simultaneamente ou “escolhendo as batalhas”? É um cálculo de custo-benefício que não considera apenas a eficiência econômica ou a questão da temporalidade (curto ou longo prazo?). É preciso considerar o custo-benefício político (“respeitar o passado”, construir consensos).
Mudanças institucionais dependem da liderança política e de uma janela de oportunidade, um tópico que vem ganhando espaço na agenda de pesquisa econômica que considera as instituições (as chamadas “regras do jogo” que guiam a competição política e a econômica) como criadas, mantidas ou destruídas conforme os interesses dos atores políticos eleitos, dos juízes, sindicatos (patronais e de trabalhadores), burocratas e eleitores.
Um laboratório interessante e atual disto - e que obviamente não segue todas as recomendações do quadro-resumo - é o início da nova administração Trump. Sua agenda não é totalmente liberal. O atendimento aos interesses de seu eleitorado parece ser uma tônica de suas ações iniciais, misturando uma preocupação com a quantidade e a qualidade do gasto público e aumento de tarifas para, provavelmente, forçar negociações com alguns parceiros comerciais.
Ainda sobre a administração Trump, vale comentar que há preocupações não estritamente econômicas em sua agenda. Como lembrado por Douglas Irwin em um dos podcasts da Hoover Institution, a China com a qual os EUA negociaram a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) era governada por Deng Xiaoping, cuja orientação política é bastante distinta da adotada por seu sucessor, Xi Jinping. Além disso, sobre a imigração, algo que os brasileiros não conhecem tão bem (nosso país recebe muito menos imigrantes do que os EUA), há problemas com a infiltração de organizações não-democráticas em meio aos imigrantes que realmente buscam novas oportunidades no país. Talvez a imigração seja um tópico que tenha faltado à agenda de Guedes e Sachsida, mas também é fato que não sabemos até que grau as autoridades brasileiras são capazes de monitorar a entrada de criminosos como traficantes ou terroristas no país. Ainda assim, pessoalmente, gostaria de ver maior abertura do país à imigração estrangeira, não apenas como receptor passivo, mas como seu promotor, invertendo a chamada ‘fuga de cérebros’ com incentivos que, efetivamente, funcionem.
Por fim, a proposta dos autores não é a única possível, mas é uma luz no fim do túnel. A academia brasileira que considera os benefícios de uma economia aberta com um governo fiscalmente responsável parece ter se calado nos últimos anos. Um silêncio desnecessário e improdutivo, principalmente quando se pensa em um projeto de longo prazo para o país que seja capaz de atrair aqueles que acreditam no poder transformador da economia de mercado.