Como as oportunidades de emprego são potencializadas pela geometria urbana?
Políticas de transporte impactam a capacidade das pessoas de se deslocarem nas cidade
colunista - Instituto Millenium
Publicado em 24 de junho de 2024 às 14h42.
Última atualização em 19 de julho de 2024 às 12h52.
Por Guilherme Dalcin e Luciana Fonseca
Cidades funcionam melhor quanto maior é a possibilidade de contato entre trabalhadores, empresas e consumidores, argumenta Alain Bertaud em seu livro Ordem Sem Design. Disparados por essa premissa, surgem questionamentos aos quais nos propomos responder: o conceito de "mobilidade urbana eficiente" estaria relacionado com a capacidade da cidade de facilitar a existência desses contatos espaciais? É possível avaliar a eficiência de um sistema de transporte urbano pela facilidade com que os habitantes conseguem acessar boa parte das oportunidades de emprego existentes na cidade?
Conforme o relatório Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras, publicado por pesquisadores do IPEA em 2019, essa abordagem, ao destacar as oportunidades que podem ser acessadas pelas pessoas dada a organização da cidade e seu sistema de transporte, tem relação com o conceito de acessibilidade urbana. Esse conceito ilustra como as políticas de transporte e de desenvolvimento urbano impactam a capacidade das pessoas de se deslocarem nas cidades. A aplicação de tal lógica resultou na análise denominada Acesso a Oportunidades, também desenvolvida pelo IPEA, que mede a quantidade de empregos alcançados, para diferentes cidades brasileiras, dentro de determinadas durações de viagem.
Recentemente, o Instituto Cidades Responsivas publicou uma análise - acessível na em sua página de indicadores urbanos - que contribui com esse conjunto de pesquisas sobre mobilidade e acessibilidade urbana. O estudo calculou o tempo médio necessário em deslocamentos de carro para que a população alcance uma quantidade de empregos equivalente à metade da população economicamente ativa da cidade. A consideração exclusiva das viagens por carro se deve ao aumento de complexidade que seria decorrente de se considerar múltiplos modais, enquanto que o parâmetro da população economicamente ativa foi utilizado para que os resultados se adequassem à demanda por emprego de cada município. Os resultados obtidos estão ilustrados abaixo.
A execução da análise foi estruturada pela elaboração de uma base espacial contendo a localização dos empregos em cada cidade. O desenvolvimento de tal base seguiu os métodos de manipulação de dados propostos por um relatório do IPEA publicado em 2022, de modo que se utilizou os dados de vínculos e geolocalização do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022 - publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - os quais foram complementados pelos dados do Censo Escolar de 2023 e Censo do Ensino Superior de 2022 - ambos elaborados pelo INEP - e pela relação de equipamentos de saúde mais atualizada disponibilizada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
Os dados de localização dos domicílios foram obtidos do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos de 2022, publicado pelo IBGE, enquanto que os tempos dos deslocamentos na cidade foram computados por API da plataforma Mapbox, considerando o tráfego típico do horário das 18h00 de quartas-feiras, de modo a tentar simular o horário de pico do trânsito.
Os resultados obtidos podem ser observados nos mapas abaixo, que mostram a influência da forma urbana no funcionamento das cidades.
Por exemplo, Florianópolis, com cerca de 500 mil habitantes, tem tempo médio de deslocamento maior que Curitiba e Belo Horizonte, ambas cidades com mais de 1,5 milhões de habitantes. A causa é a fragmentação espacial da capital catarinense, cuja área central está afastada dos núcleos urbanos do norte e do leste da cidade, conectada a eles por poucas opções viárias, desenhando uma uma realidade na qual é mais demorado ter acesso aos empregos. Por outro lado, Curitiba e Belo Horizonte, ambas com formas mais radiais, ilustram uma rede mais distribuída, na qual a ligação entre o centro e as áreas periféricas é facilitada, e o tempo de acesso ao trabalho, consequentemente, é reduzido.
Já São Paulo e Rio de Janeiro apresentam tempos médios de deslocamento maiores do que as outras três cidades, devido ao fato de suas maiores extensões territoriais exigirem viagens de carro mais longas entre as diferentes partes das cidades. Mas, comparando as duas cidades, nota-se que, enquanto a capital carioca tem seu Centro deslocado para a direção leste, distante das áreas de seu extremo oeste, São Paulo possui forma relativamente mais radial - similar a Curitiba e Belo Horizonte. Essa diferença de configuração, somada à eficiência do sistema de transporte de ambas as cidades, contribui para explicar os menores tempos médios observados na capital paulista.
A análise ainda pode ser aperfeiçoada para tornar os resultados mais precisos. A inclusão de ofertas de emprego existentes nas cidades vizinhas, por exemplo, irá melhorar a precisão dos valores obtidos. São Paulo, por fazer divisa com municípios de significativa população e oferta de emprego, como Guarulhos (1 3ª cidade mais populosa do Brasil), por certo irá apresentar um incremento significativo Também, ampliando o rigor do estudo, é possível incluir na análise outros modais de transporte, verificando a eficiência específica do transporte público e da rede cicloviária em cada município.
Na etapa em que a análise da pesquisa se encontra , já é possível vislumbrar um demonstrativo de que, além da própria infraestrutura de mobilidade e de transporte, a conexão entre pessoas e empregos depende da configuração da geometria espacial das cidades. Destaca-se a importância de que os instrumentos de planejamento urbano que definem as densidades e usos permitidos nas cidades, absorvam a lógica apresentada para potencializar ações que aproximem o local de moradia aos locais de trabalho. Ao planejarmos o desenvolvimento e o crescimento urbano tendo por base indicadores reais da dinâmica urbana, nos tornamos capazes de melhorar a eficiência dos sistemas de mobilidade. Mais do que isso: melhorar a dinâmica cotidiana da vida das pessoas.
Por Guilherme Dalcin e Luciana Fonseca
Cidades funcionam melhor quanto maior é a possibilidade de contato entre trabalhadores, empresas e consumidores, argumenta Alain Bertaud em seu livro Ordem Sem Design. Disparados por essa premissa, surgem questionamentos aos quais nos propomos responder: o conceito de "mobilidade urbana eficiente" estaria relacionado com a capacidade da cidade de facilitar a existência desses contatos espaciais? É possível avaliar a eficiência de um sistema de transporte urbano pela facilidade com que os habitantes conseguem acessar boa parte das oportunidades de emprego existentes na cidade?
Conforme o relatório Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras, publicado por pesquisadores do IPEA em 2019, essa abordagem, ao destacar as oportunidades que podem ser acessadas pelas pessoas dada a organização da cidade e seu sistema de transporte, tem relação com o conceito de acessibilidade urbana. Esse conceito ilustra como as políticas de transporte e de desenvolvimento urbano impactam a capacidade das pessoas de se deslocarem nas cidades. A aplicação de tal lógica resultou na análise denominada Acesso a Oportunidades, também desenvolvida pelo IPEA, que mede a quantidade de empregos alcançados, para diferentes cidades brasileiras, dentro de determinadas durações de viagem.
Recentemente, o Instituto Cidades Responsivas publicou uma análise - acessível na em sua página de indicadores urbanos - que contribui com esse conjunto de pesquisas sobre mobilidade e acessibilidade urbana. O estudo calculou o tempo médio necessário em deslocamentos de carro para que a população alcance uma quantidade de empregos equivalente à metade da população economicamente ativa da cidade. A consideração exclusiva das viagens por carro se deve ao aumento de complexidade que seria decorrente de se considerar múltiplos modais, enquanto que o parâmetro da população economicamente ativa foi utilizado para que os resultados se adequassem à demanda por emprego de cada município. Os resultados obtidos estão ilustrados abaixo.
A execução da análise foi estruturada pela elaboração de uma base espacial contendo a localização dos empregos em cada cidade. O desenvolvimento de tal base seguiu os métodos de manipulação de dados propostos por um relatório do IPEA publicado em 2022, de modo que se utilizou os dados de vínculos e geolocalização do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022 - publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - os quais foram complementados pelos dados do Censo Escolar de 2023 e Censo do Ensino Superior de 2022 - ambos elaborados pelo INEP - e pela relação de equipamentos de saúde mais atualizada disponibilizada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
Os dados de localização dos domicílios foram obtidos do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos de 2022, publicado pelo IBGE, enquanto que os tempos dos deslocamentos na cidade foram computados por API da plataforma Mapbox, considerando o tráfego típico do horário das 18h00 de quartas-feiras, de modo a tentar simular o horário de pico do trânsito.
Os resultados obtidos podem ser observados nos mapas abaixo, que mostram a influência da forma urbana no funcionamento das cidades.
Por exemplo, Florianópolis, com cerca de 500 mil habitantes, tem tempo médio de deslocamento maior que Curitiba e Belo Horizonte, ambas cidades com mais de 1,5 milhões de habitantes. A causa é a fragmentação espacial da capital catarinense, cuja área central está afastada dos núcleos urbanos do norte e do leste da cidade, conectada a eles por poucas opções viárias, desenhando uma uma realidade na qual é mais demorado ter acesso aos empregos. Por outro lado, Curitiba e Belo Horizonte, ambas com formas mais radiais, ilustram uma rede mais distribuída, na qual a ligação entre o centro e as áreas periféricas é facilitada, e o tempo de acesso ao trabalho, consequentemente, é reduzido.
Já São Paulo e Rio de Janeiro apresentam tempos médios de deslocamento maiores do que as outras três cidades, devido ao fato de suas maiores extensões territoriais exigirem viagens de carro mais longas entre as diferentes partes das cidades. Mas, comparando as duas cidades, nota-se que, enquanto a capital carioca tem seu Centro deslocado para a direção leste, distante das áreas de seu extremo oeste, São Paulo possui forma relativamente mais radial - similar a Curitiba e Belo Horizonte. Essa diferença de configuração, somada à eficiência do sistema de transporte de ambas as cidades, contribui para explicar os menores tempos médios observados na capital paulista.
A análise ainda pode ser aperfeiçoada para tornar os resultados mais precisos. A inclusão de ofertas de emprego existentes nas cidades vizinhas, por exemplo, irá melhorar a precisão dos valores obtidos. São Paulo, por fazer divisa com municípios de significativa população e oferta de emprego, como Guarulhos (1 3ª cidade mais populosa do Brasil), por certo irá apresentar um incremento significativo Também, ampliando o rigor do estudo, é possível incluir na análise outros modais de transporte, verificando a eficiência específica do transporte público e da rede cicloviária em cada município.
Na etapa em que a análise da pesquisa se encontra , já é possível vislumbrar um demonstrativo de que, além da própria infraestrutura de mobilidade e de transporte, a conexão entre pessoas e empregos depende da configuração da geometria espacial das cidades. Destaca-se a importância de que os instrumentos de planejamento urbano que definem as densidades e usos permitidos nas cidades, absorvam a lógica apresentada para potencializar ações que aproximem o local de moradia aos locais de trabalho. Ao planejarmos o desenvolvimento e o crescimento urbano tendo por base indicadores reais da dinâmica urbana, nos tornamos capazes de melhorar a eficiência dos sistemas de mobilidade. Mais do que isso: melhorar a dinâmica cotidiana da vida das pessoas.