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Comércio mundial jogando xadrez... e você com isso?

O tabuleiro global e a Teoria dos Jogos

Acusações de trapaça são frequentes na história do xadrez. (iStock/Getty Images)

Acusações de trapaça são frequentes na história do xadrez. (iStock/Getty Images)

Publicado em 11 de junho de 2025 às 16h12.

A geopolítica é como uma complicada partida de xadrez. Nações movem suas peças, que neste caso se tratam de tarifas, acordos comerciais e sanções, em um tabuleiro onde cada ação reverbera, influenciando as relações bilaterais, o cotidiano de cidadãos e o desempenho de mercados ao redor do mundo. Compreender a lógica por trás dessas movimentações estratégicas é um exercício intelectual que exige bastante discernimento. A Teoria dos Jogos oferece uma lente analítica para decifrar essas interações.

O nome não deve assustar. A Teoria dos Jogos é mais simples do que aparenta. Trata-se de um campo da matemática aplicada que estuda a tomada de decisão em contextos onde o resultado para cada "jogador", seja um indivíduo, uma empresa ou um Estado-nação, depende fundamentalmente das escolhas feitas pelos demais. No comércio internacional, essa interdependência é a regra. A decisão de um país sobre impor uma nova tarifa de importação ou celebrar uma aliança comercial estratégica não é tomada no vácuo; ela considera as prováveis reações de seus parceiros e rivais.

Um conceito clássico que ilustra essa dinâmica é o "Dilema do Prisioneiro". Consideremos que os Estados Unidos e a China estejam numa disputa. Cada um pode escolher cooperar, facilitando o comércio entre eles, ou "trair", criando dificuldades para tentar levar vantagem. Se os dois cooperam, o comércio flui, os produtos ficam mais baratos e os mercados crescem para ambos. Mas, se um deles resolve impor barreiras, pensando em se dar bem sozinho, o outro provavelmente fará o mesmo para não sair perdendo. No fim, os dois podem acabar numa situação ruim, com uma "guerra comercial" que não ajuda ninguém. Esse ponto, onde cada jogador escolhe a melhor estratégia individual, dada a estratégia do outro, mesmo que o resultado agregado não seja o ótimo coletivo, é conhecido como "Equilíbrio de Nash".

É importante saber que o comércio entre países não é, inerentemente, um jogo de soma zero, onde o ganho de um representa a perda do outro. A história econômica demonstra que a cooperação, a especialização produtiva e o respeito a regras claras e mutuamente acordadas são vetores de crescimento e desenvolvimento para todos os envolvidos. O problema é que a desconfiança ou a vontade de levar vantagem no curto prazo muitas vezes faz com que os países ajam por conta própria, como temos visto em algumas disputas recentes.

O cenário contemporâneo: dinâmicas e implicações

No contexto em que vivemos, as tensões geopolíticas, as disputas pela hegemonia tecnológica entre as grandes potências e a instabilidade em certas regiões do globo são manifestações palpáveis dessas interações estratégicas. Sanções econômicas impostas a um país podem ser uma tentativa de induzir mudanças comportamentais, mas seus efeitos colaterais podem incluir o aumento dos preços globais de energia e alimentos. A reconfiguração das cadeias globais de valor, com o movimento de nearshoring (produção em países vizinhos) e friend-shoring (produção em países aliados), reflete a crescente priorização da segurança de suprimentos em detrimento da busca exclusiva pelo menor custo de produção. Essas são, em essência, peças sendo movidas no tabuleiro geoestratégico.

Nesse jogo de informações assimétricas, onde governos buscam antecipar os movimentos alheios, a incerteza torna-se uma variável constante. A Teoria dos Jogos, embora não seja uma ferramenta preditiva infalível, oferece um arcabouço para analisar as motivações e as possíveis trajetórias das ações dos Estados. Ela permite interpretar uma nova tarifa não sob a ótica de uma medida isolada, mas como um possível lance tático em uma negociação mais ampla, ou um acordo regional como o embrião de uma cooperação mais profunda.

Para quem investe, essa forma de pensar pode ser muito útil. Em vez de tomar decisões apressadas a cada nova manchete, é possível analisar como as jogadas dos países podem afetar diferentes áreas da economia. Um acirramento de tensões entre duas potências pode, por exemplo, beneficiar empresas do setor de defesa ou aquelas com maior exposição ao mercado doméstico. Por outro lado, a resolução de um conflito ou a celebração de um acordo comercial relevante pode impulsionar setores ligados ao comércio exterior. É como aquela velha história de não colocar todos os ovos na mesma cesta, ainda mais quando essa cesta está num tabuleiro cheio de jogadores profissionais.

Outra ideia importante é a dos "jogos repetidos". As relações internacionais não são eventos únicos; desdobram-se ao longo do tempo. Isso pode ser bom, porque um país pode pensar duas vezes antes de prejudicar um parceiro comercial importante temendo retaliações futuras. Contudo, também pode perpetuar ciclos de desconfiança e confrontação.

Claro, a Teoria dos Jogos não explica tudo. Ela muitas vezes parte do princípio de que os jogadores são totalmente racionais e só pensam em ganhar o máximo possível, o que não é sempre verdade. Fatores emocionais, ideológicos e erros de cálculo também fazem parte do jogo. A realidade é invariavelmente mais multifacetada do que qualquer modelo teórico consegue prever.

Da observação à ação consciente

No final das contas, entender um pouco da lógica do "jogo das nações" não nos faz adivinhos, mas nos torna observadores mais qualificados e críticos. Num mundo onde as decisões de poucos podem ter vastas implicações para muitos, desde o preço do pãozinho até a rentabilidade de investimentos, essa clareza de análise é um ativo valioso. Permite transitar da posição de mero espectador para a de um cidadão ou investidor mais consciente, mais bem preparado para interpretar os complexos movimentos da economia e da geopolítica global.

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