PEC de bônus a juízes vai custar R$ 2 bilhões (Oxford/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 24 de abril de 2025 às 22h54.
Muito se enaltece a Constituição e a atuação do Poder Judiciário como uma espécie de ápice do ideal civilizatório. Contudo, tantas vezes já se viu que uma Constituição extensiva e excessivamente principiológica, aliada a um Poder Judiciário ativista, não significam muita coisa, na verdade podem representar inclusive um golpe ao Estado de Direito.
O Terceiro Reich manteve uma complexa estrutura jurídica, dotada de códigos, juízes e tribunais. Os nazistas chegaram ao poder por meios em grande parte legais, e Carl Schmitt — o mais notório dos juristas alemães, ofereceu a base teórica para que os tribunais se sentissem legitimados a suspender as liberdades em nome de uma ideia mística de unidade do povo e da autoridade do Führer.
Os tribunais soviéticos nunca deixaram de celebrar seus rituais formais: julgamentos encenados, confissões extraídas sob tortura, sentenças proferidas em nome da “justiça popular”, pantomimas legais em que aplicavam a lei de acordo com os grandes objetivos do sistema.
Tudo feito dentro da ordem, em nome da ordem e visando a ordem.
O itinerário é sempre o mesmo: concentrar-se na ideia de exceção, construir a convicção geral de que o momento presente é excepcional e que exige uma atuação dura e exemplar das Cortes, que justifica inclusive e, sobretudo, a elasticidade e a arbitrariedade das interpretações da lei.
Ora: não é a existência de um sistema jurídico que assegura a liberdade e o Estado de Direito, mas a forma como esse sistema concebe a autoridade.
Frases como “se o juiz decidiu, está decidido” ou, “decisão não se discute, se cumpre” resultam da fantasia de que se há Judiciário, há justiça, legalidade e respeito ao Estado de Direito. Nada mais falso.
Mesmo que devam ser cumpridas as decisões, o cidadão tem todo o direito de discuti-las sob o ponto de vista de sua legitimidade e conformidade ao que estabelece a lei.
A experiência americana, a mais longeva democracia constitucional do Ocidente, não por acaso se ancora na tripartição dos poderes, no governo limitado pela lei, e no respeito e aplicação do texto constitucional tal como concebido por seus fundadores.
E, como séculos depois enfatizou Antonin Scalia, um dos Justices da Suprema Corte: “A Constituição é uma lei — e não um texto vago à espera de um intérprete iluminado.”
A previsibilidade do direito não é um detalhe técnico, mas seu fundamento. As leis são o que está escrito, não o que os juízes acham que está escrito ou o que deveria estar escrito.
Um regime claramente autoritário, porém, com regras bem definidas, acaba sendo menos opressor do que aquele em que tudo depende da interpretação deliberada e casuística dos juízes. Ao menos o indivíduo sabe, no primeiro cenário, com o que está lidando.
O atual e disseminado ativismo judicial, que transforma o juiz em legislador moral, dotado de um mandato implícito para, acima dos demais poderes, recivilizar e reordenar a sociedade, definir políticas públicas, redesenhar instituições e reordenar relações sociais, vem a ser a mais absoluta corrupção dos valores e concepções que fizeram a força e a longevidade das democracias liberais, especialmente a Americana.
Os liberais sabem há muito: o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente e conduz a delírios autorreferências de grandeza e onipotência, nublando a capacidade de dialogar com a realidade.
Sergio Lewin
Advogado e fundador da Lexum