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Choquei, regulei: como o Brasil faz leis

Tragédias não são razão para regulações mal construídas

Não faltam leis no Brasil (Arquivo pessoal/Divulgação)
Instituto Millenium

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Publicado em 28 de dezembro de 2023 às 14h57.

Por Geanluca Lorenzon

No Vale do Silício, coração mundial da tecnologia e inovação, toda vez que lemos dos avanços europeus na regulação de inteligência artificial (AI), vem a pergunta: “quando eles vão de fato desenvolver algo em AI ao invés de só regular?”. A União Europeia destruiu seu potencial tecnológico com a introdução há uma década da lei GDPR, a qual copiamos e colamos em nosso ordenamento, chamando-a de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Hoje, a Europa é terceira classe no cenário tecnológico mundial, tendo um setor que somado é menor que uma big tech americana, cedendo espaço pro avanço chinês, e vendo uma redução projetada de 45% de investimentos em pleno 2023, conforme informa a CNBC. É esse o exemplo que queremos seguir para inteligência artificial?

Aparentemente sim. Comissão de notáveis junto ao Senado redigiu o anteprojeto que confessadamente se inspira no modelo europeu, prorrogando nossa colonização jurídica e nosso complexo de fazermos leis com custos europeus, para empreendedores de renda africana a serem interpretadas por um judiciário venezuelano. Pior, o presidente da comissão admite que a Lei pode causar a explosão do número de ações judiciais, enriquecendo a classe advocatícia e aumentando o custo Brasil, mas que isso seria “ o preço a pagar ”. Por quem?

E agora nos deparamos com outro clássico problema legislativo brasileiro: usarmos tragédias para empurrar leis ruins que causam mais danos que benefícios. A trágica morte de uma jovem, que tirou sua própria vida após montagens falsas divulgadas pelo perfil de fofocas “Choquei”, já está sendo usada para que legisladores - em busca dos holofotes - aprovem um projeto pior do que a LGPD e o anteprojeto de AI juntos: o PL das Fake News.

A proposição puxada por influencers e congressistas de esquerda, escrita sem análise de impacto ou qualquer critério reconhecido de avaliação de política pública, permite ao executivo (leia-se “ao partido que estiver no Planalto”) criar um órgão de supervisão das redes, institui o ostracismo digital (censura prévia contra um indivíduo), obriga as plataformas a policiar seus usuários, e fecha o mercado nacional para evitar competição externa em publicidade. Concentração de poder, ostracismo, policiamento e proteção à indústria nacional: quando lemos o projeto pela primeira vez no departamento de concorrência, foi impossível distinguir os mecanismos desse texto daqueles da ditadura militar para “tornar o Brasil uma potência”. Faltou pouco para o projeto não incluir a criação de uma estatal chamada Instabrás.

Tive a oportunidade de trabalhar seis meses em 2013 na 1ª Vara Criminal de Santa Maria durante o processo criminal da Boate Kiss, ajudando na tabulação de fotos, vídeos e relatos aos autos. O judiciário não conseguiu resolver o imbróglio até hoje, mas o Congresso não perdeu tempo: aprovou a “Lei da Boate Kiss” cuja única inovação jurídica foi dar a vereadores o poder de impor regras piores e conflitantes com o Corpo de Bombeiros. Só conseguimos atacar a causa-raiz da tragédia, a incapacidade do poder público de focar em situações de risco por excesso de burocracia sobre coisas inócuas, com a Lei de Liberdade Econômica em 2019.

Não há segredo: pesquisar referências mundiais, olhar a realidade local, calcular custo-benefício, e - principalmente - escutar excessivamente os envolvidos, é o único caminho para construirmos leis decentes e darmos ao país a estrutura jurídica que nos retirará do ciclo de subdesenvolvimento. Usar tragédias como mote, dar a governos polarizantes o poder de fiscalizar adversários, e adicionar processos para o judiciário mais ocupado do mundo não é a solução. É a derrota.

O discurso falso, a mentira, a distorção, nunca deixarão de existir. Políticos não começaram a mentir em 2020. Ao invés de copiarmos a China com métodos de censura, controle e submissão, deveríamos aprender com a Finlândia, e ensinarmos nossos cidadãos que é dever de cada um de nós ser cético no ‘zap’, selecionar fontes íntegras, e não confiar cegamente no que se lê na internet. O brasileiro não é um ser humano inferior que precisa de iluminados lhe dizendo o que pode ou não ler.

O Brasil parece esquecer que temos um Código Penal com tipificações o suficientes para lidar com esse caso, muito porque o Ministério Público tem falhado em mostrar a força da lei tanto para Chico quanto para Francisco. Se já em vigor, o PL das Fake News nada proveria para o caso, mas serviria para mascarar a culpa de influencers que estão dispostos a qualquer coisa por fama e poder, impondo regulações que até permitiriam às redes sociais “lavarem as mãos”.

Não falta leis no Brasil. De acordo com dados do Fórum Econômico Mundial, o Brasil tem a maior carga regulatória do mundo. Se regulação resolvesse alguma coisa no Brasil, nosso país seria o paraíso. Nossa realidade parece com o paraíso para você? Menos China. Mais Finlândia.

*Geanluca Lorenzon é Person of the Year Fellow da Câmara Brasil-Estados Unidos para a Universidade de Stanford (EUA) e foi Secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Economia (2019-2022)

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Por Geanluca Lorenzon

No Vale do Silício, coração mundial da tecnologia e inovação, toda vez que lemos dos avanços europeus na regulação de inteligência artificial (AI), vem a pergunta: “quando eles vão de fato desenvolver algo em AI ao invés de só regular?”. A União Europeia destruiu seu potencial tecnológico com a introdução há uma década da lei GDPR, a qual copiamos e colamos em nosso ordenamento, chamando-a de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Hoje, a Europa é terceira classe no cenário tecnológico mundial, tendo um setor que somado é menor que uma big tech americana, cedendo espaço pro avanço chinês, e vendo uma redução projetada de 45% de investimentos em pleno 2023, conforme informa a CNBC. É esse o exemplo que queremos seguir para inteligência artificial?

Aparentemente sim. Comissão de notáveis junto ao Senado redigiu o anteprojeto que confessadamente se inspira no modelo europeu, prorrogando nossa colonização jurídica e nosso complexo de fazermos leis com custos europeus, para empreendedores de renda africana a serem interpretadas por um judiciário venezuelano. Pior, o presidente da comissão admite que a Lei pode causar a explosão do número de ações judiciais, enriquecendo a classe advocatícia e aumentando o custo Brasil, mas que isso seria “ o preço a pagar ”. Por quem?

E agora nos deparamos com outro clássico problema legislativo brasileiro: usarmos tragédias para empurrar leis ruins que causam mais danos que benefícios. A trágica morte de uma jovem, que tirou sua própria vida após montagens falsas divulgadas pelo perfil de fofocas “Choquei”, já está sendo usada para que legisladores - em busca dos holofotes - aprovem um projeto pior do que a LGPD e o anteprojeto de AI juntos: o PL das Fake News.

A proposição puxada por influencers e congressistas de esquerda, escrita sem análise de impacto ou qualquer critério reconhecido de avaliação de política pública, permite ao executivo (leia-se “ao partido que estiver no Planalto”) criar um órgão de supervisão das redes, institui o ostracismo digital (censura prévia contra um indivíduo), obriga as plataformas a policiar seus usuários, e fecha o mercado nacional para evitar competição externa em publicidade. Concentração de poder, ostracismo, policiamento e proteção à indústria nacional: quando lemos o projeto pela primeira vez no departamento de concorrência, foi impossível distinguir os mecanismos desse texto daqueles da ditadura militar para “tornar o Brasil uma potência”. Faltou pouco para o projeto não incluir a criação de uma estatal chamada Instabrás.

Tive a oportunidade de trabalhar seis meses em 2013 na 1ª Vara Criminal de Santa Maria durante o processo criminal da Boate Kiss, ajudando na tabulação de fotos, vídeos e relatos aos autos. O judiciário não conseguiu resolver o imbróglio até hoje, mas o Congresso não perdeu tempo: aprovou a “Lei da Boate Kiss” cuja única inovação jurídica foi dar a vereadores o poder de impor regras piores e conflitantes com o Corpo de Bombeiros. Só conseguimos atacar a causa-raiz da tragédia, a incapacidade do poder público de focar em situações de risco por excesso de burocracia sobre coisas inócuas, com a Lei de Liberdade Econômica em 2019.

Não há segredo: pesquisar referências mundiais, olhar a realidade local, calcular custo-benefício, e - principalmente - escutar excessivamente os envolvidos, é o único caminho para construirmos leis decentes e darmos ao país a estrutura jurídica que nos retirará do ciclo de subdesenvolvimento. Usar tragédias como mote, dar a governos polarizantes o poder de fiscalizar adversários, e adicionar processos para o judiciário mais ocupado do mundo não é a solução. É a derrota.

O discurso falso, a mentira, a distorção, nunca deixarão de existir. Políticos não começaram a mentir em 2020. Ao invés de copiarmos a China com métodos de censura, controle e submissão, deveríamos aprender com a Finlândia, e ensinarmos nossos cidadãos que é dever de cada um de nós ser cético no ‘zap’, selecionar fontes íntegras, e não confiar cegamente no que se lê na internet. O brasileiro não é um ser humano inferior que precisa de iluminados lhe dizendo o que pode ou não ler.

O Brasil parece esquecer que temos um Código Penal com tipificações o suficientes para lidar com esse caso, muito porque o Ministério Público tem falhado em mostrar a força da lei tanto para Chico quanto para Francisco. Se já em vigor, o PL das Fake News nada proveria para o caso, mas serviria para mascarar a culpa de influencers que estão dispostos a qualquer coisa por fama e poder, impondo regulações que até permitiriam às redes sociais “lavarem as mãos”.

Não falta leis no Brasil. De acordo com dados do Fórum Econômico Mundial, o Brasil tem a maior carga regulatória do mundo. Se regulação resolvesse alguma coisa no Brasil, nosso país seria o paraíso. Nossa realidade parece com o paraíso para você? Menos China. Mais Finlândia.

*Geanluca Lorenzon é Person of the Year Fellow da Câmara Brasil-Estados Unidos para a Universidade de Stanford (EUA) e foi Secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Economia (2019-2022)

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