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Censura a redes sempre termina em censura à imprensa 

Não existe, na cabeça dos juízes, um muro separando redes sociais e imprensa

 (PUGUN SJ/iStockphoto)
(PUGUN SJ/iStockphoto)

Toda censura a redes sociais acaba no colo da imprensa. Seja por falta de entendimento técnico ou por praticidade, o Judiciário não vê diferença entre uma coisa e outra. Não existe na cabeça dos juízes um muro separando redes sociais e imprensa.  

Mesmo assim, todo santo dia, vemos jornalistas pedindo mais e mais restrições e controle das redes, ignorando que se sentarão na redação ao lado da censura que desejam ao próximo. 

Trago alguns exemplos práticos: o Supremo Tribunal Federal fixou, nos últimos meses, tese afirmando que donos de jornais deveriam ser responsabilizados por declarações ilícitas de seus entrevistados. Houve barulho, indignação do setor. Mas poucos notaram que o movimento das peças de xadrez da Corte foi gestado nas redes. A ideia recorrente de que donos de plataformas deveriam ser responsabilizados por conteúdo de usuário foi o mote para conteúdo de entrevistado responsabilizar dono de jornal.  

Eu alertei para o perigo que se avizinhava. E o fiz por tanto tempo, que me foi possível escrever um artigo chamado “Imprensa e redes sociais não podem ser juridicamente equiparadas”, publicá-lo na obra “Liberdade de expressão e Direito à Informação”, coordenada por Odete Bertasi e prefaciada pela ministra Eliana Calmon, lançar o livro, demonstrar em diversas oportunidades que a imprensa também seria  atingida, e assistir ao jornalismo ser pego de calças curtas com a decisão do STF.  

Mas não é só. No conhecido processo judicial em que o Ministério Público Federal acusa a Jovem Pan de desinformação sistêmica e busca cancelar sua outorga, acontece a mesma coisa. Quem promoveu a suposta desinformação de que a emissora é acusada foram seus funcionários, mas a empresa está contra a parede.  

O raciocínio é o mesmo: se aquilo que fazem usuários nas redes deve resultar em punição a donos de plataformas, aquilo que declaram entrevistados em jornais deve resultar em punição a donos de veículos de comunicação. Por fim, eventual desinformação propagada na emissora deve resultar em punição à empresa.  

Recentemente, em meio à tragédia que assola o Rio Grande, o governo decidiu investigar com agressividade perfis de redes sociais que supostamente desinformavam a respeito da tragédia. O SBT, em uma de suas reportagens, mostrou que o governo estava errado, expondo que os perfis relataram informações, no máximo, com algum grau de imprecisão. Conclusão: a emissora foi acusada pelos próprios colegas jornalistas de propagar desinformação e fake news. Houve um jornalista que, em suas redes, chegou a pedir que a emissora fosse banida e a repórter, presa.  

O banimento de perfis e a prisão de usuários, algo que se tornou comum no universo das redes, sem dúvida alguma, é a próxima arapuca armada contra a imprensa. Logo teremos emissoras fechadas e profissionais de imprensa presos. O pior é notar que quase sempre são os próprios jornalistas, em nome de uma fantasiosa higienização do debate público, que pedem para as redes as medidas agressivas com que adiante serão atingidos. Costumo dizer que censura é um bumerangue; volta sempre na testa de quem jogou.  

A fúria contra as redes, além de atingir em cheio a imprensa, também serve como um balão de ensaio a governos autoritários, e como um termômetro de que nossa visão geral sobre liberdade de expressão vem se tornando cada vez mais precária com o passar do tempo, no país como um todo, fora e dentro das redes.