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Carta aberta aos consumidores brasileiros

Se a reforma que foi aprovada não é a mais perfeita, ela segue inabalável em seu princípio mais importante: a transparência

 (Rmcarvalho/Getty Images)
(Rmcarvalho/Getty Images)

Eu sei, você não entendeu ainda se é para ficar feliz ou triste com a reforma tributária. Não entendeu o rebuliço em torno da histórica promulgação da Emenda Constitucional nº 132 de 2023. Recebeu no celular pelo menos uma meia dúzia de vídeos confusos, com gente confusa, falando termos confusos e terminou todos eles mais confuso do que estava quando ainda não tinha visto vídeo nenhum. Eu sei. E foi por isso que resolvi escrever essa carta. Eu queria te explicar por que eu estou feliz.  

A reforma tributária é perfeita? Não. E eu nem esperava que fosse. Na realidade, eu não esperava nada. Atire a primeira pedra o especialista tributário que nunca desanimou em meio a qualquer discussão sobre uma reforma tributária neste país nos últimos anos. Eu joguei a toalha incontáveis vezes: “o Brasil é isso aí mesmo”, “esse país não vai mudar”, “ninguém quer melhorar isso aqui”. Acredite em mim: todos os defeitos somados do atual texto não chegam perto do menor dos defeitos do sistema atual. Provavelmente você não faça nem ideia do que é PIS e COFINS (e eu recomendo que continue assim). Mas saiba que toda insegurança jurídica que cerca esta dupla aumenta o preço de (quase) tudo que você consome. 

A transição será fácil e tranquila? Duvido. Será rápida? Afirmo que não. Até o sistema ser implementado completamente serão 10 longos anos de transição. Para quem imagina que trocou de moeda “do dia pra noite”, eu sei que este tempo parece ser uma eternidade. Inclusive uma eternidade suficiente para despertar os maiores temores legítimos do brasileiro: o “vão estragar isso daí”.  Alie-se a isso o cenário de total polarização e poucas horas após a promulgação da emenda constitucional já nos deparamos com a primeira fake news, uma suposta bitributação criada pela reforma. 

Uma alteração (ruim) no texto final retirou a previsão de que os novos IBS e CBS não integrariam a base de cálculo do IPI, ISS e ICMS. Pronto. A narrativa de que a reforma havia criado uma bitributação tomou conta das redes sociais, impulsionada principalmente por (surpresa!) grupos contrários à reforma. Lógico que nenhum deles esclareceu que o problema está (surpresa!) nas péssimas regras de base de cálculo dos tributos que serão substituídos na reforma. Se não há pânico, não há like. O que eles bradam como defeito da reforma, nada mais é do que o motivo escancarado pelo qual a apoiamos. 

Simples também é a explicação para a quantidade de normas complementares, alardeada por muitos como excessiva. Talvez estas mentes tenham uma maneira própria de enxergar a constituição federal, vislumbrando-a como um anexo ao regulamento de tributação para o consumo. Não, não é assim que funciona. Sim, teremos um longo – porém necessário - caminho a ser trilhado. E não podemos errar. 

Por fim, o nada bom e bastante velho argumento de que “teremos o maior IVA do mundo”. Bom, aparentemente o tempo verbal da expressão não está muito adequado. Basta perguntar a quem lança este argumento: “qual a alíquota pagamos hoje?”. Eu não sei. Ninguém sabe. Mas aparentemente algumas pessoas preferem estar numa cabine à prova de som, desconhecendo suas opções, respondendo alegremente que sim, aceitam trocar um carro novo por um saco de batatas. As definições de apreço à ignorância foram atualizadas com sucesso.  

Se a reforma que foi aprovada não é a mais perfeita, ela segue inabalável em seu princípio mais importante: a transparência. A ideia de que saberemos (enfim!) quanto pagamos em tributos sobre cada produto que consumimos devolve a cidadania que nos foi tirada entre “cálculos por dentro” e “regimes especiais”. O sistema atual nos mantém reféns utilizando a arte da confusão. 

E se atualmente nós somos reféns, não poderiam faltar aqueles com a chamada síndrome de Estocolmo. O forte laço emocional de alguns com diferencial de alíquota só poderia ser explicado dessa forma.  

O dia 20 de dezembro entrará para a história como o dia em que deixamos para trás nosso apego ao atraso, às regras confusas somente defendidas por aqueles que se beneficiavam delas, à base de cálculo alterada conforme a necessidade de arrecadação, ao benefício fiscal somente para o amigo do rei, ao aumento de alíquota na calada da noite porque “a população não repara em aumento de ICMS”. O Brasil deu um histórico passo à frente. E só por isso, sobram motivos para celebrar.