Colunista
Publicado em 9 de setembro de 2025 às 13h46.
Nos tempos da mineração de carvão, era comum levar pequenos canários para dentro dos túneis. Se os pássaros começassem a morrer, era sinal de gases tóxicos invisíveis no ar. Hoje, o mercado de trabalho global parece viver algo semelhante: os primeiros sinais do impacto da Inteligência Artificial (IA) ainda não aparecem em toda a economia, mas já são visíveis em grupos específicos — principalmente jovens profissionais em início de carreira, em funções mais suscetíveis à automação.
Um estudo de economistas de Stanford revelou que, desde a popularização do ChatGPT, trabalhadores de 22 a 25 anos em áreas impactadas pela IA — como desenvolvedores de software, assistentes jurídicos e operadores de atendimento ao cliente — sofreram uma redução de 13% no número de empregos. Em contraste, trabalhadores mais experientes e funções menos expostas, como cuidadores de saúde, mantiveram ou ampliaram vagas. Esses resultados sugerem que, enquanto o mercado de trabalho americano permanece robusto, jovens em determinadas áreas funcionam como “canários” que sinalizam transformações profundas.
Outro estudo, conduzido por economistas de Harvard, reforça essa conclusão. Com dados de 62 milhões de trabalhadores entre 2015 e 2025, os pesquisadores identificaram que, a partir de 2023, o emprego em cargos de entrada caiu drasticamente em empresas que adotaram IA, enquanto o emprego de funcionários mais seniores continuou a crescer. Essa queda ocorreu principalmente por desaceleração na contratação, e não por aumento de demissões. No geral, os resultados indicam que a adoção de IA favorece trabalhadores mais experientes.
O debate sobre os impactos da IA é acalorado. Enquanto alguns analistas veem esses dados como evidência de que a IA começa a corroer as portas de entrada do mercado de trabalho, outros são mais céticos. Estes alertam que os efeitos negativos da IA sobre jovens podem estar superdimensionados: a IA poderia apenas estar redistribuindo tarefas dentro da empresa, sem necessariamente reduzir empregos. Além disso, é possível que os verdadeiros efeitos da inteligência artificial sejam matizados, já que dentro de uma mesma organização, a IA poderia estar reduzindo vagas em um departamento e aumentando em outro.
Os diferentes pontos de vista sobre os impactos da IA revelam o quanto ela ainda é um fenômeno em curso, de impactos setoriais e temporais desiguais. No entanto, apesar das divergências, todos concordam em um ponto: profissionais jovens, especialmente aqueles que executam tarefas automatizáveis e repetitivas, são os mais vulneráveis. No Brasil, essa vulnerabilidade tende a ser ainda maior por pelo menos dois motivos.
O primeiro desafio está na fragilidade do sistema educacional brasileiro. Um levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) realizado em 2023 mostrou que apenas 30% da população possui competências digitais básicas (como enviar e-mails com anexos) e apenas 18% alcançam o nível intermediário (que inclui o uso de planilhas ou a criação de apresentações). Esses números evidenciam que, à medida que as ferramentas de IA se tornam mais sofisticadas, jovens recém-formados com preparo insuficiente enfrentarão uma concorrência ainda mais intensa no mercado de trabalho, disputando espaço não apenas com colegas mais qualificados, mas também com sistemas inteligentes capazes de executar parte das suas funções.
O segundo fator que acentua a vulnerabilidade de jovens brasileiros no mercado de trabalho é o Custo Brasil. A legislação trabalhista, embora tenha evoluído na última década, ainda torna extremamente caro e arriscado para o empregador contratar e, sobretudo, demitir. A insegurança jurídica é permanente: uma dispensa pode se transformar em processo judicial e gerar custos adicionais imprevisíveis. Na prática, isso faz com que muitas empresas pensem duas vezes antes de abrir vagas formais. Em um cenário de rápida difusão da IA, essa equação se torna ainda mais desfavorável: diante da dúvida entre arriscar uma contratação que pode resultar em passivos trabalhistas ou investir em automação, muitos empregadores podem optar pela segunda alternativa.
Apesar do cenário desafiador, há luz no fim do túnel. Empresas no Brasil e no mundo cada vez mais enfrentam a escassez de profissionais que dominem ferramentas de IA. demanda indica que talvez não seja a juventude em si que está em risco, mas simplesmente a falta de fluência digital de profissionais em geral. Nesse sentido, iniciativas divulgadas recentemente pela própria criadora do chaGPT – como, por exemplo, plataformas de certificação em IA e parcerias com empresas e governos para treinar trabalhadores em massa – apontam uma direção possível para endereçar essa lacuna.
A IA ainda não desencadeou desemprego generalizado, mas estudos já mostram impactos claros em ocupações e grupos específicos. Ignorar esses sinais pode ser um erro: sem políticas de capacitação e integração tecnológica, jovens profissionais estarão cada vez mais em risco. A escolha que temos pela frente não é se a IA vai transformar o mercado de trabalho, mas se vamos preparar nossos jovens para liderar essa transformação. Com os incentivos de mercado certos, políticas públicas eficazes e as ferramentas tecnológicas adequadas, nossos jovens podem deixar de ser canários na mina de carvão para se tornarem verdadeiros pioneiros da inovação.