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As oportunidades que uma crise nos traz

O livre comércio permite que os países se especializem naquilo em que são mais eficientes, promovendo riqueza e bem-estar geral

BH como palco: evento injetou mais de R$ 60 milhões na economia de BH durante o período.

BH como palco: evento injetou mais de R$ 60 milhões na economia de BH durante o período.

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 6 de agosto de 2025 às 20h43.

Por Wesley Reis

 

É comumente dito que a palavra “crise”, em chinês, é composta por dois caracteres (危機), que significariam, respectivamente, “perigo” e “oportunidade”. Não sendo versado na língua oriental, não posso atestar com precisão a veracidade dessa interpretação, embora ela seja amplamente difundida. Ainda que imprecisa do ponto de vista linguístico, a ideia carrega um valor simbólico poderoso: mesmo diante das adversidades, é possível identificar caminhos para a evolução.

E é justamente no momento em que uma nova crise parece bater à nossa porta que se apresenta uma oportunidade de retomarmos uma pauta há muito negligenciada e mais do que necessária: a abertura da economia brasileira.

As tarifas impostas pelo presidente norte-americano Donald Trump, que ficaram conhecidas no debate público como “Tarifaço”, independentemente de suas justificativas, lançam luz sobre uma questão mais profunda: por que a economia brasileira permanece tão fechada, desconectada das cadeias globais de valor e resistente ao acesso a produtos e tecnologias estrangeiras?

Das origens protecionistas

De fato, o Brasil figura entre as economias mais fechadas do mundo. As raízes desse isolamento remontam à própria formação do Estado nacional. Durante o período colonial, vigorava o Pacto Colonial, que impunha à colônia brasileira a obrigatoriedade de comercializar exclusivamente com a metrópole portuguesa. Com o tempo, esse padrão restritivo evoluiu para uma ferramenta recorrente de política econômica e industrial.

A política de substituição de importações, iniciada por Getúlio Vargas e aprofundada nos governos de Juscelino Kubitschek e do regime militar, nos legou um arcabouço protecionista robusto: criação de estatais, barreiras tarifárias e não tarifárias, incentivos fiscais, crédito subsidiado e, em muitos casos, a proibição direta de importações em setores considerados estratégicos.

Alguns exemplos emblemáticos ajudam a ilustrar essa trajetória:

• Estatais: a criação da Telebras, em 1972, com o objetivo de controlar e expandir o setor de comunicações, considerado estratégico;

• Barreiras tarifárias: alíquotas de importação superiores a 100% para automóveis nas décadas de 1950 e 1960, com o intuito de proteger a nascente indústria nacional;

• Barreiras não tarifárias: imposição de cotas à importação de máquinas têxteis nos anos 1970, visando resguardar a indústria local da concorrência externa;

• Crédito subsidiado: financiamentos generosos via BNDES entre as décadas de 1960 e 1980 (e retomados nos anos 2000) que, embora tenham viabilizado grandes conglomerados industriais, também geraram distorções e uma alocação ineficiente de capital;

• Incentivos fiscais: como os concedidos à Zona Franca de Manaus, que viabilizaram um polo industrial totalmente isolado das cadeias logísticas e dos mercados consumidores, voltado à produção de eletrônicos, eletrodomésticos e componentes, protegido da concorrência asiática por meio de isenções tributárias;

• Proibições diretas: a Lei da Informática, de 1984, que restringiu a importação de computadores pessoais e softwares estrangeiros com o intuito de incentivar a indústria nacional, mas que acabou gerando um severo atraso tecnológico.

Em síntese, a abertura ao mercado externo era (e por vezes ainda é) percebida como uma ameaça à indústria nacional e à própria soberania, discurso que, aliás, encontra ressonância nos dias atuais.

Avanços e retrocessos

Durante o governo de Fernando Collor (1990-1992), houve uma tentativa de romper com esse modelo. Reduções tarifárias, eliminação de proibições e o desmonte de reservas de mercado (como no setor de informática) marcaram a agenda de abertura comercial. No entanto, resistências políticas, pressões de setores industriais acostumados ao protecionismo e a persistente burocracia aduaneira frearam o avanço das reformas.

A partir dos anos 2000, o Estado brasileiro retomou com intensidade o uso do protecionismo como instrumento de política industrial seletiva. A imposição de conteúdo local em diversos setores, o aumento expressivo dos financiamentos subsidiados via BNDES e a proliferação de barreiras técnicas e burocráticas (como licenciamento complexo e medidas antidumping) reduziram significativamente a integração do país ao comércio internacional.

O resultado? A participação das importações de bens e serviços no PIB brasileiro é de apenas 18,6%, abaixo tanto da média da América Latina e Caribe (28,0%) quanto da média global (27,9%), segundo dados do Banco Mundial.

Sintomas do atraso

Os indicadores que evidenciam nossa desconexão com o mundo e as dificuldades para realizar e consolidar negócios no país não param por aí. Em dois dos mais respeitados rankings internacionais, que medem a liberdade econômica e a facilidade para se fazer negócios, o Brasil insiste em ocupar posições constrangedoras, reflexo de uma cultura econômica avessa à competição e à abertura comercial.

No Ranking de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, o Brasil aparece atrás de países como Equador, Gana e Dominica. Ocupa a 117ª posição entre 184 nações, com pontuação abaixo das médias mundial e regional no componente de Liberdade Comercial.

Já no extinto Doing Business, do Banco Mundial, que, apesar de encerrado, ainda serve como referência metodológica, o país ocupava a 124ª colocação, com tempo médio para importar significativamente superior ao de países da OCDE, revelando barreiras não tarifárias estruturais à inserção no comércio global. Estamos, nesse ranking, atrás de nações como Senegal, Lesoto e Sri Lanka. Aliás, proponho um exercício simples: tente localizar todos esses países no mapa-múndi.

Apesar de partirem de metodologias distintas, todos esses índices convergem para a mesma conclusão: o Brasil é uma economia fechada, excessivamente protecionista e estruturalmente resistente à competição. Esse traço, longe de ser uma mera opção de política econômica, revela um cacoete cultural: a crença persistente de que o isolamento nos protege, quando, na verdade, nos condena à estagnação e à baixa produtividade.

Caminhos para a liberdade

O livre comércio permite que os países se especializem naquilo em que são mais eficientes, promovendo riqueza e bem-estar geral. Essa é uma lição de Adam Smith que, apesar dos séculos, teimamos em não aprender. A abertura comercial promove concorrência, reduz preços e amplia a qualidade dos bens e serviços disponíveis à população.

Não precisamos, porém, recorrer apenas aos clássicos. Hayek já nos ensinava que a ordem espontânea dos mercados se estende também ao comércio internacional e que o livre fluxo de bens reduz o poder dos planejadores centrais e amplia o conhecimento agregado da sociedade.

O Brasil não está desprovido de exemplos bem-sucedidos. Empresas como Embraer e Weg demonstram que é possível competir em escala global mesmo diante de um ambiente doméstico hostil. Mais do que sobreviver, essas companhias prosperaram ao se aperfeiçoarem tecnologicamente e se especializarem em nichos de excelência.

Precisamos, como política de Estado, melhorar nossos indicadores relacionados à abertura de mercado, promover reformas comerciais, regulatórias e institucionais, buscar o aumento da produtividade via educação, sobretudo a técnica, e apostar nos setores nos quais temos vantagens comparativas. Só assim poderemos deixar de temer a concorrência externa, abrir novos mercados e ampliar nossos laços comerciais com o mundo.

A crise do “Tarifaço”, que hoje mobiliza o empresariado, especialmente o exportador, representa uma rara oportunidade para avançarmos com a agenda de reformas e abertura. Seria injusto com o futuro do país desperdiçarmos mais essa chance, como infelizmente temos feito, de forma contínua, desde os tempos do Império.

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