As cotas na UFRJ
O blog “No Race BR” destaca o artigo do cientista político Renato Lessa, publicado em “O Globo” em 07 de setembro, sobre a decisão da UFRJ pela adoção das cotas sociais. Um artigo que contribui para o debate sobre a igualdade perante a lei: Fonte: O Globo, 07/09/2010 Renato Lessa, Cientista Político O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em decisão de há poucos dias, aprovou a […] Leia mais
Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2010 às 14h40.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 11h18.
O blog “No Race BR” destaca o artigo do cientista político Renato Lessa, publicado em “O Globo” em 07 de setembro, sobre a decisão da UFRJ pela adoção das cotas sociais. Um artigo que contribui para o debate sobre a igualdade perante a lei:
Fonte: O Globo, 07/09/2010
Renato Lessa, Cientista PolíticoO Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em decisão de há poucos dias, aprovou a adoção de cotas sociais para a definição de vagas para ingresso de novos estudantes
O critério social contempla estudantes matriculados na rede pública e provenientes de famílias de baixa renda.
Trata-se de uma combinação entre experiência escolar e renda como critérios compensadores de desvantagens presentes na estrutura da sociedade.
A decisão da UFRJ – defendida abertamente pelo reitor Aloísio Teixeira – impõe-se como alternativa à adoção de cotas raciais. Nessa orientação, a UFRJ soma-se à USP no que diz respeito à criação de sistemas alternativos de acesso à vida universitária, que não se rendem ao racialismo em curso.
Pelo desenho adotado pela UFRJ, parte das vagas para ingresso na universidade será atribuída a estudantes pobres e egressos do sistema de ensino secundário público. A política em vigor na USP tem características distintas, porém parte do mesmo fundamento, qual seja o de privilegiar dimensões sociais e não marcas “étnicas” ou “raciais”.
O Inclusp – sigla que designa o programa da USP – confere a alunos provenientes de escolas públicas um acréscimo de 3% na nota do exame de vestibular. O modelo uspiano não considera renda ou “raça”, pois parte da premissa de bom senso que há forte concentração de estudantes pobres e negros no ensino público secundário.
Tanto que as avaliações feitas a respeito do programa reconhecem o aumento no número de negros e índios entre os novos estudantes, a despeito da não consideração desses aspectos na definição da política de inclusão.
O critério adotado pela UFRJ combina de forma engenhosa dois marcadores importantes: origem da escolaridade e renda. Ambos terão como efeito uma vigorosa entrada de estudantes negros e pardos na vida universitária, a despeito da não consideração explícita desse critério. Vejamos: segundo os dados da PNAD de 2007, entre os estudantes pobres do ensino médio, com renda familiar abaixo de 1,5 salário mínimo, cerca de 56% são negros ou pardos, e 44%, brancos. Ignoro qual o corte de renda a ser adotado pela UFRJ, mas é de se imaginar que uma política de inclusão que se oriente por critério de renda terá como efeito a maior inclusão do segmento mais excluído. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à origem da escolaridade. Esmagadora maioria dos estudantes pobres está na rede pública de ensino (92%). Logo, o foco na rede pública beneficiará inequivocamente os estudantes pobres. Se considerarmos variáveis de “raça”, teremos que 95% dos estudantes pobres negros e respectivamente 94% e 86,6% dos seus equivalentes pardos e brancos estão na rede pública. Dada maior presença dos negros e pardos no contingente da pobreza, é imperativo concluir que a maior parte dos estudantes pobres da rede pública é negra e parda. Se a origem escolar na rede pública for considerada, por simples ilação lógica, os estudantes negros, que são a maior parte dos estudantes pobres, serão o principal contingente incluído.
Duas questões mais gerais devem ser consideradas a partir do importante gesto de democratização de acesso produzido pela UFRJ.
Parece ser indisputado o fato de que uma política que inclua pobres – negros e brancos – é dotada de critério de justiça mais robusto e abrangente do que outra que inclua apenas negros, pobres e não pobres. O contingente prioritário pretendido pelo segundo recorte é coberto, com vantagens, pelo primeiro critério, que aos negros pobres acrescenta os brancos pobres. Em nome de que reduzir o alcance da inclusão a definições “raciais”? O vastíssimo contingente da destituição social de pele clara não merece reparações? E este é um ponto fundamental, critérios raciais e critérios sociais não são variantes de um mesmo vetor, voltado para generosa inclusão dos barrados estruturais da sociedade brasileira. Há uma distinção fundamental. O corte social associado à pobreza designa um contingente móvel: trata-se de aplicar critérios de justiça que impliquem a sua erradicação. Em outros termos, a ideia é a de incluir pobres para que eles deixem sua condição originária. O critério “raça”, ao contrário, é fixo. Trata-se aqui de incluir para reconhecer uma diferença permanente e, por essa via, de reinventar a história do país como constituída por inapelável “luta de raças”.
E você? O que pensa sobre esse assunto?
O blog “No Race BR” destaca o artigo do cientista político Renato Lessa, publicado em “O Globo” em 07 de setembro, sobre a decisão da UFRJ pela adoção das cotas sociais. Um artigo que contribui para o debate sobre a igualdade perante a lei:
Fonte: O Globo, 07/09/2010
Renato Lessa, Cientista PolíticoO Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em decisão de há poucos dias, aprovou a adoção de cotas sociais para a definição de vagas para ingresso de novos estudantes
O critério social contempla estudantes matriculados na rede pública e provenientes de famílias de baixa renda.
Trata-se de uma combinação entre experiência escolar e renda como critérios compensadores de desvantagens presentes na estrutura da sociedade.
A decisão da UFRJ – defendida abertamente pelo reitor Aloísio Teixeira – impõe-se como alternativa à adoção de cotas raciais. Nessa orientação, a UFRJ soma-se à USP no que diz respeito à criação de sistemas alternativos de acesso à vida universitária, que não se rendem ao racialismo em curso.
Pelo desenho adotado pela UFRJ, parte das vagas para ingresso na universidade será atribuída a estudantes pobres e egressos do sistema de ensino secundário público. A política em vigor na USP tem características distintas, porém parte do mesmo fundamento, qual seja o de privilegiar dimensões sociais e não marcas “étnicas” ou “raciais”.
O Inclusp – sigla que designa o programa da USP – confere a alunos provenientes de escolas públicas um acréscimo de 3% na nota do exame de vestibular. O modelo uspiano não considera renda ou “raça”, pois parte da premissa de bom senso que há forte concentração de estudantes pobres e negros no ensino público secundário.
Tanto que as avaliações feitas a respeito do programa reconhecem o aumento no número de negros e índios entre os novos estudantes, a despeito da não consideração desses aspectos na definição da política de inclusão.
O critério adotado pela UFRJ combina de forma engenhosa dois marcadores importantes: origem da escolaridade e renda. Ambos terão como efeito uma vigorosa entrada de estudantes negros e pardos na vida universitária, a despeito da não consideração explícita desse critério. Vejamos: segundo os dados da PNAD de 2007, entre os estudantes pobres do ensino médio, com renda familiar abaixo de 1,5 salário mínimo, cerca de 56% são negros ou pardos, e 44%, brancos. Ignoro qual o corte de renda a ser adotado pela UFRJ, mas é de se imaginar que uma política de inclusão que se oriente por critério de renda terá como efeito a maior inclusão do segmento mais excluído. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à origem da escolaridade. Esmagadora maioria dos estudantes pobres está na rede pública de ensino (92%). Logo, o foco na rede pública beneficiará inequivocamente os estudantes pobres. Se considerarmos variáveis de “raça”, teremos que 95% dos estudantes pobres negros e respectivamente 94% e 86,6% dos seus equivalentes pardos e brancos estão na rede pública. Dada maior presença dos negros e pardos no contingente da pobreza, é imperativo concluir que a maior parte dos estudantes pobres da rede pública é negra e parda. Se a origem escolar na rede pública for considerada, por simples ilação lógica, os estudantes negros, que são a maior parte dos estudantes pobres, serão o principal contingente incluído.
Duas questões mais gerais devem ser consideradas a partir do importante gesto de democratização de acesso produzido pela UFRJ.
Parece ser indisputado o fato de que uma política que inclua pobres – negros e brancos – é dotada de critério de justiça mais robusto e abrangente do que outra que inclua apenas negros, pobres e não pobres. O contingente prioritário pretendido pelo segundo recorte é coberto, com vantagens, pelo primeiro critério, que aos negros pobres acrescenta os brancos pobres. Em nome de que reduzir o alcance da inclusão a definições “raciais”? O vastíssimo contingente da destituição social de pele clara não merece reparações? E este é um ponto fundamental, critérios raciais e critérios sociais não são variantes de um mesmo vetor, voltado para generosa inclusão dos barrados estruturais da sociedade brasileira. Há uma distinção fundamental. O corte social associado à pobreza designa um contingente móvel: trata-se de aplicar critérios de justiça que impliquem a sua erradicação. Em outros termos, a ideia é a de incluir pobres para que eles deixem sua condição originária. O critério “raça”, ao contrário, é fixo. Trata-se aqui de incluir para reconhecer uma diferença permanente e, por essa via, de reinventar a história do país como constituída por inapelável “luta de raças”.
E você? O que pensa sobre esse assunto?