Colunistas

Além das ladeiras: BH em duas rodas

Os aplicativos de transporte por moto como solução prática, econômica e social para a mobilidade urbana em Belo Horizonte.

 (Foto: Divulgação)

(Foto: Divulgação)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 11 de abril de 2025 às 14h38.

Por Yuri Quadros e Kleberson Amaral*

 

Belo Horizonte faz jus ao seu nome. Quem já esteve no Mirante do Mangabeiras sabe que a cidade se estende entre montanhas, oferecendo uma paisagem marcante e, ao mesmo tempo, uma topografia desafiadora. Suas inúmeras ladeiras tornam o deslocamento a pé ou por bicicleta impraticável para longas distâncias e a limitação do transporte público agrava ainda mais a mobilidade da população, especialmente dos moradores das periferias. Para quem pode arcar com os custos de um carro particular ou táxi, o problema se resolve facilmente. Já para a maioria da população, a dependência do transporte coletivo significa enfrentar esperas longas, superlotação e trajetos ineficientes, especialmente em viagens esporádicas e não programadas.

Nesse cenário, os aplicativos de transporte por moto surgem como uma alternativa extremamente acessível, rápida e eficaz. Enquanto São Paulo proíbe o acesso, alegando segurança como principal motivação, tendo o prefeito Ricardo Nunes a declarado o temor de “uma carnificina na nossa cidade”, Belo Horizonte seguiu outro caminho, permitindo sua operação e colhendo benefícios econômicos e sociais que podem servir de exemplo para outras capitais.

Esses aplicativos ampliam a liberdade de escolha do consumidor, permitindo que os cidadãos optem pelo transporte que melhor atende às suas necessidades. Pesquisas indicam que 31% dos brasileiros já utilizaram motos por aplicativo, e outros 24% afirmam que usariam caso tivessem oportunidade. Estudos também demonstram que o serviço reduz consideravelmente os custos de transporte: em algumas capitais, uma viagem de moto custa em média cerca de R$ 9,10, enquanto a mesma viagem feita de carro pode chegar a custar 75% a mais. Esses valores fazem toda a diferença, especialmente para as camadas mais pobres da população, que vivem onde o transporte público é ainda mais precário

Uma experiência pessoal recente ilustra bem essa situação: durante o carnaval em Belo Horizonte, uma corrida de táxi ou carro por aplicativo, que normalmente custaria cerca de R$ 20, chegou a custar mais de R$ 80 devido à alta demanda, além do tempo de espera excessivo. A solução encontrada por um dos autores foi utilizar um aplicativo de moto, pagando aproximadamente R$ 30. Durante o trajeto, realizado tranquilamente e sem exageros comuns entre entregadores de moto, o motociclista compartilhou que aquela semana de carnaval faria uma diferença significativa em sua renda. Casado e com filhos, ele explicou que seu comportamento ao dirigir sozinho é mais arriscado (o que reforça parte do temor do prefeito paulistano), mas que, obviamente, adota maior cautela com passageiros do que com entregas.

Os impactos socioeconômicos são consideráveis. Cálculos recentes apontam que, só em 2023, esses serviços movimentaram mais de R$ 5 bilhões no PIB e geraram aproximadamente 114 mil empregos em todo o país. Especificamente em Belo Horizonte, as motos via aplicativo movimentaram cerca de R$ 270 milhões no PIB municipal, criaram 4 mil empregos e aumentaram a arrecadação local em impostos. Outro dado relevante indica que mais de 60% dos motociclistas que atuam nessas plataformas são os principais provedores de renda em suas famílias, obtendo aumentos significativos após ingressar no serviço.

A segurança, argumento central para a proibição adotada em São Paulo, deve ser considerada seriamente. De fato, qualquer transporte envolve riscos, especialmente motocicletas. No entanto, proibir especificamente o transporte por aplicativo não parece uma solução coerente nem eficaz. O principal questionamento – “liberar motos para cidadãos que nunca andaram de moto é perigoso” [5] – ignora o fato de que a legislação já permite o uso particular ou informal das motos por qualquer pessoa habilitada.

Para tornar isso ainda mais claro, imaginemos uma situação hipotética: uma turma de vinte garçons joga futebol às quintas-feiras após o expediente, em uma quadra a três quilômetros do restaurante. Apenas cinco deles possuem moto e, semanalmente, fazem três viagens cada um, levando os demais colegas na garupa para o jogo. Nessa situação cotidiana, ninguém imagina que o prefeito ou o superintendente da ANTP proporiam proibir essa prática em nome da segurança, e nem deveriam fazê-lo. No entanto, o risco associado a essas viagens é exatamente o mesmo enfrentado por um passageiro que contrata um aplicativo de moto. Na verdade, pode-se argumentar que o transporte por aplicativo é ainda mais seguro, uma vez que o motociclista profissional tem maior experiência no trânsito, está acostumado a levar passageiros, é monitorado por GPS e avaliado constantemente pelos usuários.

Pensemos, então, nas ladeiras de Belo Horizonte não apenas como obstáculos geográficos, mas como um lembrete vivo da nossa humanidade: elas são o eterno desafio ao nosso desejo de conexão e mobilidade. Diante dessas ladeiras, eis que surge não uma grande obra pública, cara e demorada, mas algo humilde como uma moto conduzida por um trabalhador disposto. É um paradoxo fascinante que, numa era dominada por projetos gigantescos e burocráticos, a solução mais eficiente tenha vindo em duas rodas, um capacete e um aplicativo de celular. Em tempos dominados por discussões sobre o que não podemos fazer, Belo Horizonte ousou olhar para o que é possível e permitiu que a engenhosidade humana florescesse. Talvez a verdadeira sabedoria não esteja em remover montanhas, mas em descobrir como vencê-las. E, ao final do dia, é essa humildade criativa – essa coragem de enfrentar ladeiras cotidianas com prudência e bom senso – que nos torna não apenas cidadãos melhores, mas mais humanos.

 

Yuri Quadros, Diretor de Formação do Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte e conselheiro da Rede Liberdade.

Kleberson Amaral, Fellow do Insituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte

Acompanhe tudo sobre:TransportesTransporte de passageiros