Adeus às escolas no campo
A ideia de conjugar o estudo com o trabalho nos cursos pré-universitários parecia muito boa no papel. Tinha ares de imortal futuro naquele escritório onde a converteram numa disposição ministerial. Porém a realidade – tão rebelde como sempre – fez sua própria interpretação das escolas no campo. A “argila” que se intentava formar no amor à lavra estava constituída por adolescentes afastados – pela primeira vez – do controle paterno, […] Leia mais
Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2009 às 18h24.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 13h24.
A ideia de conjugar o estudo com o trabalho nos cursos pré-universitários parecia muito boa no papel. Tinha ares de imortal futuro naquele escritório onde a converteram numa disposição ministerial. Porém a realidade – tão rebelde como sempre – fez sua própria interpretação das escolas no campo. A “argila” que se intentava formar no amor à lavra estava constituída por adolescentes afastados – pela primeira vez – do controle paterno, e que encontraram condições habitacionais e alimentares muito diferentes das projetadas.
Eu, que deveria ter sido o “homem novo”, apenas pude chegar a ser um “homem bom”, formei-me com uma dessas bolsas de estudo em Alquízar, na municipalidade de Havana. Cheguei com quatorze anos e saí com uma infecção na córnea, uma deficiência hepática e a dureza que se adquire quando se vê demasiado. Ao ser matriculada, ainda acreditava nos contos do estudo/trabalho; ao partir, sabia que muitas das minhas colegas haviam tido que fazer sexo para obter boas qualificações ou mostrar uma super produção na colheita do campo. As pequenas alfaces que colhia a cada tarde tinham sua contrapartida num albergue onde primava a intimidação, o desrespeito à privacidade e a dura lei do mais forte.
Justamente, numa daquelas tardes, depois de três dias sem abastecimento de água e com o repetido menu de arroz e couve, jurei a mim mesma que meus filhos nunca iriam a um pré-universitário no campo. O fiz com esse crueza adolescente que, com os anos, vai se acalmando e deixando-nos saber a impossibilidade de cumprir certas promessas. Assim foi que me acostumei a ideia de ter que carregar sacolas de comida para quando Teo estivesse nessa situação, de escutar que lhe roubaram os sapatos, que o ameaçaram no chuveiro ou que um rapaz maior lhe tomou a comida. Todas essas imagens, que havia vivido, regressavam quando pensava nas escolas internas.
Por sorte, o experimento parece estar terminado. A improdutividade, o contágio de doenças, o menosprezo por valores éticos e o baixo nível acadêmico fizeram sucumbir este método educativo. Depois de anos de perdas econômicas, pois os estudantes consumiam mais do que conseguiam tirar da terra, nossas autoridades se convenceram de que o melhor lugar onde um jovem é ao lado de seus pais. Só que anunciaram o fim próximo das bolsas de estudo sem a desculpa pública aos que foram cobaias de uma experiência fracassada. A estes, cujos cursos pré-universitários nos campos levaram parte dos sonhos e da saúde.
(Publicado emGeração Y)
A ideia de conjugar o estudo com o trabalho nos cursos pré-universitários parecia muito boa no papel. Tinha ares de imortal futuro naquele escritório onde a converteram numa disposição ministerial. Porém a realidade – tão rebelde como sempre – fez sua própria interpretação das escolas no campo. A “argila” que se intentava formar no amor à lavra estava constituída por adolescentes afastados – pela primeira vez – do controle paterno, e que encontraram condições habitacionais e alimentares muito diferentes das projetadas.
Eu, que deveria ter sido o “homem novo”, apenas pude chegar a ser um “homem bom”, formei-me com uma dessas bolsas de estudo em Alquízar, na municipalidade de Havana. Cheguei com quatorze anos e saí com uma infecção na córnea, uma deficiência hepática e a dureza que se adquire quando se vê demasiado. Ao ser matriculada, ainda acreditava nos contos do estudo/trabalho; ao partir, sabia que muitas das minhas colegas haviam tido que fazer sexo para obter boas qualificações ou mostrar uma super produção na colheita do campo. As pequenas alfaces que colhia a cada tarde tinham sua contrapartida num albergue onde primava a intimidação, o desrespeito à privacidade e a dura lei do mais forte.
Justamente, numa daquelas tardes, depois de três dias sem abastecimento de água e com o repetido menu de arroz e couve, jurei a mim mesma que meus filhos nunca iriam a um pré-universitário no campo. O fiz com esse crueza adolescente que, com os anos, vai se acalmando e deixando-nos saber a impossibilidade de cumprir certas promessas. Assim foi que me acostumei a ideia de ter que carregar sacolas de comida para quando Teo estivesse nessa situação, de escutar que lhe roubaram os sapatos, que o ameaçaram no chuveiro ou que um rapaz maior lhe tomou a comida. Todas essas imagens, que havia vivido, regressavam quando pensava nas escolas internas.
Por sorte, o experimento parece estar terminado. A improdutividade, o contágio de doenças, o menosprezo por valores éticos e o baixo nível acadêmico fizeram sucumbir este método educativo. Depois de anos de perdas econômicas, pois os estudantes consumiam mais do que conseguiam tirar da terra, nossas autoridades se convenceram de que o melhor lugar onde um jovem é ao lado de seus pais. Só que anunciaram o fim próximo das bolsas de estudo sem a desculpa pública aos que foram cobaias de uma experiência fracassada. A estes, cujos cursos pré-universitários nos campos levaram parte dos sonhos e da saúde.
(Publicado emGeração Y)