A Uber precisa de uma regulação inteligente, não de mais do mesmo
Revolução trazida pela Uber e empresas similares vai além da concorrência com atores já existentes
Publicado em 19 de setembro de 2023 às, 16h47.
Em 2014, sob protestos de alguns grupos, chegava ao Brasil um novo modelo de transporte urbano que ficou conhecido pelo nome da principal empresa do setor, a Uber. Toda inovação – e a Uber é apenas parte disto – não é aceita pela sociedade se os benefícios agregados não forem maiores do que seus custos.
O início das operações da empresa no Brasil foi, portanto, turbulento. Taxistas – que hoje operam sob aplicativos alternativos, quando não o da própria Uber – chegaram a fazer protestos violentos com agressões físicas a motoristas do aplicativo e mesmo a consumidores que compareceram a audiências públicas. Isto aconteceu em Belo Horizonte, mas com o fim do Estudantes Pela Liberdade, a notícia se perdeu, mas o leitor pode verificar o uso da violência naquele período em outras notícias como, por exemplo, esta.
Como muito bem explicado por Todd Henderson e Salen Churi em um livro de 2019, a revolução trazida pela Uber e empresas similares vai além da concorrência com atores já existentes. Trata-se de uma nova forma de cooperação entre consumidores e produtores de bens e serviços. Obviamente, inovações trazem consigo dois gérmens regulatórios: (a) o do desprezo pela inovação e; (b) o que abraça a inovação. O primeiro deles conta sempre com o apoio daqueles que temem a inovação porque estimam que perdem mais do que ganham com ela.
“Abraçar” a inovação significa compreender que o regulador, assim como os demais seres humanos, não é onisciente e, portanto, é tão incapaz de prever todos os possíveis desdobramentos da regulação quanto eu, você ou o juiz da sua comarca. Deste modo, a melhor abordagem para a regulação seria aquilo que Fernando Meneguin e Ana Paula Andrade de Melo chamaram de soft regulation, em um artigo publicado na Revista do Serviço Público, em 2022. Em suas palavras:
A soft regulation não detém uma só forma para todos os fins e não é uma panaceia para todo problema que carece de intervenção estatal. A forma é funcional e adaptável ao caso concreto por meio de medidas não intrusivas que podem anteceder, substituir ou complementar a regulação tradicional ou ser um fim em si mesmas.
Sob este arcabouço, a regulação tende a evitar os excessos que podem, no limite, gerar desemprego e incentivar, no longo prazo, uma mentalidade medíocre, não-inovadora que, se dominante na sociedade, estimula um crescimento mais lento da produtividade, para dizer o mínimo.
A propósito, uma das consequências trazidas por estes aplicativos de transporte é mostrar os benefícios da flexibilidade do mercado de trabalho. Motoristas veem vantagem em trabalharem em uma escala de horários sobre a qual têm maior controle. Outro ponto positivo é o impacto positivo na diminuição de desigualdades. Em um trabalho acadêmico de 2021, Andrew Castleman encontrou indícios de um ganho salarial para motoristas pouco qualificados (low skilled) e também para motoristas mulheres em cidades dos EUA.
Sobre a desigualdade de gênero, aliás, um relatório de 2018 da International Finance Corporation em parceria com a Accenture usando dados da Uber para alguns países (Indonésia, Egito, Méexico, África do Sul e Reino Unido) mostra que mulheres também têm motivações bem concretas para trabalharem como motoristas de aplicativos. Dados para São Paulo mostram que o número de motoristas mulheres de aplicativos tem aumentado (veja também esta notícia, para Belo Horizonte).
Uma regulação soft no setor deve ser capaz de fazer com que a sociedade capture os benefícios da inovação trazida por empresas como Uber e similares. Garantir a competição no setor, neste sentido, tende a gerar ganhos para os consumidores, na forma de preços mais baixos. Além disto, a flexibilidade intrínseca no modus operandi destas plataformas permite que alguns indivíduos, geralmente desfavorecidos no mercado de trabalho tradicional, encontrem maiores oportunidades de melhorarem suas vidas e a de seus familiares.
De modo mais geral, reguladores, legisladores e juízes devem entender que regulações são incentivos, que incentivos têm consequências e que nem todas as consequências podem ser previstas. Claro, é preciso que os reguladores apresentem estudos de impacto cientificamente bem embasados, por exemplo, para propostas de alterações regulatórias ou decisões judiciais. Mais importante, decisões precisam ser mais ágeis. A hesitocracia da regulação tradicional precisa ser evitada.
O abraço à inovação é a melhor forma de avançar a prosperidade sócio-econômica, principalmente para aqueles que mais dela precisam.