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A tragédia no Rio Grande do Sul é culpa do agronegócio?

Rodrigo Paniago, engenheiro agrônomo e consultor agropecuário explica que o código florestal brasileiro é um dos mais restritivos do mundo

Rodrigo Paniago, engenheiro agrônomo e consultor agropecuário (Divulgação/Boviplan)
Rodrigo Paniago, engenheiro agrônomo e consultor agropecuário (Divulgação/Boviplan)

Logo após o início das inundações que vitimaram milhares de pessoas, entre mortos, feridos e desabrigados, no Rio Grande do Sul, a tese de que o aumento das lavouras de soja, no lugar de matas nativas, teria aumentado as proporções da tragédia surgiu. Para entender melhor sobre o tema, o Instituto Millenium escutou o outro lado, que também foi um dos setores que sofreram mais prejuízos. Leia abaixo a entrevista com Rodrigo Paniago, engenheiro agrônomo, consultor e sócio proprietário da Boviplan Consultoria Agropecuária. Rodrigo é também assessor técnico da Associação De Olho no Material Escolar, que identifica vieses nos livros usados pelos estudantes brasileiros.  

Instituto Milllenium: Diante da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul, há a especulação de que um dos fatores que contribuíram para o seu agravamento foi o aumento vertiginoso de lavouras de soja e silvicultura na região, no lugar da vegetação nativa. Acredita que essa desconfiança tenha fundamento? 

Rodrigo Paniago: Não, são apenas suposições, não há comprovação científica. Em 1941, houve uma enchente semelhante na bacia do Rio Guaíba, e naquela época não havia nem de longe a mesma ocupação de terras para lavoura ou floresta plantada que existe hoje. O Brasil foi importador líquido de alimentos até os anos 70 daquele século. Ainda assim, de 1985 para cá a perda de vegetação original naquela bacia equivale a apenas 4,6% de todo o território do Rio Grande do Sul. É importante destacar que a maior parte da conversão do uso do solo naquela região se deu em área de campo, e não de florestas. Evidentemente, toda ação humana causa algum tipo de impacto ambiental, porém a mais nobre delas é produzir alimentos para a sua sobrevivência. 

IM: Muita gente culpa o agronegócio pelo desmatamento. Poderia explicar como funcionam as regras brasileiras nesse sentido? São mais rígidas ou mais brandas que no resto do mundo? 

RP: Há desmatamento em qualquer lugar onde as pessoas vivem, transitam, trabalham, fazem compras, têm o seu lazer e onde se produz alimento. Sem o advento da agricultura seríamos como nossos antepassados, nômades vivendo de caça e coleta do que encontravam. Só depois da agricultura é que apareceram as cidades e tantas outras profissões. A primeira lei ligada ao meio ambiente em nosso país surgiu em 1605, e o primeiro código florestal em 1934. O atual é de 2012, e é reconhecido como um dos mais restritivos do mundo. Tanto que, em média, 50% das áreas rurais privadas são compostas por áreas de preservação, o que equivale a 25,6 % do território nacional. Importante informar que os produtores pagam impostos territoriais sobre essas áreas, mesmo sem a possibilidade de seu uso para produção, assim como são os responsáveis legais por elas, arcando com todos os custos da sua preservação. Não há qualquer setor no mundo que investe tanto recurso próprio em preservação de vegetação nativa como o produtor rural brasileiro. Hoje, o Brasil possui 66,3% de seu território dedicados à vegetação nativa, uma área maior do que 43 países da Europa juntos, enquanto apenas 9% do território brasileiro é dedicado à agricultura e florestas plantadas. Portanto, o Brasil, na verdade está mais para o país da vegetação nativa e do que para o do agro. Nenhum outro país de relevância agrícola no comércio internacional possui tanta área preservada como o Brasil e, detalhe, de áreas agricultáveis. Veja o caso dos EUA, que tem apenas 19,9 % de seu território dedicado à vegetação nativa. 

IM: Os prejuízos das enchentes pro agronegócio já superaram a casa do bilhão, causando, inclusive, desabastecimento de alguns itens, como arroz, no Brasil. Já foi feito um balanço dessas perdas? Quais foram as lavouras mais impactadas, tais como seus impactos para a população? 

RP: Na verdade não há riscos de desabastecimento de arroz, pois 84 % da área já fora colhida antes das enchentes, o que representa um volume de 1,24 % de redução em relação à safra anterior. Inevitavelmente, essa redução será compensada pelo incremento da importação e perda de competitividade do arroz brasileiro no mercado externo. 

Os balanços das perdas ainda são prematuros, pois como a água ainda não abaixou completamente, há muito o que verificar. Mas, sim, já há levantamentos apontando cerca de 2 bilhões de prejuízo na agropecuária. Também é esperado que a próxima safra do Rio Grande do Sul seja bem afetada, pois muito se perdeu de terra, máquinas e instalações. As culturas do arroz e da soja, possivelmente sejam as mais afetadas. Mas outras, como de fumo, uva e suinocultura, também devem apresentar prejuízos elevados. Muito do que a bacia do Guaíba deixará de produzir poderá ser feito por outros estados ou regiões do próprio Rio Grande do Sul, em especial nas áreas de grãos, onde o país é muito rápido para se adaptar aos movimentos do mercado.    

IM: O que fazer para recuperar isso? 

RP: Em primeiro lugar o suporte financeiro ao produtor rural daquela região. Afinal, se ele não produzir de novo, como poderá honrar suas dívidas? Sem contar o risco que corremos com a inflação dos alimentos. Em segundo lugar, realizar um diagnóstico agropecuário, a fim de se verificar quais as tecnologias e culturas podem ser conduzidas, para que o setor agropecuário possa seguir com uma nova safra. 

Independentemente da questão de segurança alimentar, vale lembrar que o próprio conceito agronegócio explica que o setor primário não vive isolado, ou seja, se o produtor não planta, não compra insumos “da cidade”, nem fornece produtos para às agroindústrias, causando um efeito cascata.