( Xavier Lorenzo/Getty Images)
Colunista - Instituto Millenium na Exame
Publicado em 7 de outubro de 2025 às 21h04.
No Brasil, parece que o esporte nacional é debater a taxa de juros. Políticos, comentaristas e especialistas de TV repetem o mantra: “A Selic está muito alta!” Outros, frequentemente economistas e administradores de fundos de investimento, retrucam: “Não, ela está muito baixa para os riscos inflacionários!” Às vezes parece que nossa taxa de juros entrou em um estado quântico estranho: como o gato de Schroedinger, que vive num estado de superposição e está vivo e morto ao mesmo tempo, ela é ao mesmo tempo muito alta e muito baixa, dependendo de quem abre a caixa.
Mas a taxa de juros não existe em um experimento de física. Ela é determinada no mercado pelo equilíbrio entre a oferta e a demanda por fundos emprestáveis — isto é, pela disputa entre quem quer emprestar e quem quer tomar emprestado.
A teoria dos fundos emprestáveis explica isso de forma simples. De um lado, famílias, empresas e investidores estrangeiros oferecem suas poupanças, ou recursos que têm em excesso aos seus gastos, que estão dispostos a emprestar. Eles compõem a oferta de fundos emprestáveis. Do outro, empresas que querem expandir e investir em novos projetos, famílias em busca de crédito imobiliário e governos que têm déficits orçamentários. São pessoas e organizações que têm maiores oportunidades de gastar ou investir, mas não têm os recursos desejados. Elas compõem a demanda por fundos emprestáveis. Ocorre que a taxa de juros que observamos é justamente o ponto em que essa oferta e essa demanda se encontram, ou seja, é uma taxa de juros de equilíbrio. Tal qual o estado de superposição do gato de Schroedinger, a taxa de juros parece estar alta e baixa ao mesmo tempo.
Esta confusão surge porque os comentaristas costumam olhar apenas para um dos lados.
Se olharem só para a demanda por fundos emprestáveis, a conclusão parece óbvia: os juros estão altos demais, sufocam o investimento das empresas e pioram as contas públicas. Políticos naturalmente tomam partido: antes das eleições eles defendem os interesses dos militantes de seus partidos e, depois delas, defendem os grupos de interesse que financiam suas campanhas. Para os políticos, de maneira geral, a taxa de juros sempre estará muito alta porque, dada a restrição do orçamento público, cada centavo comprometido com pagamento de juros da dívida não estará disponível para satisfazer a demanda por gastos de seus eleitores e financiadores de campanha. Empresários e empreendedores, da mesma forma, enxergam a taxa de juros como um limitante do retorno de seus projetos de investimento e ela sempre estará muito alta, pois mais projetos seriam rentáveis a taxas de juros mais baixas.
Por outro lado, para quem olha apenas para o lado da oferta de fundos emprestáveis, pode-se dizer o contrário: uma taxa de juros maior sempre adiciona ao retorno de canalizar recursos ao mercado e, considerando ainda o baixo nível de poupança agregada no Brasil e a desconfiança dos investidores em relação à disciplina fiscal, os juros também estariam baixos demais por causa
do risco envolvido de emprestar para quem pode se tornar insolvente. O problema é que a taxa de juros não pode ser “alta demais” e “baixa demais” ao mesmo tempo. Diferente do gato de Schroedinger, a taxa de juros tem uma única realidade — aquela definida pelo equilíbrio no mercado de fundos emprestáveis.
E aqui está o ponto central: os déficits do governo deslocam esse equilíbrio. Cada real extra que Brasília toma emprestado aumenta a demanda por fundos, reduz o espaço para o setor privado e pressiona a taxa de juros para cima. Não se trata de uma história de sadismo do Banco Central, que mantém a taxa elevada por motivos pouco nobres. A indisciplina fiscal é a mão invisível que mantém o custo do crédito elevado — e famílias e empresas acabam pagando a conta, hoje ou no futuro, com inflação e/ou dívida pública mais elevada.
Da próxima vez que você ouvir que a taxa de juros no Brasil está “muito alta” ou “muito baixa”, lembre-se: isso é apenas uma parte da história. O verdadeiro problema é que a política fiscal nos prende dentro da nossa própria caixa quântica. E, a menos que o país leve a sério o controle dos gastos públicos, vamos continuar abrindo a caixa apenas para encontrar o mesmo resultado de sempre — uma taxa de juros que parece um paradoxo, mas que é simplesmente o preço de viver acima das nossas possibilidades.