“A sociedade cansou de pagar por um estado repleto de privilégio”
Por que "eles" são diferentes de "nós"? Roberto DaMatta e Gil Castello Branco respondem
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às, 10h12.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2018 às, 10h12.
Os políticos preservam discursos a fim de manter e aumentar suas influências. Às custas dos altos impostos, a lista de bens que usufruem é enorme: passagens aéreas, reembolsos médicos, aluguel de carros, auxílio-moradia, entre muitos outros. No Judiciário, os cofres públicos são obrigado a arcar com rendimentos que extrapolam o teto, as chamadas verbas indenizatórias, sem falar nos benefícios nada modestos, que também são concedidos a uma parcela dos servidores públicos. A Previdência, que deveria ser igual para todos, acirra a desigualdade no país permitindo que uma parte do funcionalismo se aposente com regras mais brandas e valores demasiadamente elevados. Dinheiro público sendo usado para pagar privilégios. A convite do Instituto Millenium, o antropólogo Roberto DaMatta e o economista Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, explicaram por que o Brasil é conhecido por fomentar a cultura dos privilégios e o que poderia ser feito para reverter esse cenário.
Os privilégios não são algo novo em nossa democracia. DaMatta relembra que eles sempre estiveram presentes entre os brasileiros, assim como nas sociedades tradicionais de regimes aristocráticos:
“A corte portuguesa veio para o Brasil e combinou uma aristocracia no modelo clássico europeu com a escravidão negra. A República foi proclamada, mas não houve uma crítica completa das estruturas que sustentavam esses privilégios, então eles continuaram com cargos e prisões especiais, recursos… Isso está embutido no sistema jurídico português, que foi reforçado no país pela família real apesar dos esforços republicanos”, explica. Ouça a entrevista com Roberto DaMatta.
[soundcloud url="https://api.soundcloud.com/tracks/389430606?secret_token=s-5eUhT" params="color=#ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&show_teaser=true" width="100%" height="166" iframe="true" /]
Para Castello Branco, a sociedade brasileira se encontra exausta por arcar com o custo dos três Poderes. Existem, no entanto, algumas iniciativas com a intenção de elencar propostas para acabar com os privilégios no Brasil, como faz a Fundação Getúlio Vargas (FGV) junto ao movimento Transparência Internacional e outras organizações. Há, também dois projetos para restringir a quantidade de servidores comissionados na administração pública, a PEC 110/2015 e PSL 257/2014. Contudo, “caminham a passos de cágado e provavelmente não serão levados à frente já que não são do interesse dos atuais políticos”, lamenta o economista. Ouça a entrevista com Gil Castello Branco.
[soundcloud url="https://api.soundcloud.com/tracks/392852211" params="color=#ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&show_teaser=true" width="100%" height="166" iframe="true" /]
Castello Branco aponta o auxílio-moradia, pago a juízes e magistrados, como um dos privilégios que devem ser tratados com urgência. O benefício é concedido também àqueles que possuem imóvel próprio na cidade onde trabalham. O especialista sinaliza ainda que outras áreas também sofrem com uma brutal desigualdade, como os setores de atividade econômica, e aponta que os subsídios concedidos às empresas passaram de R$ 31 bilhões em 2007 para R$ 115 bilhões em 2016. Além disso, o governo prevê para 2018 o valor de R$ 284 bilhões em isenções fiscais.
Leia mais
Gil Castello Branco: “E a reforma de privilégios?”
Roberto DaMatta: O político enganador algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime”
DaMatta salienta que o processo de modernização e desmanche desses privilégios é complexo, já que também estamos envolvidos neles. Muito além de benefícios políticos e econômicos, cultivamos a desigualdade em nosso dia a dia, diferenciando a forma com que tratamos as pessoas. “Não é só o privilégio visual, como diferenças salariais, são coisas sutis, inconscientes, que a gente aceita como se fossem parte da natureza: diferença entre negros e brancos, entre homens e mulheres”, acrescenta.
A sociedade brasileira também pode fazer a sua parte através de pressão aos órgãos competentes pelas redes sociais e grupos organizados. “O cidadão tem que mostrar sua indignação permanentemente. Espero que as manifestações sejam capazes de gerar um compromisso maior daqueles que serão candidatos para que depois sejam obrigados e cobrados pelo o que aprovaram”, conclui o especialista.