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A responsabilidade da imprensa por declarações de entrevistados 

A decisão pode levar a autocensura dos jornalistas, que podem se sentir desconfortáveis em publicar ideias polêmicas de entrevistados

O presidente dos EUA, Donald Trump, fala à imprensa (Foto de Jim WATSON / AFP) (Jim WATSON/AFP)

O presidente dos EUA, Donald Trump, fala à imprensa (Foto de Jim WATSON / AFP) (Jim WATSON/AFP)

André Marsiglia
André Marsiglia

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 26 de março de 2025 às 18h42.

Última atualização em 26 de março de 2025 às 18h45.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que fixou a responsabilidade da imprensa por declarações de seus entrevistados. A tese é controversa e deveria gerar preocupações entre os profissionais de imprensa e os defensores da liberdade de expressão. 

O STF se baseia em uma analogia entre imprensa e plataformas de mídia social (Big Techs). A tese entende que, assim como as plataformas devem ser responsáveis pelo conteúdo ilícito de seus usuários, a imprensa deve ser responsável pelo conteúdo ilícito de seus entrevistados e fontes. No entanto, a analogia não se sustenta. 

A imprensa e as plataformas de mídia social são instituições diferentes, com objetivos e funções distintas. A manifestação nas redes sociais é uma garantia individual, enquanto o direito de imprensa é um direito coletivo que visa informar a sociedade. Além disso, a imprensa já é submetida a um conjunto de regras e normas éticas próprias que não se aplicam às plataformas de mídia social. 

A decisão do STF pode ter consequências preocupantes para a liberdade de imprensa, pois os veículos de comunicação podem acabar condenados por declarações de entrevistados, mesmo que não tenham tido a intenção de causar esse dano. Acontece que o STF considerou punível a negligência grosseira ou má fé do jornalista que tiver ciência da "inverdade" e a publicar. No entanto, essa definição é problemática, pois a Corte, mais de uma vez, já confundiu os conceitos de informar com opinar.  

Isso pode levar a uma situação em que a imprensa seja punida por publicar informações que sejam consideradas "inverdades", mas são visões subjetivas e opinativas de mundo do entrevistado. Opinião não pode ser considerada verdadeira ou não, e é desejável que seja sempre veiculada em um país com debate livre. A decisão pode levar a uma autocensura por parte dos jornalistas, que podem se sentir desconfortáveis em publicar ideias polêmicas de entrevistados. 

A imprensa passar a ser condenada apenas se houver má fé ou negligência grosseira parece ser, a princípio, uma boa notícia, uma blindagem aos veículos, mas não. O veículo continua sendo alvo de ações por seus erros e excessos, com ou sem má fé, como sempre foi, e agora passa também a ser responsável pelas declarações de entrevistados, nessas circunstâncias específicas. 

A condenação de veículos não ocorre apenas no caso de entrevistas formais, mas também no caso de fontes que dão "aspas" ao repórter e ele as publica em sua reportagem. A tese original não excluía entrevistas ao vivo da punição, o que as inviabilizava. Ao menos isso foi corrigido. 

A decisão do STF sobre a responsabilidade da imprensa por declarações de entrevistados é uma questão complexa e controversa. Mereceria melhor debate com a sociedade. Para variar, não ocorreu. Nunca ocorre. 

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