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A reforma tributária e o setor de saneamento

A Reforma Tributária do Consumo é um marco institucional relevante para destravar a produtividade e o crescimento no Brasil

 (joelfotos/Pixabay/Divulgação)
(joelfotos/Pixabay/Divulgação)

Cristiane A. J. Schmidt e Ângelo de Angelis  

A EC132/24 – Reforma Tributária do Consumo (RT), antiga PEC45 – é um marco institucional relevante para destravar a produtividade e o crescimento no Brasil. Sua regulamentação será composta por três projetos de lei (PL). O primeiro foi protocolado pelo executivo em 25/04/24, tem 499 artigos e 360 páginas. Os próximos versarão sobre: o comitê gestor, o contencioso tributário, os fundos e as alíquotas dos impostos seletivos. Neste primeiro PL, setores que ofertam serviços em infraestrutura mostraram-se preocupados com os efeitos da RT, especialmente os que foram excluídos do regime específico (art 156-A, par. 6º), como rodovias, saneamento, micro e minigeração de energia elétrica. E aí? 

Primeiramente, cabe ressaltar que, se fosse pelo executivo, a EC132 não teria exceção, o que permitiria uma alíquota padrão (que incidirá nas compras de bens e serviços, B&S) para a sociedade de 20%. Também constaria um cashback (devolução de parte ou da totalidade do imposto pago) mais amplo para os pobres, uma forma de tornar o imposto sobre consumo – regressivo por natureza – mais progressivo e justo. A alíquota padrão média divulgada, contudo, foi de 26,5% (e não de 20%), tendo sido uma opção do Congresso Nacional, quando atendeu os diversos lobbies, concedendo-lhes alíquotas reduzidas comparativamente à padrão. 

Em segundo lugar, cabe esclarecer uma confusão recorrente entre alíquota e carga tributária. O texto de André Salcedo, diretor-presidente da Sabesp (dia 29/04, FSP), parece cometer este erro, por ex., ao afirmar que “carga tributária de 9,25% para 27,5%”. Não seria alíquota? Além disso, outro equívoco é comparar alíquotas do regime atual, em que há cumulatividade na cadeia e não devolução de créditos, com o novo regime, em que haverá neutralidade como regra geral. Para além das bases, que também serão distintas. Há, assim, que considerar nas previsões do fluxo de caixa no novo sistema a neutralidade total nas operações B2B, como a compra de bens de capital (investimento). O aumento de carga tributária ocorrerá quando a venda de B&S for para o consumidor final (B2C e não B2B) e quando a empresa não estiver no regime do Simples Nacional (que é o caso de 80% das empresas que prestam serviços).  

É possível que seja necessária revisão contratual das concessionárias em infraestrutura, pois as tarifas podem ter que ajustar. Neste sentido, caso haja revisão, a ABAR (Associação Brasileira de Agências Reguladoras) pode ter protagonismo na coordenação entre as concessionárias e os reguladores federais e estaduais. 

No caso do saneamento, em particular, o setor é vital para o bem-estar da população, mas tem um atraso monumental. Como o segmento apresenta estatísticas catastróficas na cobertura de água, esgoto e no cuidado com os resíduos sólidos, o setor tem tido efeitos nocivos para as áreas de saúde e educação: crianças, quando doentes, usam mais o SUS e não vão à escola. Sem mencionar na poluição para o meio ambiente, que também afeta a saúde das pessoas. 

Por isso, ainda bem, foi aprovado o marco do saneamento, que impõe a universalização até 2033. Os investimentos urgem ocorrer e tal meta para 2033 precisa ser cumprida à risca. 

Nesta direção, diversos estados optaram por privatizar suas empresas estaduais. Estes governadores entenderam que não há recursos públicos para realizar os investimentos necessários e colocaram as necessidades do povo acima de suas vontades políticas. Motivo de orgulho para o cidadão, desde que as empresas reguladoras estaduais (além da ANA) estejam tecnicamente preparadas, não sejam capturadas e sejam independentes, para monitorarem com rigor o cumprimento das metas. Mais uma vez, a ABAR passa a ter um papel mais relevante ainda. 

Salcedo menciona que a EC132 pode pressionar o caixa das empresas, majorar o custo dos investimentos, aumentar a tarifa e piorar a vida dos vulneráveis. Mesmo no período de transição do IBS (2027 a 2032), contudo, o custo dos investimentos sob o novo sistema garantirá à concessionária o crédito proporcional à diminuição anual do ICMS e o crédito integral de IBS e CBS sobre as novas aquisições à medida que forem cobrados. Além disso, os ricos são inelásticos de forma geral e os pobres terão cashback de 20% de IBS/CBS pagos em todas as compras de B&S, 50% no consumo de água, esgoto e luz e 100% na aquisição de botijão de GLP. 

Por fim, qualquer ente pode, via orçamentária, ter políticas para o setor, explicitando de forma transparente nas suas leis orçamentarias anuais (LDO e LOA) os valores subsidiados. Por ex., se a modicidade tarifária for um objetivo nacional e se o setor precisa ter um tratamento diferenciado, pois é essencial, que assim esse seja feito, mas pelo lado das despesas, tendo aprovação do legislativo. O retorno deste gasto é elevado. Segundo Salcedo, para a OMS, cada R$1 investido em saneamento gera economia de R$4 em saúde. 

Em suma, é fato que o setor de saneamento é primordial para a sociedade. Essa essencialidade, contudo, pode ser evidenciada não com alíquota menor para todos, mas com políticas públicas dos entes, pela via orçamentária e pelo amplo aproveitamento do crédito fiscal que a RT proporcionará. Que assim seja feito. 

1 [Mestre e Doutora em Economia pela EPGE/FGV, Visiting Scholar em Columbia, ex-Secretária-Ajunta da SEAE/MF, Ex-Conselheira do CADE e Ex-Secretária da Economia de Goiás. Atualmente é professora, consultora, colunista da Conjuntura Econômica/IBRE-FGV e do Instituto Millenium.] 

2 [Mestre em Economia pela Unicamp, Auditor Fiscal da Receita Estadual de SP, diretor técnico e coordenador do Movimento VIVA da Associação dos Auditores Fiscais do Estado de São Paulo-AFRESP.]