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A preparação institucional do Brasil para fluxos migratórios e a crise na Venezuela 

Instituto participou da 5ª Summer School, sobre segurança e direitos humanos na Turquia, evento da Friedrich Naumann Foundation e da Human Rights Academy 

Um carro da Polícia da Força Nacional (polícia especializada do Brasil) permanece na fronteira entre a cidade venezuelana de Santa Elena de Uairen e Pacaraima, no norte do Brasil, ao lado de bandeiras de ambos os países (Getty Images/Getty Images)

Um carro da Polícia da Força Nacional (polícia especializada do Brasil) permanece na fronteira entre a cidade venezuelana de Santa Elena de Uairen e Pacaraima, no norte do Brasil, ao lado de bandeiras de ambos os países (Getty Images/Getty Images)

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 17 de setembro de 2025 às 19h51.

Por Rafael Mendonça 

 

O recente aprofundamento das tensões entre Estados Unidos e Venezuela, devido às alegações de envolvimento do ditador venezuelano Nicolás Maduro com o narcotráfico, reacende um alerta nos países vizinhos sul-americanos para a possibilidade de novos fluxos migratórios de venezuelanos deixando o país. Desde 2015, a crise humanitária venezuelana já levou quase 8 milhões de pessoas a deixar o país, em busca de proteção e melhores condições de vida, segundo dados da ONU. A Colômbia absorveu a maior parte desse fluxo, totalizando mais de 2,8 milhões de migrantes, mas o Brasil também foi diretamente impactado. O episódio mais marcante ocorreu em 2018, em Pacaraima (RR), quando a entrada maciça de venezuelanos gerou tensões sociais e expôs a fragilidade da infraestrutura local e do próprio Estado brasileiro para lidar com movimentos migratórios intensos. 

Esse cenário impõe a necessidade de o Brasil se preparar para um possível aprofundamento da crise. Em caso de intervenção militar americana, intensificação de conflitos internos ou agravamento da crise econômica venezuelana, pode ocorrer uma nova chegada massiva de refugiados. Essa situação demandaria respostas integradas de segurança nacional, proteção das fronteiras, inclusão dos indivíduos nos mercados de trabalho locais e, simultaneamente, a proteção de direitos humanos. Experiências recentes no Oriente Médio mostram que fluxos migratórios intensos podem acarretar violações na chegada de migrantes, o que torna urgente o debate sobre como o Brasil e seus vizinhos devem se preparar. 

O Instituto Millenium buscou aprender com a experiência turca no acolhimento de pessoas em ondas de imigração em massa, apresentada durante a Summer School da Friedrich Naumann Foundation, que abordou a questão migratória em uma agenda de segurança nacional e governança democrática. Nos debates, especialistas expuseram práticas e desafios relacionados ao acolhimento de refugiados. 

Um dos destaques foi a apresentação de Arda Okçu, assistente de reassentamento do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em Ancara. Em entrevista ao Millenium, Okçu defendeu a priorização de ações de preservação de direitos humanos diante de fluxos migratórios: “Esses são os grupos mais vulneráveis. Temos que entender as preocupações e necessidades de proteção que demandarão na vida diária e pensar em soluções de acordo com suas necessidades individuais”. Nesse sentido, no contexto brasileiro, uma política de reassentamento bem estruturada deveria articular-se com países vizinhos, considerando as barreiras linguísticas iniciais e a adaptação cultural, de modo a facilitar possibilidades de acolhida em outros países. 

Outro ponto central foi a mobilização de organizações da sociedade civil e do setor privado no acolhimento de refugiados. A agilidade e flexibilidade dessas instituições costumam ser decisivas para respostas rápidas e inovadoras em crises humanitárias. Contudo, sua efetividade depende de governos capacitados para apoiar e integrar essas soluções ao escopo das políticas públicas. 

Para Anusha Yıldız, diretora de restauração de ligações familiares do Crescente Vermelho Turco (sociedade que integra o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho), a experiência turca mostra como a capacidade institucional molda o sucesso das ações do terceiro setor: “No caso da Turquia, o que aprendemos durante a grande escalada migratória foi que a ausência de um marco legal para o acolhimento e também para a reunificação familiar das pessoas que foram separadas durante a travessia das fronteiras gerou enormes dificuldades.” 

Como recomendação para o Brasil, Yıldız sugeriu reforçar o arcabouço legal e a capacidade estatal para acolher refugiados e conduzir processos de reunificação familiar. “Se houver famílias separadas ao longo das fronteiras, isso pode trazer grandes problemas para a integração dos imigrantes à sociedade brasileira. Além disso, pode haver falta de documentação para crianças que se separam de seus familiares”, explicou Anusha, ressaltando que a cooperação entre Estado e sociedade civil pode reduzir danos humanos irreversíveis. 

Nesse sentido, para a especialista, é fundamental implementar mecanismos que garantam documentação aos refugiados, facilitando o acesso a serviços públicos, a integração no mercado de trabalho e a redução da exposição ao tráfico humano e outras formas de exploração. Essa posição vai ao encontro das lições extraídas da experiência de Pacaraima, onde a falta de planejamento e a sobrecarga de serviços locais intensificaram atritos sociais e dificultaram o acolhimento dos imigrantes. 

Se a crise venezuelana se aprofundar, o Brasil não pode repetir erros do passado ou deixar de aprender com as experiências internacionais para construir sua própria capacidade de resposta. É necessário estruturar planos de ação robustos que garantam a segurança nacional, com a proteção das fronteiras, e a preservação de direitos humanos por meio de instituições fortes e parcerias com o terceiro setor. Com arranjos institucionais bem desenhados, o país poderá se preservar diante de conflitos regionais e, ao mesmo tempo, reafirmar seu compromisso com valores liberais democráticos.