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A nova lei de licitações como ferramenta para fortalecer pequenas empresas e economias municipais

As MPEs representam 90% das empresas brasileiras e 55% dos empregos, mas enfrentam barreiras para acessar o mercado público

Ao priorizar a participação das micro e pequenas empresas, os municípios não apenas cumprem a lei, mas fortalecem seu tecido produtivo e social (Germano Lüders/Exame)

Ao priorizar a participação das micro e pequenas empresas, os municípios não apenas cumprem a lei, mas fortalecem seu tecido produtivo e social (Germano Lüders/Exame)

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 3 de outubro de 2025 às 00h01.

*João Loyola

 

A promulgação da Lei nº 14.133, de 2021, inaugurou um novo capítulo nas contratações públicas no Brasil. Mais do que uma substituição burocrática da antiga Lei nº 8.666/1993, esse marco representa uma oportunidade de modernizar a relação entre Estado e mercado, tornando os processos mais transparentes, competitivos e eficientes. Para os municípios, a nova legislação pode ser vista como uma ferramenta estratégica de desenvolvimento, sobretudo quando aplicada em favor das micro e pequenas empresas (MPEs), que constituem a espinha dorsal da economia nacional.

Segundo dados do SEBRAE, as MPEs representam mais de 90% das empresas brasileiras e são responsáveis por cerca de 30% do PIB e 55% dos empregos formais. No entanto, essas empresas historicamente tiveram dificuldades em acessar o mercado público: exigências burocráticas, prazos de entrega rígidos e concorrência desigual com grandes fornecedores eram barreiras quase intransponíveis. A Lei nº 14.133/2021 busca corrigir esse cenário ao prever mecanismos de incentivo direto à participação das MPEs, como a possibilidade de reservar licitações de até R$ 80 mil exclusivamente para elas, além da exigência de divisão de objetos em lotes, que facilita a entrada de pequenos fornecedores em certames de maior valor.

Esse ponto é crucial para a economia municipal. Imagine uma prefeitura que, em vez de contratar uma grande fornecedora nacional para o fornecimento de gêneros alimentícios da merenda escolar, divide os lotes de compra e abre espaço para pequenos agricultores e comerciantes locais. O resultado é imediato: o dinheiro público investido retorna à própria comunidade em forma de emprego, renda e arrecadação de tributos. O mesmo pode ocorrer em setores como transporte escolar, manutenção predial, fornecimento de uniformes ou serviços de informática. Cada contrato firmado com uma empresa do município representa um recurso que circula mais vezes dentro da própria economia local.

Além disso, a lei fortalece a lógica da contratação sustentável, estimulando critérios que valorizam impactos sociais, regionais e ambientais. No caso dos municípios, isso pode se traduzir em editais que privilegiem fornecedores locais ou regionais quando houver equivalência técnica e de preço. Essa mudança de mentalidade de “comprar pelo menor preço” para “comprar com eficiência e impacto”, é essencial para transformar a licitação em instrumento de desenvolvimento econômico.

Outro avanço é a ampliação do uso de meios digitais. Pregões e dispensas eletrônicas tornam os processos mais rápidos e transparentes, ao mesmo tempo em que podem reduzir barreiras de acesso para os pequenos empresários, desde que as prefeituras invistam em capacitação e tecnologia. Nesse sentido, programas de apoio e treinamento em parceria com o SEBRAE e associações comerciais podem ser determinantes para que as MPEs locais aprendam a participar de licitações de forma competitiva.

Mas é preciso frisar: a lei, sozinha, não resolverá o problema. A forma como os municípios irão aplicá-la será decisiva. Gestores públicos podem mapear os segmentos empresariais existentes no município, identificar quais produtos e serviços poderiam ser fornecidos localmente e estruturar os editais de modo a estimular a participação desses atores. Isso significa transformar a licitação em uma política de desenvolvimento endógeno, capaz de reter riqueza no território e reduzir a dependência de fornecedores externos.

Os benefícios de adotar essa visão estratégica vão além da simples dinamização da economia local. Contratar empresas próximas também facilita o acompanhamento do contrato, melhora o tempo de resposta do fornecedor e gera maior comprometimento. Pequenas empresas locais tendem a ter vínculos diretos com a comunidade e, portanto, maior interesse em manter a qualidade dos serviços prestados.

Em um país onde muitas vezes a legislação é vista como obstáculo, a nova Lei de Licitações abre uma janela de oportunidade para os municípios inovarem na gestão pública. O desafio está em abandonar a visão formalista e restritiva, herdada da antiga Lei nº 8.666/1993, e adotar a nova norma como instrumento de política econômica e social.

Ao priorizar a participação das micro e pequenas empresas, os municípios não apenas cumprem a lei, mas fortalecem seu tecido produtivo e social. Trata-se de reconhecer que cada real gasto pela prefeitura é também um investimento que pode retornar em forma de emprego, renda e desenvolvimento local. A nova lei, se bem utilizada, pode transformar a licitação pública de mera obrigação legal em um poderoso motor de crescimento econômico municipal.

 

*João Loyola é administrador, gestor de seguros, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer, na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG, e é associado do IFL-BH.