A miopia da esquerda
"A agenda da esquerda brasileira segue o nacional-desenvolvimentismo do século passado, amplamente rejeitado pela teoria e pela evidência empírica"
institutomillenium
Publicado em 29 de janeiro de 2018 às 09h59.
Última atualização em 29 de janeiro de 2018 às 10h00.
* Por Vítor Wilher
O julgamento do ex-presidente Lula conseguiu unir o pensamento de esquerda. Partidos e pessoas se juntaram à narrativa de que existiria uma grande conspiração, envolvendo a Polícia Federal, Ministério Público e o Poder Judiciário, para barrar a candidatura de Lula à presidência. Com efeito, passaram a atacar a operação Lava Jato e até mesmo a lei da Ficha Limpa, que torna agora o ex-presidente inelegível. Tal comportamento se enquadra, por suposto, em um espectro mais amplo, que revela miopia na construção de uma sociedade mais livre, justa e desenvolvida.
Comecemos pela operação Lava Jato. Pessoas e partidos de esquerda alegam que a operação seria seletiva, posto que estaria concentrada em membros do Partido dos Trabalhadores. Tal narrativa destoa dos fatos, basta analisar o avanço das investigações. A única diferença que salta aos olhos, por suposto, é a produtividade da justiça de primeira instância versus a do Supremo Tribunal Federal, onde estão os processos daqueles com Foro Privilegiado (os políticos). Enquanto aquela já condenou mais de uma centena de pessoas, esta não levou ninguém a julgamento. A melhora das instituições, nesse caso, vai justamente no sentido de tornar todos iguais perante a lei, o que leva ao fim do Foro Privilegiado.
A lei complementar nº 135, de junho de 2010, conhecida como “lei da ficha limpa”, busca tornar inelegíveis aqueles que tenham sido condenados em segunda instância. A legislação de iniciativa popular visa o mínimo: afastar da atividade pública condenados pela justiça. É inacreditável, por suposto, que partidos e pessoas de esquerda possam, hoje, ser contra esse expediente ou mesmo apoiem sua flexibilização.
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A miopia, infelizmente, não para por ai. A esquerda brasileira se alinhou, ainda, em um discurso antirreformista, que flerta com a irresponsabilidade fiscal e com todas as consequências daí advindas. Os números gritam. O país gasta hoje mais de 12% do PIB com previdência, quando a população com mais de 65 anos representa algo entre 5% e 6% da população total. O Japão, com quase 20% de população idosa gasta algo próximo 9% do PIB com previdência. Se nada for feito, a propósito, daqui a 10 anos, o estado brasileiro gastará 80% de tudo o que arrecada para pagar previdência; drenando recursos da saúde, educação e segurança pública, com impacto explosivo sobre a dívida pública e toda a macroeconomia do país.
A miopia econômica, porém, se agrava. A agenda da esquerda brasileira segue o nacional-desenvolvimentismo do século passado, amplamente rejeitado pela teoria e pela evidência empírica. Enquanto a literatura avançou no sentido de colocar no aprimoramento das instituições a causa maior do desenvolvimento econômico, a esquerda se concentra na manipulação de preços como juros e câmbio e na intervenção em setores tidos como “estratégicos”. Expedientes, aliás, utilizados várias vezes no país (inclusive recentemente sob o nome de Nova Matriz Econômica), com fracasso amplamente conhecido.
O relatório doing business do Banco Mundial, a propósito, mostra evidências robustas de que sem reformas, nosso ambiente de negócios continuará inibindo o empreendedorismo e, portanto, a construção de uma sociedade mais desenvolvida. A conjunção de teoria e evidência não sensibiliza a esquerda, que prefere proteger setores da concorrência externa, manipular preços e subsidiar investimentos. Mesmo que esse capitalismo de compadres tenha se revelado não apenas inócuo, como fonte de relações espúrias, amplamente divulgadas pela operação Laja Jato.
Melhorar as instituições do país, seja para construir um Estado de Direito, seja para melhorar o ambiente de negócios, não parece fazer parte das preocupações da esquerda. Presa em dogmas, conspirações e teorias rejeitadas pela evidência empírica, trabalha na contramão de uma sociedade mais livre, justa e desenvolvida. Até quando vai a miopia?
* Vítor Wilher é bacharel e mestre em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo se especializado na construção de modelos macroeconométricos e análise da conjuntura macroeconômica doméstica e internacional. É o criador do blog Análise Macro, um dos melhores e mais ativos blogs econômicos brasileiros e sócio da MacroLab Consultoria, empresa especializada em data analysis, construção de cenários e previsões e fundador do extinto Grupo de Estudos sobre Conjuntura Econômica (GECE-UFF).
* Por Vítor Wilher
O julgamento do ex-presidente Lula conseguiu unir o pensamento de esquerda. Partidos e pessoas se juntaram à narrativa de que existiria uma grande conspiração, envolvendo a Polícia Federal, Ministério Público e o Poder Judiciário, para barrar a candidatura de Lula à presidência. Com efeito, passaram a atacar a operação Lava Jato e até mesmo a lei da Ficha Limpa, que torna agora o ex-presidente inelegível. Tal comportamento se enquadra, por suposto, em um espectro mais amplo, que revela miopia na construção de uma sociedade mais livre, justa e desenvolvida.
Comecemos pela operação Lava Jato. Pessoas e partidos de esquerda alegam que a operação seria seletiva, posto que estaria concentrada em membros do Partido dos Trabalhadores. Tal narrativa destoa dos fatos, basta analisar o avanço das investigações. A única diferença que salta aos olhos, por suposto, é a produtividade da justiça de primeira instância versus a do Supremo Tribunal Federal, onde estão os processos daqueles com Foro Privilegiado (os políticos). Enquanto aquela já condenou mais de uma centena de pessoas, esta não levou ninguém a julgamento. A melhora das instituições, nesse caso, vai justamente no sentido de tornar todos iguais perante a lei, o que leva ao fim do Foro Privilegiado.
A lei complementar nº 135, de junho de 2010, conhecida como “lei da ficha limpa”, busca tornar inelegíveis aqueles que tenham sido condenados em segunda instância. A legislação de iniciativa popular visa o mínimo: afastar da atividade pública condenados pela justiça. É inacreditável, por suposto, que partidos e pessoas de esquerda possam, hoje, ser contra esse expediente ou mesmo apoiem sua flexibilização.
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A miopia, infelizmente, não para por ai. A esquerda brasileira se alinhou, ainda, em um discurso antirreformista, que flerta com a irresponsabilidade fiscal e com todas as consequências daí advindas. Os números gritam. O país gasta hoje mais de 12% do PIB com previdência, quando a população com mais de 65 anos representa algo entre 5% e 6% da população total. O Japão, com quase 20% de população idosa gasta algo próximo 9% do PIB com previdência. Se nada for feito, a propósito, daqui a 10 anos, o estado brasileiro gastará 80% de tudo o que arrecada para pagar previdência; drenando recursos da saúde, educação e segurança pública, com impacto explosivo sobre a dívida pública e toda a macroeconomia do país.
A miopia econômica, porém, se agrava. A agenda da esquerda brasileira segue o nacional-desenvolvimentismo do século passado, amplamente rejeitado pela teoria e pela evidência empírica. Enquanto a literatura avançou no sentido de colocar no aprimoramento das instituições a causa maior do desenvolvimento econômico, a esquerda se concentra na manipulação de preços como juros e câmbio e na intervenção em setores tidos como “estratégicos”. Expedientes, aliás, utilizados várias vezes no país (inclusive recentemente sob o nome de Nova Matriz Econômica), com fracasso amplamente conhecido.
O relatório doing business do Banco Mundial, a propósito, mostra evidências robustas de que sem reformas, nosso ambiente de negócios continuará inibindo o empreendedorismo e, portanto, a construção de uma sociedade mais desenvolvida. A conjunção de teoria e evidência não sensibiliza a esquerda, que prefere proteger setores da concorrência externa, manipular preços e subsidiar investimentos. Mesmo que esse capitalismo de compadres tenha se revelado não apenas inócuo, como fonte de relações espúrias, amplamente divulgadas pela operação Laja Jato.
Melhorar as instituições do país, seja para construir um Estado de Direito, seja para melhorar o ambiente de negócios, não parece fazer parte das preocupações da esquerda. Presa em dogmas, conspirações e teorias rejeitadas pela evidência empírica, trabalha na contramão de uma sociedade mais livre, justa e desenvolvida. Até quando vai a miopia?
* Vítor Wilher é bacharel e mestre em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo se especializado na construção de modelos macroeconométricos e análise da conjuntura macroeconômica doméstica e internacional. É o criador do blog Análise Macro, um dos melhores e mais ativos blogs econômicos brasileiros e sócio da MacroLab Consultoria, empresa especializada em data analysis, construção de cenários e previsões e fundador do extinto Grupo de Estudos sobre Conjuntura Econômica (GECE-UFF).