Colunistas

A Lição do Cepo Cambiário: O que Aprendemos com a Argentina

Entenda os efeitos dessa política pelo tempo que perdurou e por que o fim dela é positivo para as famílias e firmas argentinas

People attend a protest against the agreement between the Argentina's government and the International Monetary Found at Plaza de Mayo square as US Treasury Secretary Scott Bessent meets with President Javier Milei at Casa Rosada presidential palace in Buenos Aires on April 14, 2025. (Photo by Luis ROBAYO / AFP) (Luis Robayo/AFP)

People attend a protest against the agreement between the Argentina's government and the International Monetary Found at Plaza de Mayo square as US Treasury Secretary Scott Bessent meets with President Javier Milei at Casa Rosada presidential palace in Buenos Aires on April 14, 2025. (Photo by Luis ROBAYO / AFP) (Luis Robayo/AFP)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 29 de abril de 2025 às 21h06.

Por Gabriel Grilli*

 

Criado no governo de Mauricio Macri e intensificado na gestão de Alberto Fernandez, o tão criticado Cepo Cambiario chegou ao fim na Argentina em 14 de abril de 2025, após acordo de Javier Milei com o FMI. A lei inicialmente estabelecia um limite de 10 mil dólares mensais de compra de dólares por pessoas físicas, mas chegou a 200 dólares no final do governo de Fernandez e seguiu assim até o seu fim. Quais foram os efeitos dessa política pelo tempo que perdurou e por que o fim dela é positivo para as famílias e firmas argentinas?

Dado o histórico inflacionário do país, é comum que as pessoas recorram ao dólar para suprir duas das três funções básicas da moeda: reserva de valor e unidade de conta. Isso ocorre porque, diante das constantes incertezas sobre a oscilação dos preços da cesta de consumo, há o receio de que a moeda local perca valor entre o momento do recebimento e o do pagamento de suas despesas. Para evitar prejuízos em suas demandas domésticas, as famílias preferem não manter quantias significativas em pesos argentinos. Mas assim como qualquer outro produto e serviço, a moeda também é um bem, e quaisquer leis que visem dificultar sua livre circulação irá causar não apenas sua valorização, mas também beneficiará o exercício de todo um mercado informal, voltado única e exclusivamente a este bem.

Dólar Blue, Dólar Netflix e até Dólar Taylor Swift. Todas essas são cotações paralelas dos dólares americanos na Argentina. No pico do mercado informal de câmbio, em 2022, havia 14 cotações diferentes para a moeda somente em Buenos Aires, adaptadas para diferentes circunstâncias de mercado e transações, desde o setor do turismo e hotelarias, até cotações exclusivas para o pagamento de serviços de streaming ou shows da turnê da cantora Taylor Swift.

As decisões de política econômica do presidente Javier Milei têm sido amplamente criticadas pela mídia internacional. No entanto, até mesmo seus opositores reconhecem os resultados alcançados, especialmente na redução de gastos e no combate à inflação. De acordo com o relatório de março de 2025 do INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da República Argentina), a inflação caiu de 278,9% em março de 2024 para 55,9% em março de 2025 — uma queda expressiva, que evidencia o impacto das medidas adotadas.

Assim como suas medidas de austeridade fiscal e desburocratização, a decisão de encerrar o Cepo Cambiário também tem gerado opiniões divergentes e provocado reações intensas ao redor do mundo, com manchetes destacando o impacto imediato sobre o mercado cambial e a forte desvalorização do peso argentino no dia do anúncio. Em apenas nove dias, entre 14 e 23 de abril de 2025, o Dólar Blue — principal referência do dólar no mercado informal — acumulou uma desvalorização de 12,08%, enquanto a cotação oficial recuou apenas 1,60% no mesmo período. Esse movimento revela uma preferência pelo dólar oficial em relação ao paralelo, após a retirada das restrições cambiais. Isso ocorreu mesmo com a liquidação de cerca de 500 milhões de dólares em reservas na Sexta-feira de Páscoa e a limitação do mecanismo de recompra dos bancos durante o feriado.

A expectativa é que o Dólar Blue e as outras cotações paralelas sigam para o desaparecimento ao longo dos anos seguintes e que a cotação oficial finalmente volte a ser a preferida pelas famílias e firmas por toda a Argentina.

Essa experiência traz reflexões valiosas, não só sobre o comportamento de uma população desconfiada sobre a própria moeda frente a restrições, mas também sobre o funcionamento de uma moeda em si. Como mencionado anteriormente, a moeda é um bem como qualquer outro e, por isso, está sujeita às leis de oferta e demanda. Restringir sua oferta diante de uma demanda crescente tende apenas a provocar uma valorização abrupta desse ativo, além de fortalecer o mercado paralelo, que se beneficia dessa escassez. Esse cenário acaba por enfraquecer o controle do banco central sobre a política monetária — ou seja, representa um verdadeiro tiro no próprio pé.

 

*Gabriel Grilli é pesquisador no Índice IBMEC de Liberdade Econômica, alumni pelos American Institute for Economic Research e The Fund for American Studies

Acompanhe tudo sobre:Argentina