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A inflação e o jogo dos sete erros

Com o estado forçando a atividade econômica, às custas de aumento do endividamento público, cresce a percepção de insustentabilidade do crescimento

Hortifruti do mercado Atacadão Pacaembu, consumo, consumidotres, mercado, compras, mercadoria, alimentos, inflação, produtos

Foto: Leandro Fonseca
Data: 10/09/2024Frutas (Leandro Fonseca/Exame)

Hortifruti do mercado Atacadão Pacaembu, consumo, consumidotres, mercado, compras, mercadoria, alimentos, inflação, produtos Foto: Leandro Fonseca Data: 10/09/2024Frutas (Leandro Fonseca/Exame)

Instituto Millenium
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Publicado em 29 de janeiro de 2025 às 21h01.

Nos últimos dias, a inflação – especialmente a de alimentos – provocou desconforto entre os políticos do Executivo nacional, que anunciaram buscar medidas para conter a alta de preços. Contudo, as supostas medidas para reduzir os preços de alimentos trazem consigo uma coletânea de imprecisões, tanto no diagnóstico quanto nas soluções, mimetizando o jogo dos sete erros.

A inflação de alimentos, que encerrou o ano de 2024 com alta de 8,2% e bem acima dos 4,8% da inflação total, foi fortemente impactada pelos aumentos dos preços da carne (20,8%), do café moído (39,6%) e do leite (18,8%). O crescimento nos preços de alimentos decorreu da menor safra, das influências climáticas, mas, principalmente, da desvalorização de 27% do real ao longo do ano.

A valorização dessas commodities alimentícias, em dólar, foi inferior ao crescimento de seus preços no mercado doméstico, com aumento de 11,6% na cotação do boi gordo, crescimento médio de 34,4% na saca de café arábica e aumento de 8,4% no litro de leite. Com preços de alimentos determinados no mercado internacional, em dólares, quanto maior a perda de valor da moeda local, menor é o poder de compra dos brasileiros e maior será o custo de aquisição dos alimentos.

A primeira imprecisão decorre de uma fala do Presidente da República que, recentemente, enunciou que ‘pobre não compra dólar, compra comida’. O ‘pobre’ pode não comprar dólar enquanto moeda, mas compra alimentos, que são cotados em dólar, o que, na prática, significa a mesma coisa.

A segunda imprecisão está associada à ideia de que reduzir as tarifas de importação ajudaria no combate a inflação de alimentos. Se os preços cresceram mais internamente do que no cenário internacional, logo, o problema está associado à formação de preços no mercado doméstico: isso é, o efeito da desvalorização do real sobre os preços de alimentos.

A terceira imprecisão decorre do diagnóstico de que a supersafra poderia reduzir os preços de alimentos. A previsão de safras recordes vale apenas para alguns grãos e não levaria a maior oferta de café, de açúcar ou de carne bovina, que continuariam pressionando a inflação de alimentos e o orçamento das famílias brasileiras.

A quarta imprecisão está associada a iniciativa de reduzir o custo de intermediação das operações feitas com vales refeição e alimentação. Ainda que não esteja claro como o governo pretenderia reduzir as alíquotas de intermediação financeira, o resultado provavelmente converter-se-ia em maior margem dos distribuidores de alimentos e dos estabelecimentos comerciais, não havendo transbordamento deflacionários para os alimentos.

A quinta imprecisão relaciona-se à ideia de que o governo deveria realizar algum tipo de intervenção nos preços de alimentos. Quantas vezes já observamos alta no preço dos alimentos? Em uma economia de mercado, os preços são como o idioma, transmitindo informações sobre a oferta, a demanda e o valor dos bens. Se os preços de alimentos são maiores hoje, então a produção será maior na próxima safra, aumentando a oferta e equalizando o preço de alimentos. Produtos agropecuários tem preços voláteis, é uma característica desse mercado.

A sexta imprecisão relaciona-se ao diagnóstico de que o problema reside apenas na inflação de alimentos. Com o mercado de trabalho aquecido – com a taxa de desemprego nas mínimas históricas, abaixo da taxa natural e com crescimento dos salários acima da inflação – e sem a capacidade ociosa derivada da pandemia, a maior pressão inflacionária deve vir do segmento de serviços em 2025, não dos alimentos.

A sétima imprecisão é não identificar as causas do aumento do nível de preços. A carestia generalizada e o reiterado descumprimento das metas de inflação são o corolário de uma atividade econômica aquecida para além de sua capacidade produtiva, impulsionada pelo aumento dos gastos do governo. Com o estado forçando a atividade econômica, as custas de aumento do endividamento público, cresce a percepção de insustentabilidade do crescimento econômico, ampliando o risco fiscal, a depreciação da moeda e fazendo com que os agentes econômicos domésticos e externos exijam mais prêmio de risco – juros de longo prazo – para financiar o estado brasileiro.

A inflação cheia está acima do centro da meta de inflação, os núcleos de inflação – que excluem os itens mais voláteis, como alimentos e energia – estão em patamares incompatíveis com a convergência da inflação para o centro da meta, as expectativas de inflação estão desancoradas e as projeções indicam que, em 2025, a inflação estourará o limite superior da meta pelo segundo ano consecutivo.

Nessa esteira, criamos um ciclo perverso e vicioso, em que a conjunção entre atividade econômica aquecida e a desvalorização do real tornam os produtos mais caros em moeda nacional, acelerando a inflação e obrigando o Banco Central a elevar a taxa básica de juros. Com juros mais altos, comprimem-se as condições financeiras das firmas, que, com custos mais altos, precisam reajustar preços, levando a mais inflação e ao encarecimento dos alimentos, quem chegam à mesa das famílias brasileiras.

*Izak Carlos da Silva é economista-chefe do BDMG

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