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A guerra contemporânea é das armas ou dos meios de Comunicação?

Em meio ao avanço da tecnologia e da comunicação digital, a guerra deixou de ser apenas física e passou a ser, também, simbólica e informacional

Tarifas; guerra comercial (Nuthawut Somsuk/Getty Images)

Tarifas; guerra comercial (Nuthawut Somsuk/Getty Images)

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 7 de agosto de 2025 às 21h01.

Por Victória Duarte Brito*, associada do IFL-BSB

 

Durante séculos, a guerra foi entendida como um confronto armado, travado em campos de batalha, com soldados, tanques e estratégias militares. A vitória era medida em território conquistado, força bélica e poder de destruição. No entanto, no século XXI, esse conceito vem sendo transformado. Em meio ao avanço da tecnologia e da comunicação digital, a guerra deixou de ser apenas física e passou a ser, também, simbólica e informacional.

Hoje, não se trata apenas de quem tem mais armas, mas de quem compreende e opera com mais eficácia os sistemas comunicacionais e cognitivos da sociedade. Assim, surge a grande questão da atualidade: a guerra contemporânea é das armas ou dos meios de comunicação?

O poder da informação no centro dos conflitos

Na era digital, a informação tornou-se um ativo estratégico de altíssimo valor. Governos, organizações e grupos de interesse utilizam os meios de comunicação tradicionais e digitais, para moldar opiniões, justificar ações e enfraquecer seus adversários. A manipulação de narrativas, a produção de desinformação e o uso sistemático da propaganda digital são hoje recursos estruturais das chamadas guerras híbridas, conceito que designa o entrelaçamento de ações militares, cibernéticas, econômicas e comunicacionais em um único campo de conflito.

Nesse sentido, os algoritmos conjuntos de regras programadas para processar e filtrar dados, deixam de ser ferramentas neutras e passam a ser instrumentos de poder e disputa. A inteligência artificial (IA), por sua vez, intensifica esse processo ao permitir a automação de decisões, a personalização de discursos e a multiplicação de conteúdo com eficiência inédita.

A guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, ilustra bem essa transformação. Paralelamente ao confronto físico, houve a construção massiva de narrativas nas redes sociais, a circulação seletiva de imagens e a disputa pelo enquadramento moral e geopolítico dos acontecimentos. Como alertava Sun Tzu, “toda guerra é baseada no engano”; na era digital, esse princípio é atualizado pelas estratégias de simulação e hipervisibilidade, como apontaria Jean Baudrillard em sua crítica à mídia contemporânea.

Diferente das guerras convencionais, os conflitos informacionais não têm fronteiras definidas nem cessar-fogo. Eles ocorrem em tempo real, 24 horas por dia, nos dispositivos digitais, nos canais de notícias, nas plataformas de vídeo e nos aplicativos de mensagens. O inimigo pode ser um Estado, um grupo descentralizado ou até mesmo um agente anônimo operando a partir de um smartphone.

Trata-se de uma guerra permanente e distribuída, cujos impactos não se restringem aos campos de batalha, mas reverberam diretamente na cultura, na política e na vida cotidiana das populações. A ideia de "vencer a guerra" se transforma: não se trata apenas de derrotar o adversário, mas de controlar os significados atribuídos ao conflito. o que remete à noção de “guerra como continuação da política por outros meios”, de Carl von Clausewitz, agora ampliada à esfera das redes e da cognição coletiva.

A centralidade das narrativas e seus limites

Embora a disputa comunicacional seja decisiva nos conflitos contemporâneos, é importante reconhecer uma possível objeção ao argumento central: a comunicação, por si só, não substitui a força militar tradicional. Em muitos cenários, o uso de armas ainda determina a ocupação de territórios, a sobrevivência de populações e a manutenção do poder. A guerra física continua sendo um fator de coerção e soberania. A primazia das narrativas é, portanto, relativa a sua eficácia está condicionada à capacidade de operar em sinergia com os meios materiais e políticos.

Ainda assim, o que está em jogo é a compreensão de que não há mais como dissociar o combate físico do combate simbólico. Os drones carregam mísseis, mas também câmeras. As bombas explodem em cidades, mas as imagens explodem nas redes.

Conclusão: o futuro híbrido dos conflitos

A guerra contemporânea deve ser compreendida por três eixos interdependentes: a informação como ativo estratégico, a comunicação como campo de disputa simbólica permanente, e a tecnologia como força estruturante da nova ordem geopolítica.

À luz de pensadores clássicos e contemporâneos, podemos afirmar que o conflito moderno não se limita ao uso da força bruta, mas se expande para os territórios da percepção, da linguagem e da cognição. Vivemos, portanto, uma era de guerras híbridas, nas quais a eficácia bélica depende tanto da capacidade de destruir quanto da de convencer.

O futuro dos conflitos será cada vez mais híbrido, feito de armas, mas também de dados; de soldados, mas também de programadores; de trincheiras, mas também de telas. E nesse novo campo de batalha, compreender a comunicação não é mais um detalhe tático, mas uma exigência estratégica de sobrevivência.

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