A genética a serviço da saúde pública
Foi demonstrado pela primeira vez que analisar o código genético de cada indivíduo pode ajudar a rastrear o câncer de mama em mulheres
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 17 de maio de 2024 às 14h41.
Em fevereiro deste ano, no mais prestigioso jornal científico sobre oncologia, foi publicado um estudo [1] que vai mudar definitivamente a saúde pública. Foi demonstrado pela primeira vez que analisar o genótipo (código genético) de cada indivíduo, em especial locais do DNA que são sabidamente associados a maior risco de câncer de mama, pode selecionar as mulheres de tal modo a individualizar seus exames de rastreio para esse tipo de câncer. Em vez de se fazer o mesmo tipo de exame (mamografia) a cada 2 anos para todas as mulheres, que é a recomendação mundialmente aceita, há mulheres que não precisam fazer rastreio, há mulheres que se beneficiam de rastreio como mamografia a cada 2 anos, anual e outras que necessitam de exames mais sofisticados como ressonância magnética.
O que já muito aventávamos como hipótese e em estudos metodologicamente mais simples, teve sua demonstração com maior grau de certeza ao se avaliar o banco de dados nacional finlandês. O exame genético em questão, a genotipagem, é diferente do exame que pedimos hoje em nossa prática em oncogenética para avaliação de síndromes de predisposição hereditárias ao câncer. Nesse estudo, avaliamos a sequência completa de alguns genes sabidamente causadores de câncer se houver mutações causadoras de perda de função nas proteínas que esses genes codificam. São alterações (mutações = variantes) genéticas mais raras e que sozinha podem promover grande chance de câncer em um indivíduo. Já na genotipagem, avaliamos locais previamente conhecidos ao longo de todo DNA. Locais que muitas vezes não sabemos ao certo suas funções.
Diferente do sequenciamento mencionado anteriormente, não são mutações ou alterações, mas apenas diferenças (polimorfismos) que estão ligadas ao aumento do risco de câncer de forma muito discreta. Porém, como são centenas possíveis, esses polimorfismos genéticos se acumulam em determinadas famílias fazendo com que seus riscos sejam somados ou às vezes até multiplicados levando determinadas pessoas a um risco muito alto de câncer. Para se ter uma ideia da capacidade em predizer chance de câncer de mama, se pensarmos em ambas as caudas que abarcam 10% cada de uma distribuição normal (uma curva de Gauss) temos um risco de câncer de mama acumulado de mais de 20% para o grupo de maior risco contra menos de 5% para o grupo de menor risco. Se associarmos o exame de sequenciamento e a história familiar, chegamos para os mesmos 10% dos extremos da curva o menor risco permanece menos de 5% enquanto os 10% de maior risco chega a quase 40% de chance de ter câncer até os 80 anos de idade.
Os números acima podem vir a nortear toda uma mudança de política em saúde pública após análises de custo-efetividade e avaliação prospectiva, entretanto já é possível naquele país começar a pensar nesse próximo passo. Identificar as pessoas com maior risco de câncer faz com que se intensifiquem os tipos de exames e até tratamentos preventivos! Equidade em sua forma mais prática.
Os exames de genotipagem mudam de acordo com a população e aqui no Brasil ainda carece dessa avaliação. Os pesquisadores liderados pelo Prof. Leandro Colli da USP-Ribeirão Preto estão em vias de liberarem os primeiros resultados e em breve poderemos adotar condutas mais assertivas e individualizadas para nossa população também.
Citei apenas o caso de câncer de mama. Mas a análise de vários polimorfismos gerando um risco individual para doença (ou score de risco poligênico) já estão amplamente difundidos para múltiplas doenças ou condições humanas. Não apenas câncer, mas demência, doença cardiovascular, doenças psiquiátricas, alergias, intolerância a medicações, entre outras. Com o aumento geométrico dos custos em saúde, avançar na prevenção e detecção precoce das doenças é um caminho necessário. Pensando nisso, em junho desse ano iniciaremos um projeto visando colocar em prática muitos desses conceitos, e com os exames disponíveis no país, com a finalidade de promover saúde e diminuir sinistralidade junto com um grande plano de saúde.
Com essa realidade que se avizinha, urge a sociedade avançar em conversas sobre regulamentações e discussões éticas sobre essas tecnologias. Em um país que tanto sofre por falta de recursos e acesso, a genética pode ajudar a trazer equidade e mais saúde para nossa população.
Em fevereiro deste ano, no mais prestigioso jornal científico sobre oncologia, foi publicado um estudo [1] que vai mudar definitivamente a saúde pública. Foi demonstrado pela primeira vez que analisar o genótipo (código genético) de cada indivíduo, em especial locais do DNA que são sabidamente associados a maior risco de câncer de mama, pode selecionar as mulheres de tal modo a individualizar seus exames de rastreio para esse tipo de câncer. Em vez de se fazer o mesmo tipo de exame (mamografia) a cada 2 anos para todas as mulheres, que é a recomendação mundialmente aceita, há mulheres que não precisam fazer rastreio, há mulheres que se beneficiam de rastreio como mamografia a cada 2 anos, anual e outras que necessitam de exames mais sofisticados como ressonância magnética.
O que já muito aventávamos como hipótese e em estudos metodologicamente mais simples, teve sua demonstração com maior grau de certeza ao se avaliar o banco de dados nacional finlandês. O exame genético em questão, a genotipagem, é diferente do exame que pedimos hoje em nossa prática em oncogenética para avaliação de síndromes de predisposição hereditárias ao câncer. Nesse estudo, avaliamos a sequência completa de alguns genes sabidamente causadores de câncer se houver mutações causadoras de perda de função nas proteínas que esses genes codificam. São alterações (mutações = variantes) genéticas mais raras e que sozinha podem promover grande chance de câncer em um indivíduo. Já na genotipagem, avaliamos locais previamente conhecidos ao longo de todo DNA. Locais que muitas vezes não sabemos ao certo suas funções.
Diferente do sequenciamento mencionado anteriormente, não são mutações ou alterações, mas apenas diferenças (polimorfismos) que estão ligadas ao aumento do risco de câncer de forma muito discreta. Porém, como são centenas possíveis, esses polimorfismos genéticos se acumulam em determinadas famílias fazendo com que seus riscos sejam somados ou às vezes até multiplicados levando determinadas pessoas a um risco muito alto de câncer. Para se ter uma ideia da capacidade em predizer chance de câncer de mama, se pensarmos em ambas as caudas que abarcam 10% cada de uma distribuição normal (uma curva de Gauss) temos um risco de câncer de mama acumulado de mais de 20% para o grupo de maior risco contra menos de 5% para o grupo de menor risco. Se associarmos o exame de sequenciamento e a história familiar, chegamos para os mesmos 10% dos extremos da curva o menor risco permanece menos de 5% enquanto os 10% de maior risco chega a quase 40% de chance de ter câncer até os 80 anos de idade.
Os números acima podem vir a nortear toda uma mudança de política em saúde pública após análises de custo-efetividade e avaliação prospectiva, entretanto já é possível naquele país começar a pensar nesse próximo passo. Identificar as pessoas com maior risco de câncer faz com que se intensifiquem os tipos de exames e até tratamentos preventivos! Equidade em sua forma mais prática.
Os exames de genotipagem mudam de acordo com a população e aqui no Brasil ainda carece dessa avaliação. Os pesquisadores liderados pelo Prof. Leandro Colli da USP-Ribeirão Preto estão em vias de liberarem os primeiros resultados e em breve poderemos adotar condutas mais assertivas e individualizadas para nossa população também.
Citei apenas o caso de câncer de mama. Mas a análise de vários polimorfismos gerando um risco individual para doença (ou score de risco poligênico) já estão amplamente difundidos para múltiplas doenças ou condições humanas. Não apenas câncer, mas demência, doença cardiovascular, doenças psiquiátricas, alergias, intolerância a medicações, entre outras. Com o aumento geométrico dos custos em saúde, avançar na prevenção e detecção precoce das doenças é um caminho necessário. Pensando nisso, em junho desse ano iniciaremos um projeto visando colocar em prática muitos desses conceitos, e com os exames disponíveis no país, com a finalidade de promover saúde e diminuir sinistralidade junto com um grande plano de saúde.
Com essa realidade que se avizinha, urge a sociedade avançar em conversas sobre regulamentações e discussões éticas sobre essas tecnologias. Em um país que tanto sofre por falta de recursos e acesso, a genética pode ajudar a trazer equidade e mais saúde para nossa população.