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A evolução da globalização 

Entendendo o passado para repensar o futuro da globalização em um mundo fragmentado 

Produção: venda globalizada via internet, mas produção verticalizada por regiões ou países (Getty Images)

Produção: venda globalizada via internet, mas produção verticalizada por regiões ou países (Getty Images)

Ronald Hillbrecht
Ronald Hillbrecht

Colunista - Instituto Millenium na Exame

Publicado em 30 de julho de 2025 às 20h38.

A história econômica da globalização mostra que ela é moldada por três forças que operam se reforçando, se limitando e, eventualmente, entrando em conflito. Ela mostra também que globalização é uma importante fonte de prosperidade para países que dela participam ativamente, e que vale a pena preservá-la, limitando seus aspectos negativos. Este artigo discute as diversas fases da globalização e quais os desafios atuais a serem superados.  

A evolução da globalização depende de três forças que vêm interagindo de formas distintas ao longo do tempo: tecnologia, política econômica e geopolítica, que nunca operaram isoladamente.  O mundo atual é caracterizado por uma aceleração sem precedentes de todas elas, mas em direções divergentes. A tecnologia expande as possibilidades de integração produtiva por meio da digitalização e da inteligência artificial. Ao mesmo tempo, governos retornam a políticas industriais e protecionistas, muitas vezes impulsionados por pressões domésticas. Já a geopolítica, principalmente na rivalidade China-Estados Unidos, introduz o risco de fragmentação econômica e conflito estratégico. O resultado não é necessariamente o colapso da globalização, mas sua reconfiguração. 

Baldwin e Ruta (2025) descreve quatro grandes ondas da globalização. Em cada uma delas, a interação entre tecnologia, política econômica e geopolítica define os contornos da integração econômica: 

- A Primeira Onda (1870–1914): a revolução tecnológica, com navios a vapor, telégrafo e ferrovias, reduziu drasticamente os custos de transação, promovendo o comércio global. Políticas econômicas oscilaram entre o liberalismo comercial e acordos bilaterais discriminatórios. A geopolítica teve papel ambíguo: impérios coloniais expandiram mercados e infraestrutura, mas também geraram tensões e exclusões. A combinação levou a uma globalização “imperial”, com migração em massa e início da industrialização periférica. 

- A Grande Retração (1914–1945): a geopolítica se impôs. As duas guerras mundiais, o colapso do padrão-ouro e o protecionismo da Grande Depressão (ex. tarifas Smoot-Hawley) desarticularam as cadeias econômicas globais. Apesar do progresso tecnológico, as políticas econômicas se tornaram nacionalistas e defensivas. O resultado foi o colapso da ordem liberal e a ascensão de regimes totalitários, em resposta ao desemprego, à desigualdade e à instabilidade política. 

- A Segunda Onda (1945–1989): no contexto da Guerra Fria, a geopolítica moldou os blocos econômicos. No Ocidente, a convergência entre políticas liberais (Bretton Woods, GATT, integração europeia) e tecnologias de transporte e comunicação permitiu reconstrução e crescimento. As políticas econômicas favoreceram o estado de bem-estar e a industrialização a partir de estímulos de demanda agregada e de incentivos a indústrias escolhidas, chamada de industrialização keynesiana. No bloco soviético, prevaleceu a integração planificada. A globalização foi parcial, mas profunda nos países centrais. 

- A Terceira Onda, ou a Hiper globalização (1990–2008): a convergência das três forças atingiu seu ápice. O fim da Guerra Fria expandiu o mercado global. A política comercial foi marcada pela criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) e de importantes acordos regionais. A tecnologia da informação permitiu o “desmembramento” das cadeias produtivas, impulsionando os países emergentes. O mundo viu uma redução drástica da desigualdade econômica entre países, conhecida como a Grande Convergência, mas com aumento da desigualdade interna nas economias desenvolvidas. Essa tensão foi subestimada e mal gerida. 

- A época atual (a partir de 2008): o padrão de convergência das três forças se rompe. Mudanças em tecnologia, política e geopolítica se intensificam, mas em direções distintas. A tecnologia digital e a inteligência artificial tornam serviços cada vez mais comercializáveis e permitem novas formas de coordenação produtiva entre países. Entretanto, elas também favorecem a automação e a reindustrialização doméstica, reduzindo o incentivo ao offshoring baseado em salários mais baixos. A impressão 3D, por exemplo, desafia a lógica tradicional das cadeias longas de suprimento, permitindo e facilitando produção perto das áreas de consumo. 

Nas políticas econômicas, há uma intensificação da intervenção estatal, com destaque para políticas industriais, subsídios, controles de exportação e tarifas. Após a COVID-19, mais de 70% das novas medidas comerciais foram protecionistas. Países buscam “resiliência” em detrimento da eficiência, mesmo que isso implique distorções nos fluxos globais.  

A geopolítica, por sua vez, reintroduz o risco sistêmico. O enfraquecimento da confiança no sistema multilateral, as sanções econômicas, o uso estratégico da interdependência e a formação de blocos, como por exemplo o BRICS, desafiam o modelo cooperativo, onde a disputa tecnológica entre EUA e China é o epicentro dessa tensão. De fato, há um aumento de medidas protecionistas no mundo sob a argumentação de “segurança nacional”. O novo protecionismo não mais é calcado em considerações econômicas, mas em geopolítica. 

Essa nova fase é caracterizada por um paradoxo distributivo: a globalização reduziu desigualdades entre países, mas aumentou a desigualdade dentro deles, especialmente nos países ricos. Esse desequilíbrio tem moldado as políticas econômicas e sociais. Em vez de fortalecer sistemas de proteção social, reconversão produtiva e capacitação da força de trabalho, muitos governos optaram por medidas de curto prazo como tarifas e incentivos ao reshoring. Isso não apenas compromete a eficiência econômica, mas também retroalimenta a fragmentação geopolítica. 

A atual fase da globalização é marcada por aumentos de incerteza. A crescente complexidade dos fluxos econômicos exige que as instituições internacionais, como a OMC e os sistemas monetário e financeiro internacionais, se adaptem à nova realidade, incorporando novos mecanismos de flexibilidade e de acomodação geopolítica. A manutenção da cooperação internacional dependerá da capacidade de responder aos desafios distributivos da globalização, promovendo políticas que conciliem eficiência econômica, coesão social e estabilidade política. 

A história mostra que a globalização pode sobreviver a choques profundos, desde que as forças que a moldam sejam reconhecidas, compreendidas e redirecionadas. Como a globalização está em permanente estado de mudança, cabe aos formuladores de políticas, acadêmicos e cidadãos, moldarem seu rumo futuro para que continue sendo grande fonte de prosperidade, inovação e melhoria da qualidade de vida em todos os países que dela participam ativamente. 

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