A essência lúdica da Web3.0 e a era das 'Crypto Mullets'
A Web3.0, talvez mais do que qualquer outra indústria emergente, se apropria do poder unificador de algo tão simples quanto se divertir
Publicado em 14 de setembro de 2023 às, 14h53.
Desde os primeiros projetos como CryptoKitties, CryptoPunks e Bored Apes, a Web3.0 revelou uma essência lúdica e jovial. Estes projetos, com sua natureza divertida, evocam sentimentos de nostalgia, remetendo-nos aos tempos de cartas Pokémon, figurinhas da Copa ou jogos como Zelda. A Web3.0 não é apenas uma tecnologia; é um fenômeno cultural. Uma cultura que tem transformado termos técnicos como "NFTs" em "colecionáveis" e "metaverso" em "experiências imersivas".
A Web3.0, talvez mais do que qualquer outra indústria emergente, se apropria do poder unificador de algo tão simples quanto se divertir. A gamificação como alicerce dessa nova internet não só atraiu marcas para se engajarem com seu público de novas maneiras, mas também atraiu uma nova onda de consumidores.
À medida que Hollywood lucra bilhões com Marvel, Barbie e A Pequena Sereia, o mercado de gamificação está prestes a crescer a uma taxa anual de 27.9% a.a. durante os próximos 8 anos, segundo avaliação do Statista, e espera-se que já em 2025 esse mercado supere os 30 bilhões de dólares. O apelo intrínseco da Web3 à nostalgia oferece a plataforma perfeita para as marcas comunicarem essa mudança cultural intergeracional.
A nostalgia é poderosa, da Geração Z aos Baby Boomers, todos guardam memórias preciosas da infância, ancorando suas identidades pessoais. A "criança interior", essa parte de nós congelada no tempo, tem dominado a psique de colecionadores e entusiastas. E isso também influencia a forma como gastam seu dinheiro. A título de comparação, em 1990 a média de idade dos jogadores de videogame no Reino Unido era de 18 anos; essa média subiu para 32 anos em 2022. Nos EUA, a porcentagem de indivíduos com mais de 45 anos que utilizam videogames saltou de 9% em 1999 para impressionantes 25% em 2022.
Com suas experiências imersivas, jogos interativos com modelos "play-to-earn", airdrops surpresa, caixas misteriosas de NFT e recompensas cobiçadas, a Web3.0 hoje é um playground com infinitas possibilidades, onde as regras do jogo ainda estão sendo escritas.
Muitos enxergam a natureza brincalhona e jovial da Web 3.0 como um sinal de imaturidade, mas considero que esse aspecto lúdico pode se tornar a principal ponte para alcançar o grande público, acelerando a adesão a funcionalidades inovadoras em tecnologias que estão prestes a alterar fundamentalmente nossa relação com ferramentas financeiras, como o Drex e o CBDC/Real Digital Brasileiro. Contudo, apesar do avanço significativo da indústria de ativos digitais nos últimos anos, o encanto dos NFTs e das DeFis não constituirá a única rota para uma adesão mais rápida a essas tecnologias, visto que há um grande déficit tanto em educação financeira quanto em educação tecnológica em nosso país.
Por isso acredito que iremos passar por um estágio intermediário, a chamada internet 2.5 ou a internet “Crypto Mullet”. A ideia por trás da Internet 2.5 é simples: Barreiras de entrada técnicas, preocupações regulatórias, a jornada do cliente e experiência do usuário ainda ruins nas soluções Web3.0 nativas dará espaço a uma abordagem nova: uma ponte entre o familiar e o novo, permitindo que mais pessoas se envolvam com a tecnologia blockchain sem a necessidade de um conhecimento técnico profundo, similar ao valor que as plataformas “Low Code” or “No-Code” oferecem ao mercado de desenvolvimento de software.
O nome “Mullet” vem do exotico penteado que combina cabelo curto cortado no topo e nas laterais da cabeça com longas mechas no pescoço, uma referência que olhando de frente é um estilo de cabelo tradicional mas de costas parece algo rebelde, Web 2.0 na frente e Web3.0 atrás, combinando a familiaridade e a facilidade de uso do Web2.0 com a robustez, eficiência, confiança e a descentralização da Web3.0. Para o usuário médio, isso se traduz em uma experiência de uso familiar, semelhante aos aplicativos e plataformas que já utilizam diariamente. No entanto, por trás das cortinas, esses sistemas aproveitam a segurança, a transparência e a eficiência da tecnologia blockchain, criando a nova geração de Fintechs, Edtechs e de tantas outras verticais que serão transformadas pelas tecnologias descentralizadas.
Como exemplo dessa nova categoria de empresas temos alguns benchmarks brasileiros muito interessantes, como o caso da Credix, empresa que financia empresas e obtém financiamento no mercado de DeFi (finanças descentralizadas) e a AmFi (amphibious finance), empresa que vem dando acesso a originadores sub-atendidos pelo mercado tradicional de crédito e ofertando produtos de investimentos com infraestrutura de pools de liquidez. Mas não tenham dúvidas de que veremos cada vez mais empresas tradicionais como a Visa, Paypal e o próprio banco JP Morgan começando a integrar crypto, metaforicamente crescendo os cachos da nuca.
Os clientes das "Crypto Mullets" não pensam em carteiras, tokens ou criptomoedas. Em vez disso, fazem login com seus endereços de e-mail, pagam com seus cartões de crédito ou pix e acessam os serviços das empresas por meio de um navegador/app convencional. No entanto, os bastidores das "Crypto Mullets" são sistemas descentralizados e regidos por uma economia de tokens bem elaborada, codificada por meio de contratos inteligentes. Essas empresas integram NFTs e tokens fungíveis para alinhar incentivos através de compartilhamento de lucros, programas de fidelidade, governança, entre outros.
A combinação da cultura inovadora da Web3.0 com a abordagem prática das "Crypto Mullets" tem o potencial de definir o futuro da internet, tornando-a mais inclusiva, segura e eficiente.